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Jorge de Sena por Mário Viegas

por jpt, em 20.10.12
Está tudo escrito. E há tantos anos.jpt

publicado às 07:27

Jorge de Sena sob Portugal

por jpt, em 10.08.11

 

"Porque os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha, e por isso disfarçam a sua insegurança adulta sob a máscara da paixão cega, da obediência partidária não menos cega, ou do cinismo mais oportunista, quando se vêem confrontados, como é o caso desde Abril de 1974, com a experiência da liberdade. Isto não sucedeu só agora, e não é senão repetição de outros momentos da nossa história sempre repartida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível (ou sejam as liberdades dos outros, tão respeitáveis como as de cada um) e o desejo de ter um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, partido, ou D.  Sebastião."

 

[Jorge de Sena, Discurso das Comemorações de 10 de Junho de 1977, em Camões e a Identidade Nacional, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983, p.30]

 

jpt

publicado às 22:14

E, para além do futebol, diz-me o tal leitor do ma-schamba "então o sena que eu te meti no blog? Está aqui:

Os poetas publicam-se todavia.”Os poetas se publicam todavia. Chegam--me os livros de alguns, doutros não. Mas nem tudoo que recebo leio inteiramente. E às vezesvou lendo com cuidado uns outros que não chegam.Não posso humanamente, dia a dia, lera toda a gente em Portugal: não tenhojá quase sequer tempo para ir lendo o quese lê para ensinar a gente distraídao Portugal de outrora, o que houve ou vai havendo.Sempre temi, de resto, o tão comumportuguês jeito de não ler senãoas obras dos amigos ou de quem nos buscanum gesto – que é tão grato – de respeitopelo que o termos sido represente. Mas– tão estranho que pareça – ainda os poetasse escrevem, se publicam. E neste instanteé disso que medito me escrevendo.Que somos todos? Que se pensam eles?Como é possível continuar-se poetasem que por mais que um hábito perdidodaquele tempo em treva de que fomos luzinerme e pobre, mas que iluminámos,se bem que alguns da treva não soubessem,ou outros se pensassem mais que luz faróisdaquela madrugada clara tão sonhada,que o sonho se faz noite, ou faz hipocrisia,ante um real clamor em que não sonhos restam,mas um estrondear de luzes que se chocamem gritos e pavores num espaço sem poesia?Não é que o desabar de máscaras decrépitasnos faça João-Sem-Terra: todos bem sabíamosnão ser a nossa terra em que vivíamos(em corpo ou espírito, tanto faz, é o mesmo).Mas é que alguns de nós – e os outros sem pensá-lojá que poetas se enganam, a poesia não –neste amor-ódio a um Portugal tão triste-mente, amargamente, secular mentiraque era preciso desfazer inteira,nunca pensámos (ou sequer deixámosque tal suspeita em nós fosse visão)que um povo quase inteiro se odiasse tantona frustação de não saber o que era,e ao descobrir-se a sê-lo. Que esse povotamanhamente odiasse o ter antigos mortosdispersos pelo mundo. Que esse povo odiassea própria terra e o pó dos seus maiores.Ou que esse povo apenas desejasseguardar o seu quintal, roubar o do vizinho,ou menos refazer um Portugal de sempreque dividi-lo em postas de pessoal vantagem,com a mesma avidez sôfregacom quetentou fortuna noutras terras oudefendeu à sachola o seu caneiro de águas.Nunca outra vida, outro país lhe deram.Mas porque digo povo? O povo não tem culpa.Quando estalou a liberdade um diaque eu já pensava não viria nunca,deram-lhe só paixões desencadeadas,deram-lhe lutas de politicagemderam-lhe só receitas de revoluçãoderam-lhe chefes e chefões tentando(ah como sempre em moscambilhas surdas)menos fzer a terra da justiçado que jogar no povo o jogo dos seus jogos.Honestamente muitos, há que crê-lo.Mas como sempre sucedera antestraíram todos de maneira ou de outraa radiosa aurora que os lançara à frente(e nas sombras da esquina uns outros se preparampara trair bem mais). O que fizeramde mais terrível foi ter dito ao povoque eles eram o povo antes que do povo(a não ser muito poucos) viesse quemfosse em verdade o povo em toda a parte.E mais: quem escrevia e quem falava nãosoube ou não quis subir-se além do ódioa quanto fosse o Portugal que somos,como se houvesse de que ter vergonhade havermos sido o que existiu por séculos.Por muito tempo o clebrar das glórias(que o povo nem sabia) nos encheu de náusea.E de mais náusea ainda quando isso servianão para defender restos do impériomas para proteger quem os comia.Mas o que pensa e escreve deveriasaber ou ensinar que a falsidade estavaem isso ser usado mas não nisso.E ao povo dizer quanto fora sua a Históriaque sempre só de heróis e aristocratasimperialmente se cantou.Voltaràs antigas fronteiras, sim, mas tendo-asnão como os muros de um egoísmo sórdido,e sim como uma casa aberta a todosque se quisessem portugueses ouforçados foram pelas forças queregem o mundo a decidir que o eramporque nem tempo ou escolha lhes foi dadapara ficarem brancos onde o negro morrede nem saber que liberdade seja.E os poetas publicam-se, e não choram,como deviam, que em Portugal se façaodiando-se e negando-se a si mesmo.Ou nem saem gritando que nos cumpreabraçar os novos povos libertados(e já de abraços se gastou demaisnum cómico ridículo de falar mais nelesdo que no Portugal que é que nos resta),mas sempre de cabeça levantada e pura,sem um bater no peito em contriçõesque muito são cheirosas de outros tempos beatos.Se pelas Áficas se derrubam estátuasdos Gamas e Albuquerques e outra tropa igual(e um dia virá em que esses povos todosvoltarão a repô-las no saber que a Históriade séculos antigos não foi só conquistas,quando se ouvirem cantando noutras línguasas canções populares do velho Portugal),a nós cumpre silêncio, entendimento amargo:jamais subscrever, o que no mundo inteiroraivosa inveja em séculos existede Portugal ter sido quem, para bem ou mal(César foi mau, ou Alexandre o foi?),transformou de uma vez a face inteirado globo em que vivemos. Isso nunca:fazer de novo um Portugal inteiro,mas tendo em nós, por nosso, o Portugalque a heróis, trabalhadores, ou simples viajantes,roubado sempre foi no Terreiro do Paço.As pátrias velhas não se inventam: vivem-se– e temos mais razões de respeitar Jerónimos,Batalhas, e castelos pelo mundo adianteem ruínas comoventes da Amazónia à China,do que os soviéticos possuem quando– e sabiamente – conservam por tesourospalácios imperiais de czares bandidosque nunca em povo russo se apoiaram.A única vergonha é não amar a pátria,e não dizer ao povo o quanto amá-la importapara que um povo seja a pátria que se adorano conhecer do mal e no saber que nuncaum rei construiu castelos cujas pedras nãofossem sagradas pelas mãos do povoque as pôs de pé, defendendo a fronteira do paísou marcando a presença portuguesapelos cantos do mundo, em toda a parteonde gente da nossa cometia crimesmas deixava também a marca dos seus passosou do seu sexo pronto a toda a raça.Chatins, ladrões e miseráveis fomos– mas fomos também grandes. Sê-lo-emosainda outra vez, na casa lusitana,se orgulho de possuí-la não for mesquinhezde tê-la como umbigo do universoem piolhos concentrado entre Melgaço e VilaReal de Santo António. E que ninguémvenha cuspir-nos, muito menos nós.E que poetas escrevam disto tudo,mergulhando no fundo de si mesmos(lá onde encontrarão sombras de séculoscomo as de um povo que resiste a tudo),e erguendo a fonte altiva em frente ao mundo,urgentemente, sem pensar em maisque dizer que somos e queremos ser.Jorge de Sena (1976)

