Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Ornette Coleman, Lisboa 1988 ©miguel valle de figueiredo
Em 1960 Ornette Coleman foi culpado de ter lançado "Free Jazz "um disco ( o seu 4º) que acabou como designação de um novo sub-género do Jazz . O "Free", como é tratado pelos mais íntimos, não é, nunca foi, fácil de adoptar, tanto que muitos o consideraram "não-Jazz". Improvisação colectiva como Ornette Coleman o entendia, obriga que um ouça o outro sempre e o respeite. No fundo princípios básicos de liberdade.
Fica para audição o meu disco preferido (The Shape of Jazz to Come, 1959) do saxofonista/violinista/ trompetista/compositor/revolucionário que nos deixou hoje aos 85.
A ouvir com urgência:
- "Something Else - The Music of Ornette Coleman" (1958)
- "The Shape of Jazz to Come (1959)
"Tomorrow is the Question"(1959)
- "Free Jazz - A Colective Improvisation by the Ornette Coleman Double Quartet" (1960)
-"Change of the Century" (1960)
- "This is our Music" (1961)
-"Who's Crazy" (1966)
-"Crisis" (1969)
-"Science Fiction"(1971)
-"Dancing In Your Head" (1976)
-"Song X" (1985)
-""Virgin Beauty" (1988)
-"Sound Grammar" (2006)
Charlie Haden (Charles Edward Haden), contrabaixista de eleição e homem de profundas convicções políticas, conta como foi a sua participação no I Cascais Jazz, com a audiência aplaudindo porventura tanto (ou mais) a sua posição ao vivo e a cores favorável aos movimentos de libertação de Angola e Moçambique como a qualidade da música, relembra a explicação que a PIDE teve a bondade de lhe oferecer, clarificando que a mistura de música com política não é aconselhável, a reunião em 1978 no Hot Clube de Portugal com o genial Carlos Paredes e da qual haveria de sair "Dialogues", disco gravado em Paris uma dúzia de anos depois em que Paredes assina a maior parte das composições e é definitivamente a estrela da colaboração, enquanto Haden se limita, o que não é pouco, a acompanhar o Mestre. Um disco mais curioso que excepcional e que a paróquia acarinha, uma edição com mais interesse para os apreciadores do que vulgarmente se chama "world music" do que para jazzistas aficionados ou mais puristas.
Charlie Haden, enorme músico que gravou com muitos dos grandes nomes do Jazz mas sempre com assinalável abertura a outros origens e géneros musicais, uma espécie de cruzado musical internacionalista, morreu ontem, 11 de Julho de 2014, aos 76 anos.
Discografia sugerida:
Liberation Music Orchestra (1969)
Closeness (1976) - Um disco de duetos em que se salienta, pela curiosidade, o mais que politizado tema "For a Free Portugal" com Paul Motian na percussão
Quartet West (1986)
In Angel City ( 1988)
Dream Keeper (1990)
Haunted Heart (1992)
Now Is the Hour (1996)
Alone Together (1997) - Um disco de "standards" c/ Lee Lonitz e Brad Meldhau
None But the Lonely Heart (1997)
Land of the Sun (2004) - c/ Gonzalo Rubalcaba
Last Dance (2014) - c/ Keith Jarrett
Quando em 1994 Michel Petrucciani me permitiu dois dedos de conversa e um par de retratos nos bastidores do Tivoli para um recital único em Lisboa, questionei-me como seria possível um homem com as suas características dominar um piano de cauda, um grande piano, da forma que tantas vezes tinha ouvido em gravações. Michel, o pianista, parece ter-se preocupado mais com a sua música do que com as limitações causadas pela Osteogenensis Imperfecta, uma doença óssea, que lhe impediu um crescimento que se diria, sem perconceitos, normal. Suponho que o esforço físico para levar a cabo a tarefa era enorme (e quantos concertos daria anualmente pelo mundo fora?), o talento, ou melhor, o virtuosismo, suplantava-o e se a primeira impressão levantava dúvidas - Michel foi levado ao colo e sentado por um assistente - os primeiros acordes encarregaram-se de as dissipar. Foi um concerto a solo inesquecível nesse fim de tarde alfacinha. Na memória ficou a música e no arquivo algumas imagens, duas das quais deixo aqui para enfeitar o texto.
Michel Petrucciani morreu aos 37 anos e com ele morreu um gigante.
Ficam para apreciação as interpretações a solo de "Caravan" e "In a Sentimental Mood" e uma composição sua, o balanceado "Cantabile" que me põe sempre a abanar o esqueleto, acompanhado pelo mestre vassoureiro Steve Gadd na bateria e Anthony Jackson no baixo.
