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A lembrar Craveirinha

por jpt, em 18.11.14

jcrav.jpeg

 

Ao Meu Belo Pai Ex-emigrante
 
 
Pai:
As maternas palavras de signos
vivem e revivem no meu sangue
e pacientes esperam ainda a época de colheita
enquanto soltas já são as tuas sentimentais
sementes de emigrante português
espezinhadas no passo de marcha
das patrulhas de sovacos suando
as coronhas de pesadelo.

E na minha rude e grata
sinceridade não esqueço
meu antigo português puro
que me geraste no ventre de uma tombasana
eu mais um novo moçambicano
semiclaro para não ser igual a um branco qualquer
e seminegro para jamais renegar
um glóbulo que seja dos Zambezes do meu sangue.

E agora
para além do antigo amigo Jimmy Durante a cantar
e a rir-se sem nenhuma alegria na voz roufenha
subconsciência dos porquês de Buster keaton sorumbático
achando que não valia a pena fazer cara alegre
e um Algarve de amendoeiras florindo na outra costa
Ante os meus sócios Bucha e Estica no "écran" todo branco
e para sempre um zinco tap-tap de cacimba no chão
e minha Mãe agonizando na esteira em Michafutene
enquanto tua voz serena profecia paternal: - "Zé:
quando eu fechar os olhos não terás mais ninguém."

Oh, Pai:
Juro que em mim ficaram laivos
do luso-arábico Aljezur da tua infância
mas amar por amor só amo
e somente posso e devo amar
esta minha bela e única nação do Mundo
onde minha mãe nasceu e me gerou
e contigo comungou a terra, meu Pai.
E onde ibéricas heranças de fados e broas
se africanizaram para a eternidade nas minhas veias
e teu sangue se moçambicanizou nos torrões
da sepultura de velho emigrante numa cama de hospital
colono tão pobre como desembarcaste em África
meu belo Pai ex-português.

Pai:
O Zé de cabelos crespos e aloirados
não sei como ou antes por tua culpa
o "Trinta-Diabos" de joelhos esfolados nos mergulhos
à Zamora nas balizas dos estádios descampados
avançado-centro de "bicicleta" à Leónidas no capim
mortífera pontaria de fisga na guerra aos gala-galas
embasbacado com as proezas do Circo Pagel
nódoas de cajú na camisa e nos calções de caqui
campeão de corridas no "xituto" Harley-Davidson
os fundilhos dos calções avermelhados nos montes
do Desportivo nas gazetas à doca dos pescadores
para salvar a rapariga Maureen OSullivan das mandíbulas
afiadas dos jacarés do filme de Trazan Weissmuller
os bolsos cheios de tingolé da praia
as viagens clandestinas nas traseiras gã-galhã-galhã
do carro eléctrico e as mangas verdes com sal
sou eu, Pai, o "Cascabulho" para ti
e Sontinho para minha Mãe
todo maluco de medo das visões alucinantes
de Lon Chaney com muitas caras.

Pai:
Ainda me lembro bem do teu olhar
e mais humano o tenho agora na lucidez da saudade
ou teus versos de improviso em loas à vida escuto
e também lágrimas na demência dos silêncios
em tuas pálpebras revejo nitidamente
eu Buck Jones no vaivém dos teus joelhos
dez anos de alma nos olhos cheios da tua figura
na dimensão desmedida do meu amor por ti
meu belo algarvio bem moçambicano!

E choro-te
chorando-me mais agora que te conheço
a ti, meu pai vinte e sete anos e três meses depois
dos carros na lenta procissão do nosso funeral
mas só Tu no caixão de funcionário aposentado
nos limites da vida
e na íris do meu olhar o teu lívido rosto
ah, e nas tuas olheiras o halo cinzento do Adeus
e na minha cabeça de mulatinho os últimos
afagos da tua mão trémula mas decidida sinto
naquele dia de visitas na enfermaria do hospital central.

E revejo os teus longos dedos no dirlim-dirlim da guitarra
ou o arco da bondade deslizando no violino da tua aguda tristeza
e nas abafadas noites dos nossos índicos verões
tua voz grave recitando Guerra Junqueiro ou Antero
e eu ainda Ricardino, Douglas Fairbanks e Tom Mix
todos cavalgando e aos tiros menos Tarzan analfabeto
e de tanga na casa de madeira e zinco
da estrada do Zichacha onde eu nasci.

