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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Com curadoria de Alexandre Pomar [que aqui (no ponto 2. do texto) deixou uma detalhada apresentação da exposição] esta exposição apresenta 70 fotografias de 4 fotógrafos em Moçambique, de certa forma representando quatro gerações de lentes no país: Moira Forjaz, para sempre ligada às suas fotos realizadas na Ilha de Moçambique no final dos anos 1970s; José Cabral, o mais novo do "sagrado triunvirato", com Kok e Rangel; Luís Basto, o homem que emigrou a fotografia moçambicana para as novas expressões plásticas; e Filipe Branquinho, aqui o mais novo, e animador do actual tripé, com Mauro Pinto e Mário Macilau, que baseia o crescente cosmopolitismo da mais animada expressão plástica do país.
Para além disso a exposição inclui uma mostra de livros e catálogos e o belo filme sobre Ricardo Rangel, "Sem Flash" realizado por Bruno Z'graggen.
A exposição abriu no sábado passado e estará disponível até ao próximo dia 28 de Novembro na Galeria Municipal de Arte. O cuidadoso curador deixa-nos inclusivamente o mapa para lá chegar e anuncia que "Acesso fácil, também de barco e metro (Cacilhas > paragem Almada. 0,85€)", com isto significando que os residentes do lado norte do rio Tejo não têm desculpa para não visitarem.
Aqui está o texto do António Cabrita para a apresentação da exposição.
Sobre a qual me lembrei desta sequência de Robert Frank: "Estou sempre a fazer as mesmas imagens. Estou sempre a olhar para fora, tentando olhar para dentro, tentando dizer algo que seja verdadeiro. Mas talvez nada seja realmente verdadeiro a não ser o que está lá fora. E o que é está lá fora é sempre diferente." (Luciana Fina (coord.), Robert Frank, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1991).
jpt
O acontecimento desta semana (pelo menos) será a inauguração desta "Espelhos Quebrados", uma introspecção do Zé Cabral. Há já muito tempo que ele não expõe e esta é muito esperada. Quinta-feira, na Associação Moçambicana de Fotografia, ao fim da tarde. Esta é daquelas às quais não se vai pelas chamuças (e badjias, se as houver). Haverá catálogo (responsabilidade do Luís Basto), com um texto (belo, ao que me consta) do José Pinto de Sá - e os catálogos têm tendência a esgotar, pelo que convém ir lá buscar um naquele dia. O António Cabrita apresentará.
Mais do que tudo o Zé Cabral mostra(-se). Até lá.jpt["Fotografia de José Cabral"]
[O texto de hoje na edição do Canal de Moçambique, coloco-o já pois vou sair do acesso à internet]
NA GARAGINHA
A Garaginha é casa de clientes fiéis. Mesmo que ancorada no centro da cidade rica, como se bem visível, muitos a estranharão e mais ainda assim dita por este nome. O qual ganhou por estar assente no que terá sido a garagem da vivenda que lhe dá guarida, a da sede da Organização Nacional de Professores, ali ao fundo da Eduardo Mondlane quando esta, chegada lá do Alto Maé, desagua na Julius Nyerere, avenida símbolo e até apelido do Maputo internacional, desafogado. Para mais, e como se para assinalar tal convívio, a Garaginha está ali paredes meias com o Mundo´s, restaurante da cidade cosmopolita onde abundam as mesas partilhadas entre expatriados e a burguesia nacional, nisso se fruindo boas pizzas e cerveja cara, festas de crianças pejadas de prendas e baterias de ecrãs gigantes para o rugby dos vizinhos e o futebol inglês de todos.
Pois plantada mesmo ali ao lado a Garaginha é mostra do quão distraídos vão afinal esses símbolos, apenas estereótipos, que insistem em tentar construir uma cidade espartilhada, zonas bairros feitas hierarquias do ter e nisso – acham alguns – do ser, linhas fronteiras ao convívio, à partilha, à discussão. Basta entrar e partilhar copos de cerveja (bem) mais baratos, algum petisco de ali mesmo e ainda amendoins e castanhas, esses que os lestos vendedores de rua, incessantemente penetrando na esplanada, vão impondo aos clientes. Para quem lá chega pela primeira vez a surpresa impõe-se, não pelo quotidiano tão normal que lá decorre mas pelo ambiente, afinal tão diverso daquilo a que os apressados chamam, assim julgando-o ser, “a Nyerere”. Pois é, basta aquela decisão do entrar, cruzar o portão, e a tal “nyerere” perde as aspas com que o olhar cabisbaixo as armou.
Com um preâmbulo destes poder-se-á julgar que ali penetrando se encontrará uma “fauna social” especial ou, pelo menos, típica de um qualquer tipo. Nada disso, apenas um Maputo maputo, tardes arrastadas por quem as pode ou tem que arrastar. Fins de tarde mais barulhentos, empregados em verdadeira azáfama rodando com bandejas de “brancas” e “pretas”, exigências da clientela, nisso esta tornando-se ruidosa, querendo lavar-se da poeira do horário de trabalho e assim perfumando-se para abraçar as famílias no torna-casa ou, pelo menos, aqueles ou aquilo que delas façam as vezes, mesmo que meros colchões sejam. Funcionários, professores (sim, afinal é o seu centro social), empregados, boémios, pois claro, que destes nunca há falta por crise, hoje ou amanhã gente das letras ou que vislumbramos na tv, aquele que tem fotografia no jornal. Conversa corre de mesa em mesa, quem por lá chega raramente, como eu, vai vendo o trânsito do convívio, que há grupos sim mas há também um sentir de clientela comum, tudo aquilo que faz, verdadeiramente, uma casa.