Jean "Toots" Thielemans, um belga com uma grande gaita, ou se preferirem para evitar trocadilhos, harmónica, disse que vai deixar de tocar. Ele lá sabe e estas vontades não se discutem, sobretudo com um homem que nasceu em 1922. Deixa imenso material gravado para deleite da rapaziada. Tive a sorte de ver dois concertos do velho gaiteiro, um deles no Jazzmania em 1987, um bar em Copacabana que já não existe, com um quase imberbe apesar da barba Fred Hersh ao piano e mais uma malta a compôr o ramalhete. Muito whisky, muito Jazz. A propósito dessa noitada carioca, Thielemans é um apaixonado conhecedor da música brasileira e gravou em 1969 com Elis Regina "Aquarela" (Wave, Aquarela do Brasil, O Barquinho, Canto de Ossanhá, são alguns dos temas do disco) e já nos 90 lançou "The Brasil Project" com a malta local. A lista é estrelada: Milton, Lins, Castro-Neves, Eliane Elias entre outros numa leitura de vários compositores brasileiros. Devo dizer que prefiro o 2º volume (1993) em que se pode ouvir "Retrato em Branco e Preto" de Chico Buarque, "Papel Marché" de João Bosco, "Linda" de Caetano, "Samba de uma Nota Só" de T. Jobim ou "Samba de Orfeu" de Luiz Bonfá, curiosamente também nascido em 1922.
"Toots" é, ou era?, um exímio guitarrista que assobiava melhor que qualquer canário e "Blusette", composição sua, trouxe-lhe a fama. Ficam duas interpretações, uma com a guitarra e o assobio ao vivo no Budokan e a outra com a gaita de beiços como dantes se chamava ao instrumento. Fica ainda uma historieta acerca de John Lennon e uma versão notável de "Imagine".
Da discografia gosto muito de:
"Blues for Flirter" ( uma gravação algo obscura de 1961 em que "Toots" toca guitarra e piano e não na gaita, com edição em CD da Gitanes-Jazz Productions na colecção "Jazz in Paris")
"Live" e "Live 2" - 1976
"For my Lady" (com o trio de Shirley Horn) - 1995
"One More for the Road" (um disco com temas de Harold Arlem e com vários convidados) - 2006
Ray Bryant, nascido em Filadélfia na véspera de Natal de 1931, não é tão (re)conhecido como devia. Nos 50's acompanhou Charlie Parker, Miles Davis, Lester Young, foi pianista de Carmen McRae, gravou com Coleman Hawkins e Roy Eldrige, mudou-se depois para Nova Iorque, onde morreu em 2011, e aí tocou com Sonny Rollins ou Charlie Shavers até montar o seu próprio trio. O homem mistura vários estilos e manda muito balanço. Gosto muito de ouvir Bryant a solo e a fazer "blues", mas não passa de coisa minha. Fiquem com "Little Susie", uma composição do próprio Ray Bryant, um bem mexido "In a Mellow Tone", velho "standard" de Ellington, e "Slow Freight", Bryant à desgarrada com Junior Mance, homem de Chicago - quatro mãos e dois pianos , que isto cada um com o seu é que é bonito e não gostamos de misturas... - acompanhados por Bob Cranshaw, contrabaixista de confiança de Rollins e Grady Tate na bateria.
Sugestões:
A solo:
"Alone with the Blues",1958
"Montreux '77", 1977
Em trio:
"Blue Moods" (Rufus Reid - contrabaixo, Freddie Waits - bateria, 1989)
"Through the Years" (Rufus Reid - contrabaixo, Grady Tate - bateria, 2 discos comemorativos dos 60 anos do pianista, 1992)
E o ma-schamba não larga o perú e continua natalício. Desta vez deixo a Jane Monheit fazer as honras da casa e mostrar como se deseja um Feliz Natal ...
Adolph Johannes Brand nasceu na Cidade do Cabo e foi, ainda é, um dos pioneiros do Jazz sul-africano. O enorme pianista, antes conhecido por Dollar Brand, exila-se na Suíça em 1962, escapando ao "apartheid" e pouco tempo depois converte-se ao Islão, mudando o nome para Abdullah Ibrahim.
Há duas cantoras no Jazz. A saber: Ella Fitzgerald e Billie "Lady Day" Holiday. Depois todas as outras. Fica um documentário sobre a vida de Lady Day, a alcunha que lhe veio da sua reconhecida elegância. O documentário não está legendado em Português e alguns frequentadores aqui da "Rádio ma-scamba" podem reclamar. De qualquer modo, Billie, as interpretações e os músicos que constam do filme valem bem a visionação. De notar que a narração não se sobrepõe ao bife do lombo, ou seja, à música.
Billie Holiday (Filadélfia, 7 de Abril de 1915 — Nova Iorque, 17 de Julho de 1959 )