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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
É um dos dois filmes da minha vida, este Os Sete Magníficos, de John Sturges. Vi-o no Verão de 1972, no cinema de São Martinho do Porto, naqueles meus oito anos foi a minha excitadíssima primeira sessão nocturna e o meu primeiro filme adulto, levado pelo meu irmão João e sua mulher. Só muitos anos depois o soube réplica de Sete Samurais, de Akiro Kurosawa, e só o voltei a ver - nesses já longínquos tempos pré-vídeo - no início dos 1980s, numa emocionada sessão no Apolo 70. Ficou-me para sempre o fascínio, cultor de westerns, todos eles por maiores que sejam apenas chegados depois deste.
A história é simples: uma aldeia mexicana vive oprimida por bandoleiros, que ciclicamente saqueiam as parcas posses dos aldeões e os aterrorizam. E ali se decide contratar pistoleiros, americanos, para enfrentar os bandidos. Atravessado a fronteira é contactado um veterano (Yul Breyner) que organiza um grupo, apesar da ridícula remuneração proposta e da dificuldade da missão. Depois surge o combate entre o bem e o mal, e um bom fim. Mas há mais. Sempre dali retirei a noção da falsa liberdade dos mercenários (os míticos pistoleiros). Os seis veteranos surgem - uma galeria individualmente apresentada - alquebrados, varridos pela miséria, pela inexistência de objectivos, pela doença, pela angústia, pelo alcoolismo, pela mitomania. Ou pela indiferença. Símbolos da virilidade, de uma aparente liberdade, mas devastados. Por isso se embrenham nesta até paradoxal missão, quase (?) suicidária, em prol de camponeses, e se estes na sua humildade sedentária surgem já por si desprezíveis na cosmologia aventureira, quanto mais o são na sua condição de católicos hispânicos. Neste quadro que buscam estes mercenários, estas armas de aluguer, que não seja a remissão? O apagar, temporário que seja, da culpa? A culpa do que fizeram e, mais do que tudo, a culpa pelo que não têm, não alcançaram, não realizaram?
Tudo se sublinha no final quando o jovem debutante (Horst Bucholz) , que suplicara a inserção na carreira, e que se apaixonara na aldeia, hesita na partida. E como os dois outros sobreviventes, Yul Breyner e Charles Bronson - eles próprios ícones de uma supra-masculinidade heróica, e rostos que décadas depois se diriam "multiculturais", assim denotando a universalidade das questões que simbolizam -, o despedem, uma secura carinhosa do "vai lá", para os braços da amada. Deste modo anuindo, aqueles mercenários cansados, que a vera coragem é aquela, a da quotidiana monotonia, do amanhar a terra, prender-se à machamba, ombrear uma única mulher. Nisso, nessa aparente mediocridade, ser senhor de si mesmo, mesmo que de chapéu roto nas mãos, trémulo diante do opressor.
No "Os Sete Magníficos" fica expresso que até do fim da escala se pode esperar algo transcendente. Desse fim, dessa gente mercenária, brotou algo. Esses que sempre abaixo das prostitutas - e quão bem são elas elevadas no mundo da aventura e do western, por vezes surgindo gastas, bebidas, engordadas, até histriónicas, outras sublimes símbolos de mulher. Muito mais tarde chegou Unforgiven, de Clint Eastwood, já em regime de obra-prima, também sobre a remissão da culpa, e contendo um louvor à mulher-prostituta. Mas sempre fica explícito, apesar do mito do "gunman" que é ele o sopé da escala. Principalmente quando sob contrato. Pior do que isso, apenas é o mercenário "freelancer", apontador de outros, perseguidor de outros. Incapaz de se alcandorar acima de si mesmo.
Esses meus tempos eram também do Tintin semanal, e dos álbuns de BD. Então reinava Goscinny, o génio que nos foi amputado pela cruel morte precoce, o qual dialogava como ninguém com o imaginário cinéfilo, com o "mundo das aventuras". Foi a época do extraordinário "O Caçador de Prémios", aventura de Lucky Luke:
O mercenário, a arma a soldo, e o pior deles todos, o "freelancer" que busca o prevaricador, o "caçador de prémios", é este. Pode, caso seja necessário, em urgência, cavalgar com os outros, até a isso ser convocado, arma extra para minorar défices. Mas, e como acontece aqui a Elliot Belt, não bebe nem come com os "homens bons".
É este o destino dos teclados de aluguer.Por isso, e apesar de tão louváveis e estimáveis parceiros que lá tive, e de tanto gostar de ali residir, e de tão urgente me parecer escrever sobre o meu Sporting, tanto me irritei no És a Nossa Fé!. E de lá saí. Não para cavalgar solitário rumo ao ocaso. "Apenas" de regresso às machambas, à aldeia. Onde só mora gente livre. Deixo aqui o meu abraço a esses dignos parceiros, em especial ao Pedro Correia, que em tempos me "contratou" para essa ... plantação.
jpt