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Isabel Pires de Lima está muito bem aqui. [texto reproduzido abaixo]

Adenda: só lamento que não tenha referido o "meu" "blogard". Pois creio, firmemente, que ser reconhecido como autor de um galicismo no português seria a minha (definitiva) glória.

Português Língua Bastarda.comPor ISABEL PIRES DE LIMAPúblicoTerça-feira, 04 de Janeiro de 2005

Na diversidade de opiniões que se constrói a democracia; é mesmo sua condição sine qua non. Ora, sendo eu cidadã de um país que vive em democracia e sendo deputada, isto é, eleita por um amplo leque de cidadãos, só posso estar atenta a essa diversidade e achar que todas os juízos merecem resposta, ao contrário do que pensam os autores do artigo Português-língua abastardada.com (Edite Prada e José Mário Costa), publicado neste jornal a 26 de Dezembro, motivado por um artigo que eu assinara dia 11. Aqui vai, pois, a merecida resposta.

Lamento que tenham respondido ao meu artigo restringindo o campo de análise do problema à variante europeia do português (PE), quando era bem claro que a reflexão em curso de âmbito sócio-linguístico se reportava ao património língua portuguesa (LP) lato sensu. Não tem cabimento, pois, entenderem que "nele se reduzem os problemas que temos com o uso da nossa variante da LP ao problema da crioulização". Quem reduziu o campo de análise foram os senhores e lá saberão porquê. Talvez porque apenas lhes interesse o PE, na medida em que parece que o consideram passível de corporizar uma/a norma que seja instrumento para "defender uma plataforma comum, que nos permita situar o nosso discurso na panóplia que possibilita a criatividade linguística" e "comunicar em todos os espaços". Não estará aqui contida uma nostalgia não tanto da norma quanto do estatuto central do PE como português "puro", situado "à parte", não contaminado, irradiador relativamente ao velho império?

Lamento ainda a dificuldade que exibiram em entender aquilo que vulgarmente é designado por uso metafórico da linguagem ao terem lido "crioulização" como "abastardamento". De resto, essa é uma metáfora bastante vulgar, próxima de uma outra, a de "mestiçagem", que Nuno Pacheco usa, num editorial do PÚBLICO do mesmo dia 11, no qual antecipa em três páginas, no privilegiado espaço do Editorial (página par), muito do que eu direi no artigo em causa (página ímpar), no qual aludia de modo identificado a anterior Editorial seu da mesma semana sobre assunto próximo.

Continuo a lamentar que não tenham percebido que o meu parágrafo de abertura se reportava a uma realidade histórico-cultural indiscutível, que teve o seu ponto culminante no século XVIII, com a emergência das línguas vernáculas e a morte definitiva do latim como língua de comunicação cultural, e tivessem daí deduzido que eu defendia a sua exclusão do sistema do ensino, assunto a que nunca aludi. Devo porém esclarecer que sempre defendi a sua manutenção nos cursos de LLM na FLUP, onde ensino há 30 anos, embora não esteja tão certa quanto os senhores de que os êxitos educativos da Finlândia tenham assim tanto a ver com o facto de ser mantido nos curricula...

Lamento também que tendo eu, por quatro vezes e em início de parágrafo, reiterado a necessidade da defesa da norma - e avançado até medidas para essa defesa, coisa que os senhores não fazem - e terminado reclamando a compatibilidade entre aceitação sem drama nacionalista da "crioulização" do português e da defesa da norma, tragam à colação, para atacar as minhas opiniões, erros de aplicação da norma do PE e os exibam com excessivo à-vontade não pedagógico para quem tem responsabilidades no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Ora este erro de análise (e certamente não a desonestidade intelectual) leva o leitor a associar esses erros dos portugueses europeus à movência da LP "abastardada" porventura pela tal "crioulização", provocada, assim, por quem não está no centro, isto é, pelos "bastardos", brancos e negros, de cá e de lá...

Concordo, pois, nem podia deixar de concordar sendo, como sou, além de deputada da Comissão Parlamentar de Educação, como fizeram o favor de lembrar, membro do CNE e professora catedrática de Literatura Portuguesa da UP, que não se pode nem se deve deixar de defender a norma. Também eu sou nostálgica da norma, podem ter a certeza, designadamente da norma que distingue a grafia do "porque" de uso causal do "por que" interrogativo, distinção que os senhores não fazem no texto em causa. Importa-me mais a defesa dessa componente da norma do que da que tenta impedir a integração de neologismos, grafados, é-me indiferente, "blog" ou "blogue", "bloger" ou "bloguista" (exemplos a que não fiz referência no meu texto e que abusivamente fizeram crer meus numa envergonhada nota de rodapé). E porquê? Porque é só uma questão de tempo: nas suas primeiras obras Eça de Queirós grafava "champagne", nas últimas "champanhe"... E para pensar que, coisa que não podemos fazer bem sem bom domínio da linguagem, as questões morfo-sintácticas importam muito, mas muito mais.

Concordo então que urge desencadear medidas inovadoras, insisto, no ensino da LP para evitar atentados à norma. Algumas enunciei-as no referido artigo e posso relembrá-las sinteticamente visto que não mereceram a atenção dos senhores: apostar na educação pré-escolar e básica; apostar numa formação dos professores de LP que valorize as pedagogias da leitura e dos discursos e na sua formação contínua; apostar na inseparabilidade entre ensino da língua e ensino da literatura. Tudo isto, claro, sem esquecer que a sociedade portuguesa hoje é, quer se queira quer não, multicultural e, esperemos, cada vez mais de informação. Ora não há nostalgias que consigam parar este processo...

Em conclusão, discordo da vossa convicção de que hoje o português é uma língua abastardada; ele é só, em todas as suas variantes, uma língua bastarda, como são todas enquanto vivas.

O que me separa dos senhores não é porventura o vosso maior amor à língua ou o vosso papel de mais eficientes guardiães da norma; é uma diferença ideológica face ao bem simbólico e patrimonial que a língua é.

Deputada do PS, professora universitária

publicado às 03:45


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