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O Grandolismo

por jpt, em 23.02.13

José Afonso - Os Vampiros (ao vivo no Coliseu)

Regresso a casa e leio que em Portugal grassa uma onda ideológica, a do "grandolismo". A juventude universitária, prenha de hormonas esfuziantes (e catapultada por uma bem sucedida pateada ao ministro Miguel Relvas, a qual tem levado a reacções adversas exageradíssimas, que encontram um quasi-criminoso atentado no mero apupar de um ministro até que este desista de botar e se cale, um excesso de pruridos que me parece um bocado patético), alia-se à meia-idade universitária, esta no afã da reorgasmização da vidinha. E o amplexo assim constituído anda por aí a "grandolar" ministros e (presumo) afins.

José Afonso foi um enorme músico-compositor, o maior da sua geração, a qual marcou e nisso alimentou nomes queridos como o magnífico Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho e Fausto, estes que felizmente continuam connosco e como tal não precisam de adjectivos. Um pouco como Pedro Ayres de Magalhães (num registo menos heróico) na geração seguinte. Militante, radical, se estivesse vivo muito provavelmente concordaria com este ressurgimento reutilizador da sua "Grândola".

Mas ela, em boa medida, já não lhe pertence, como sempre acontece aos símbolos. Pertence a quem a utiliza, cada um à sua maneira, e nisso avaliado pela forma como o faz. A "Grândola" ficou como símbolo do 25 de Abril. Polissémico, como qualquer símbolo. Mas centrado no advento da liberdade, diz, pensa e acima de tudo sente, o discurso higiénico português. Esse que, bem na tradição colonialista da "esquerda", do "centro" e da "direita" portuguesa, esquece que ela é também (fundamentalmente?) o símbolo da paz, do fim do nacionalismo bacoco, serôdio, anacrónico, que se traduzia em práticas político-administrativas-económicas brutais e numa guerra violentíssima, prolongada, injusta. E ... inútil.

Assim sendo este "grandolismo", que o indignismo bloquista descobre e agita, não vem apenas retomar a usurpação do sentimento democrático. Subliminarmente (?) armando-se das polaridades de 1974, isso do "nós, democratas, que cantamos" vs "vocês, fascistas, que vão mudos", essa velha vontade monopolista (latifundiária) do pensar democraticamente (a qual que em outros tempos indignistas encheu o país de dísticos e pinturas intitulando de "fascistas" homens como António Barreto, Pezarat Correia ou Franco Charais, como exemplos hoje surpreendentes, mas que convém lembrar para entender o terrorismo intelectual de quem assim ia. E vai.). 

Na verdade este actual "grandolismo", agit-prop que quer associar o poder político actual à memória do pré-25 de Abril, promove (e disso se alimenta) o esbatimento das características estruturais políticas, repressivas e sociais desse período, para as poder imputar ao hoje. Essas características coloniais, como refiro, mas também as especificamente internas. É um espantalho, um instrumento de desconhecimento desse passado, como tal da actualidade, naquele constituída, daquele tão diversa. O festivo, até erótico, "grandolismo" é um desejado instrumento de desconhecimento, friso. 

Por isso mesmo, e por exemplo, um ícone como "Os Vampiros" - tão adequado a uma crítica cantada ao momento actual (concorde-se ou não com a crítica intentada) - não surge. Pois não é a crítica que se pretende, apenas a invectiva (bipolarizadora). E nisso se torna doloroso assistir à promoção disto por quem tem como função profissional investigar (aka, criticar) e ensinar (aka, criticar). Nessa pantomina a fazer-me lembrar Zeca Afonso, cantando magnificamente um obscuro poeta:

José Afonso - "No comboio descendente" do disco "Eu vou ser como a toupeira" (1972)

publicado às 10:17

Entrada nunca atrasada

por jpt, em 04.05.11

([Tomar], Nova Realidade,s.d. [1966], 1.ª edição, 86 págs.)

 

Ó minha mãe minha mãe 
Ó minha mãe minha amada 
Quem tem uma mãe tem tudo 
Quem não tem mãe não tem nada 

Quem não tem mãe não tem nada 
Quem a perde é pobrezinho 
Ó minha mãe minha mãe 
Onde estás que estou sózinho 

Estou sózinho no mar largo 
Sem medo à noite cerrada 
Ó minha mãe minha mãe 
Ó minha mãe minha amada

 

 

("A uma mãe não canonizada por nenhuma data oficial nem institucionalizada por nenhuma data oficiosa", p. 75)

 

Para ouvir.

 

 

jpt

publicado às 22:28

Zeca Afonso

por jpt, em 23.02.11

Há vinte e quatro anos morreu Zeca Afonso, o vulto maior da música em Portugal. Que aqui viveu, mais na Beira, e ainda se encontram pessoas que dele foram alunos. E vinculado ficou a Moçambique pois aqui lhe nasceu a filha Joana, minha mais que muito querida amiga. Para ti, e para a tua mãe, beijos de Maputo.

