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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Sou argentinista desde a mais tenra adolescência. Não por causa do Ardilles, Passarella ou Kempes, e muito menos por um já tardio Maradona. A culpa foi das estantes da minha irmã e meu cunhado, onde estavam estes senhores, longínquos da coisa futebol. "O Aleph" e "Todos os fogos o fogo" fizeram-me, então, algumas coisas, no meio do meu espanto. Entre outras um argentinismo - ainda que estes homens fossem tudo menos disso pitorescos.
Assim, e ainda que isto não seja exactamente trampolim para futebolismos, hoje estou em cúmulo de argentinismo.
Deixo o grande El Aleph (aos mais temerosos, o castelhano lê-se tão facilmente como o português, apenas pede um pouco mais de atenção). E um programa sobre o escritor, "Jorge Luis Borges, The Mirror Man", que ainda não vi. A ver vou, e com toda a certeza que justificará um breve intervalo no mundo das redes sociais ...
E ainda uma entrevista a Borges
jpt
Voraz de veloz o tempo,por isso na semana passada a notícia do quarto de século após a morte de Borges. Só no fim-de-semana consegui andar até à estante, privada comemoração. A lembrar-me de ter 14 anos, umas breves férias em Salema com o Aleph da minha irmã, uma impressão que ficou.
Das milhares de linhas que podia aqui deixar, copiando mas não como se avatar do seu Pierre Menard, partilho este Tamerlão que mandou lançar "flechas de ferro contra o céu adverso (...) / Para que nem um só homem ignore / Que os deuses já morreram. Sou os deuses" (no O Ouro dos Tigres).
TAMERLAN (1336-1405)
Mi reino es de este mundo: Carceleros
Y cárceles y espadas ejecutan
La orden que no repito. Mi palabra
Más ínfima es de hierro. Hasta el secreto
Corazón de las gentes que no oyeron
Nunca mi nombre en su confín lejano
Es un instrumento dócil a mi arbitrio.
Yo, que fui un rabadán de la llanura,
He izado mis banderas en Persépolis
Y he abrevado la sed de mis caballos
En las aguas del Ganges y del Oxus.
Cuando nací, cayó del firmamento
Una espada con signos talismánicos;
Yo soy, yo seré siempre aquella espada.
He derrotado al griego y al egipcio,
He devastado las infatigables
Leguas de Rusia con mis duros tártaros,
He elevado pirámides de cráneos,
He uncido a mi carroza cuatro reyes
Que no quisieron acatar mi cetro,
He arrojado a las llamas en Alepo
El Alcorán, El Libro de los Libros,
Anterior a los días y a las noches.
Yo, el rojo Tamerlán, tuve en mi abrazo
A la blanca Zenócrate de Egipto,
Casta como la nieve de las cumbres.
Recuerdo las pesadas caravanas
Y las nubes de polvo del desierto,
Pero también una ciudad de humo
Y mecheros de gas en las tabernas.
Sé todo y puedo todo. Un ominoso
Libro no escrito aún me ha revelado
Que moriré como los otros mueren
Y que, desde la pálida agonía,
Ordenaré que mis arqueros lancen
Flechas de hierro comotra el cielo adverso
Y embanderen de negro el firmamento
Para que no haya un hombre sólo que no sepa
Que los dioses han muerto. Soy los dioses.
Que otros acudan a la astrología
Judiciaria, al compás y al astrolabio,
Para saber qué son. Yo soy los astros.
En las albas inciertas me pregunto
Por qué no salgo nunca de esta cámara,
Por qué no condesciendo al homenaje
Del clamoroso oriente. Sueño a veces
Con esclavos, con intrusos, que mancillan
A Tamerlán con temeraria mano
Y le dicen que duerma y que no deje
De tomar cada noche las pastillas
Mágicas de la paz y del silencio.
Busco la cimitarra y no la encuentro.
Busco mi cara en el espejo; es otra.
Por eso lo rompí y me castigaron.
¿Por qué no asisto a las ejecuciones,
Por qué no veo el hacha y la cabeza?
Esas cosas me inquietan, pero nada
Puede ocurrir si Tamerlán se opone
Y Él, acaso, las quiere y no lo sabe.