publicado às 09:30

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por jpt, em 12.10.06
Ilha de Moçambique:Camões na Ilha de MoçambiqueÉ pobre e já foi rica. Era mais pobrequando Camões aqui passou primeiro,cheia de livros a cabeça e lendase muita estúrdia de Lisboa reles.Quando passados nele os Orientese o amargor dos vis sempre tão ricos,aqui ficou, isto crescera, masa fortaleza ainda estava em obras,as casas eram poucas, e o terrenopasseio descampado ao vento e ao soldesta alavanca mínima, em coral,de onde saltavam para Goa as naus,que dela vinham cheias de pecadose as bagagens ricas e pimentas podres.Como a nau nos baixios que aos Sepúlvedasderam no amor corte primeiro à vida,aqui ficou sem nada senão versos.Mas antes dele, como depois dele,aqui passaram todos: almirantes,ladrões e vice-reis, poetas e cobardes,os santos e os heróis, mais a canalhasem nome e sem memória, que serviude lastro, marujagem, e de carnepara os canhões e os peixes, como os outros.Tudo passou aqui - Almeidas e Gonzagas,Bocages e Albuquerques, desde o Gama.Naqueles tempos se fazia o espantodesta pequena aldeia citadinade brancos, negros, indianos, e cristãose muçulmanos, brâmanes e ateus.Europa e África, o Brasil e as Índias,cruzou-se tudo aqui neste calor tão brancocomo do forte a cal no pátio, e tão cruzadocomo a elegância das nervuras simplesda capela pequena do baluarte.Jazem aqui em lápides perdidasos nomes todos dessa gente que,como hoje os negros, se chegava às rochas,baixava as calças e largava ao mara mal-cheirosa escória de estar vivo.Não é de bronze, louros na cabeça,nem no escrever parnasos, que te vejo aqui.Mas num recanto em cócoras marinhassoltando às ninfas que lambiam rochaso quanto a fome e a glória da epopeiaem ti se digeriam. Pendendo para as pedrasteu membro se lembrava e estremeciado recordar na brisa as croias mais as damas,e versos de soneto perpassavamjunto de um cheiro a merda lá na sombra,de onde n'alma fervia quanto nem pensavas.Depois, aliviado, tu subiasaos baluartes e fitando as águassonhavas de outra Ilha, a Ilha única,enquanto a mão se te pousava lusa,em franca distracção, no que te era a pátriapor ser a ponta da semente dela.E de zarolho não podias verdistâncias separadas: tudo te era umae nada mais: o Paraíso e as Ilhas,heróis, mulheres, o amor que mais se inventa,e uma grandeza que não há em nada.Pousavas n'água o olhar e te sorrias- mas não amargamente, só de alívio,como se te limparas da miséria,e de desgraça e de injustiça e dor,de ver que eram tão poucos os melhores,enquanto a caca ia-se na brisa esbelta,igual ao que se esquece e se lançou de nós.[Jorge de Sena, Ilha de Moçambique, 20/7/1972]

publicado às 00:42


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