E para todos nós, cantemos-nosjpt

publicado às 19:21

Fernando Pessoa, a efeméride

por jpt, em 30.11.10

Chego a casa e o ABM avisa(-nos) que Pessoa morreu há 75 anos. Para um dia assim haverá pessoanos a escreverem com propriedade sobre o assunto. Eu deixo o Zeca Afonso a cantar. Não há décadas que passem sobre estas palavras ...

No comboio descendenteVinha tudo à gargalhada.Uns por verem rir os outrosE outros sem ser por nadaNo comboio descendenteDe Queluz à Cruz Quebrada...No comboio descendenteVinham todos à janelaUns calados para os outrosE outros a dar-lhes trelaNo comboio descendenteDe Cruz Quebrada a Palmela...No comboio descendenteMas que grande reinação!Uns dormnindo, outros com sono,E outros nem sim nem nãoNo comboio descendenteDe Palmela a Portimão
jpt

publicado às 20:08

O trambolhão

por jpt, em 21.05.10

Como diz Ramalho Eanes, a crise agora é pior do que a do início dos anos 1980s (até porque não vem aí a CEE para nos içar a um futuro desenvolvido). Convém recordar que Ramalho Eanes, por muitos defeitos que possa ter, é um homem probo e foi o único que tentou verdadeiramente quebrar a partidocracia: chamaram-lhe Péron (a propósito de quê?) e ficaram com os Craxi e os Andreotti de trazer por casa. O buraco em que está o país faz-me lembrar a célebre palavra de ordem que cobriu Portugal nos 70s, acima reproduzida.

Sim, os "ricos" que paguem a crise. Um "ricos" que é palavra muito discutível. Julgo recordar que o ABM aqui disse, um dia, que não há ricos em Portugal. Pois para mim é exactamente o contrário, são todos "ricos". Acoplados à Europa rica, aburguesando-se em "compras" e "direitos" (os adquiridos, como se "direitos" não fossem relações, e como tal sempre contextuais), uma riqueza assente na exclusão, desindustrialização, miserabilização de milhares de milhões de indivíduos (antes o Terceiro Mundo, depois os países em vias de desenvolvimento, depois os "tigres", agora os "emergentes"). Acabou, primeiro para desespero da esquerda reaccionária europeia (e da pungente portuguesa), essa tralha infecta da alterglobalização e das causas fracturantes. Agora para aflição do centro-direita sorna, liberaleiro no discurso, comunitário ao extremo no reaccionarismo social. Os "russos" vêm aí? Já chegaram, e vão ficar.

Mas não basta assim. Reparo que na internet portuguesa imensos reproduzem o José Afonso

Certo, nem todos são "ricos". Os ricos (aka classe média, a que vota) foram elegendo uma cleptocracia que os deixava ter enormes chopings centres (os maiores da península, depois os maiores da europa) e que lhes transformou os poligrupos em gold cards. Correu mal, como só podia ter corrido. Comeram os restos, lautos diga-se, e os outros, aqueles a quem entregaram o poder "comeram tudo". Num Portugal enredado nas teias de um inenarrável partido socialista (ou narrável, que matérias não faltam dada a desvergonha dos executores e a imoralidade dos apoiantes - bloguistas ou não), o mainstream à sua direita continua igual, assobiando para o lado. Faria de Oliveira, administrador do banco público, antigo ministro, aparelhista crucial do modelo vigente, tem a indecência de avisar agora que os portugueses têm de mudar "radicalmente" de vida. Têm? Ou tinham? Há quanto tempo isso é óbvio, há quantos anos isso é óbvio? Serve um míope destes para administrar os recursos sociais? Ou deve ele mudar radicalmente de vida? Paulo Portas, o homem dos submarinos trilionários, tem a desfaçatez de relançar neste exacto momento a suspeita sobre o rendimento mínimo, aparentemente uma coisa normal, a necessidade de fiscalizar os serviços estatais. Mas na prática uma cortina de fumo, uma mensagem óbvia, a de que "os pobres (mandriões, ainda por cima) que paguem a crise". Enquanto o governo, se é que é mesmo isso, esfrega-se incorentemente em declarações de mais impostos recessivos, falhada que está a sua agenda esbanjadora. Que serve(ia) os interesses camaradas, é tempo de nos deixarmos de pruridos.

Um trambolhão enorme, anunciadíssimo, no desinvestimento de décadas, no aburguesamento de décadas, na mafiazição de décadas. E continua este poder, este arco nada íris, de Portas a Portas para simplificar. E os cidadãos, os mais inconformados, continuam na mesma, desactualizados, distraídos. A fazerem tocar este "Vampiros". É inútil, o José Afonso está ultrapassadíssimo. Pois "eles" já "comeram tudo". "Nós" já "comemos tudo".

Cantar algo? "Navegar é preciso ..."

Não vejo outra coisa. Por culpa vossa, por ignorância vossa. E minha. Maldição.

jpt

 

publicado às 13:44


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