Y yo soy Tamerlán. Rijo el poniente
Y el Oriente de oro, y sin embargo…
jpt
"Clássico é aquele livro que uma nação ou um grupo de nações ou o tempo decidiram ler como se nas suas páginas tudo fosse deliberado, fatal, profundo como o cosmos e capaz de interpretações sem fim. Naturalmente que as interpretações variam. ... Livros ... que prometem uma longa imortalidade, mas nada sabemos do futuro, excepto que será diferente do presente. Uma preferência pode bem ser uma superstição".
Jorge Luis Borges, "Sobre os Classicos", Nova Antologia Pessoal, Lisboa, Difel, 1987, p. 234"Clássico é aquele livro que uma nação ou um grupo de nações ou o tempo decidiram ler como se nas suas páginas tudo fosse deliberado, fatal, profundo como o cosmos e capaz de interpretações sem fim. Naturalmente que as interpretações variam. ... Livros ... que prometem uma longa imortalidade, mas nada sabemos do futuro, excepto que será diferente do presente. Uma preferência pode bem ser uma superstição".
Jorge Luis Borges, "Sobre os Classicos", Nova Antologia Pessoal, Lisboa, Difel, 1987, p. 234"A pinga, a milonga, a femeagem, um condescendente palavrao de Rosendo, uma palmada sua no queixo que eu levava a conta de um gesto de amizade: a coisa e que eu nao podia estar mais feliz. Tocou-me uma companheira muito seguidora, que me adivinhava a intencao. O tango fazia de nos o que queria, perdia-nos, arriava-nos, ordenava-nos e tornava a encontra-nos. Estavam os homens nessa diversao como num sonho, quando de repente a musica me pareceu mais alta porque com ela se misturava a dos dois guitarristas do carro, cada vez mais perto."Jorge Luis Borges, "Homem da Esquina Rosada", Nova Antologia Pessoal, Lisboa, Difel, 1987, p. 154
"A pinga, a milonga, a femeagem, um condescendente palavrao de Rosendo, uma palmada sua no queixo que eu levava a conta de um gesto de amizade: a coisa e que eu nao podia estar mais feliz. Tocou-me uma companheira muito seguidora, que me adivinhava a intencao. O tango fazia de nos o que queria, perdia-nos, arriava-nos, ordenava-nos e tornava a encontra-nos. Estavam os homens nessa diversao como num sonho, quando de repente a musica me pareceu mais alta porque com ela se misturava a dos dois guitarristas do carro, cada vez mais perto."Jorge Luis Borges, "Homem da Esquina Rosada", Nova Antologia Pessoal, Lisboa, Difel, 1987, p. 154
"Penso que um autor deve intervir o menos possível na elaboração da sua obra. Deve procurar ser um amanuense do Espírito ou da Musa (ambas as palavras são sinónimas) e não das suas opiniões, que são o que de mais superficial nele existe. Assim o entendeu Rudyard Kypling, o mais ilustre dos escritores comprometidos. A um escritor, disse-nos, é-lhe dado inventar uma fábula, não a moralidade dessa fábula." (9-10)(Jorge Luís Borges, Nova Antologia Pessoal, Lisboa, Difel, 1987 [1968])
Terra de bilingues. Terra de multilingues. Aos que enfrento, em cima desse estrado invisível que insistem em sublinhar, inquiro-lhes qual a sua primeira, aquela em que são mesmo. E quando ali oscilam, agarrados ao português de status, nem hesito no "em que língua é V. sonha"? para tantas vezes ver o "áfinal!" entre-sorrisos semicerrados "sonho em ...". Que os torna mais ricos.
Hoje, em dia de efeméride pessoal, muito me lembro disto. Associando-o a um "Atlas", o de Borges:
"O meu corpo físico pode estar em Lucerna, no Colorado ou no Cairo, mas ao acordar cada manhã, ao retomar o hábito de ser Borges, emerjo invariavelmente de um sonho que acontece em Buenos Aires.....Nunca sonho com o presente mas sim com uma Buenos Aires passada e com as galerias e clarabóias da Biblioteca Nacional na Rua do México."