Foi tudo isso que vi retratado, com fidelidade e gosto, nesta semana passada. Enquanto a grande cidade preparava o Natal a Garaginha fez acontecer um como se natal local, uma festa da família dali. Num fim da tarde, já deixada a noite acontecer, coisa do breu necessário para o acontecimento, foi mostrado um diaporama – aquilo que a gente envergonhada de falar português vai chamando slideshow - sobre a casa e sua gente. Quatro clientes daqueles mesmo, os de mesa fixa, decidiram celebrar a casa que os acolhe e que eles, também, vão fazendo.
Assim quatro fotógrafos, dois profissionais (José Cabral e Luís Basto) e dois amadores (Zé Tomaz e Runar Hartvigsen, este um norueguês por cá que tem sabido conhecer a cidade em que vive e não apenas o mundo que por cá passa) montaram 18 minutos de pura etnografia, uma colecção das fotografias ali feitas, umas por fastio, outras por celebração, outras talvez sem ser por nada. Nessas fizeram correr os detalhes que ali passam, o céu visto entre aquelas muros e árvores, os recantos e rugas da casa, os adornos e adereços, um pouco dos restos dos tempos que vão passando. E assim, fixado que foi o local, apalpando-o em imagens, como se carícias fossem, passaram ainda a galeria dos habituais convivas e dos que só de vez em quando, mulheres expressivas, uns dias voluptuosas e outros nem tanto, caras carismáticas, expressões felizes, os filhos de alguns clientes (ali em busca dos retardatários progenitores?), o guarda da rua e a actriz popular, lá de dentro da cozinha a dona assomando e até o senhor escritor quase afamado, o engravatado funcionário e o já quase desistente reformado, um eixo onde todos se agregam, esses e tantos outros, num desfile que é o da festa da vida.
Um momento feliz foi esse, um natal onde as prendas foram a partilha das pequenas recordações, da gente, tudo saudado com o prazer do reconhecimento, da memória. Um momento feliz, pois um natal também feito desafio, que para o ano bem mais se juntem na colecção, uma mais ampla mescla dos olhares, das fotos que por tantos vão sendo tiradas na alegria – e até, por vezes, felicidade – do convívio.
Um momento feliz, digo eu, entendo eu, ali rara visita, pois também momento de resistência. A celebrar o poder estar juntos, fruir, na cidade. Enquanto nem tudo é devastado pela construção nova, essa vida plástica de betão feita, o mundo das esplanadas de xópingues, onde ninguém se entre-fotografa e fala de mesa em mesa. Esse afinal velho mundo que, no Maputo da “nyerere” se vai anunciando como mais belo pois mais novo. E melhor.
jpt
["Ilha de Moçambique","Évora/Ilha de Moçambique" (8 postais; cx. com duas fotos). Fotografias de José Cabral (1997-1998); Edição da Câmara Municipal de Évora, s/d (1999?)]
Em Junho de 2004 publiquei esta entrada. Saudando o olhar do Zé Cabral. Mas também porque gosto muito da Ilha, por lá tenho estado, até trabalhado. Chateia-me a propósito da Ilha um não sei quanto de coisas, mas acima de tudo as reconstruções da história, sempre a la carte. Chateia-me imenso o saudosismo, sempre falsificador, sempre cego, ao antes, ao agora e, claro, ao que aí vem. Infecundo. E também me chateia o exotismo ignorante.
Também por isso agora abandono o excesso de subtileza. Trabalhei há uma década com o Instituto Camões e desde então não elaboro sobre o que fazem. [ ...] Mas acho absolutamente lamentável que um sítio oficial signifique Moçambique através de um fotografia (bela, e da autoria da minha querida amiga Isabel Osório) de uma mulher nos seus cuidados de higiene. Acho de uma total e radical ignorância, cultural, antropológica, como lhe quiserem chamar. É, para glosar a conhecida expressão, o boçalismo a céu aberto. Quem não percebe acha piada. Lindo (é um cliché, até). E quem percebe?
jpt
No Centro Cultural Franco-Moçambicano inaugura na próxima terça-feira (18.05) a exposição "Anjos Urbanos" de José Cabral. Esta exposição - que vem na sequência da anterior "As Linhas da Minha Mão", um roteiro fotobiográfico apresentado na PhotoFesta de 2006 - foi anteriormente apresentada em Portugal tendo merecido várias referências de Alexandre Pomar, conhecido especialista nas coisas da fotografia. Para apresentação desta exposição aqui ficam as várias referências que Pomar lhe fez: José Cabral. Condição Humana, José Cabral. Uma Página no Savana, José Cabral na P.4, José Cabral - P.4.
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["Ilha de Moçambique","Évora/Ilha de Moçambique" (8 postais; cx. com duas fotos). Fotografias de José Cabral (1997-1998); Edição da Câmara Municipal de Évora, s/d (1999?)]
Ultimamente muito tenho escrito/ecoado sobre a Ilha de Moçambique. Então aqui fica a Ilha segundo o Zé Cabral. Ou, uma lição sobre como desmontar o exótico.