Pai:
Afinal tu e minha mãe não morreram ainda bem
mas sim os símbolos Texas Jack vencedor dos índios
e Tarzan agente disfarçado em África
e a Shirley Temple de sofisma nas covinhas da face
e eu também Ee que musámos.
E alinhavadas palavras como se fossem versos
bandos de sécuas ávidos sangrando grãos de sol
no tropical silo de raivas eu deixo nesta canção
para ti, meu Pai, minha homenagem de caniços
agitados nas manhãs de bronzes
chorando gotas de uma cacimba de solidão nas próprias
almas esguias hastes espetadas nas margens das úmidas
ancas sinuosas dos rios.

E nestes versos te escrevo, meu Pai
por enquanto escondidos teus póstumos projectos
mais belos no silêncio e mais fortes na espera
porque nascem e renascem no meu não cicatrizado
ronga-ibérico mas afro-puro coração.
E fica a tua prematura beleza realgarvia
quase revelada nesta carta elegia para ti
meu resgatado primeiro ex-português
número UM Craveirinha moçambicano!

publicado às 01:31

Hoje são 35 anos de independência de Moçambique. Na data do trigésimo aniversário aqui deixei este poema de José Craveirinha, poema também momento que foi, que agora reproduzo.

 

´

[Zé Craveirinha, fotografado por Sérgio Santimano, fotografia recolhida no seu blog]

 

Saborosas Tangerinas d'Inhambane

 

I

 

Serão palmas induvidosas todas as palmas que palmeiam os discursos dos chefes?

Não são aleivosos certos panegíricos excessivos de vivas?

Auscultemos atentos os gritos vociferados nos comícios.

E nas repletas “bichas”? São ou não bizarrosos sigilosos susssurros?

Em suas epopeias de humildade deixam intactos os sonhadores.

Sabotagem é despromover um verdadeiro poeta em funcionário.

Não bastam nos gabinetes os incompetentes?

Ainda mais alcatifas e ares condicionados?

Aos dirigentes máximos poupemos os ardilosos organigramas.

Como são hábeis os relatórios das empresas estatizadas

prosperamente deficitárias ou por causa das secas

ou porque veio no jornal que choveu de mais

ou por causa do sol ou porque falta no tractor um parafuso

ou talvez porque um polícia de trânsito não multou Vasco da Gama

ao infringir os códigos na rota das especiarias de Calicute.

E nos nossos tímpanos os circunjacentes murmúrios?

Não é boa ideologia detectar na génese os indesmentíveis boatos?

Uma população que não fala não é um risco?

Aonde se oculta o diapasão da sua voz?

E quanto ao mutismo dos fazedores de versos?

Não sai poesia será que saem

dos verões crepusculares dos bairros de caniço augúrios cor-de-rosa?

Quem é o mais super na metereologia das infaustas notícias?

Quem escuta o sinal dos ventos antes da ventania e avisa?

 

II

 

Na berma das avenidas asfaltizadas olhemos perplexados

os sarcásticos prédios por nós escaqueirados. Não dói?

Nas escolas é maningue melhor partirmos as carteiras e de rastos estudar no chão?

E nas fábricas que mãos são estas nossas proletárias mãos que a trabalhar só desfabricam?

E o que é que se passa com engordecido responsável director

sempre a mandar-se em missão de serviço nos melhores hotéis das europas?

Ou então no espólio das noites de vigilância e de saco cheio

vale mais a carência nacional que ter um pide

vale ou não vale nosso esperto milícia Fakir?

 

III

 

Que os camionistas heróis dos camiões emboscados a tiro nas viagens

tragam as saborosas tanjarinas d’Inhambane ao custo das ciladas

mas que descarreguem primeiro nos hospitais nas creches e nas escolas

que o futuro do País também fica mais doce na doçura das tanjarinas d’Inhambane

e o poder sobrevive na força de um povo com tabelas d’amor e não de preços.

Mas os auspiciosos maduros cajus purpurinos

já não nos dão os gostosos tincarôsse porquê?

Especular a pátria não é guiar a viatura nova contra os muros e os postes?

E ilegalidade só é ilegalidade nos outros?

Hiena só é quizumba no mato?

Então juro que tanjarinas d’Inhambane é tanjarina d’Inhambane!

Eu adoro morder voluptuosamente os sumarentos gomos

das magníficas tanjarinas d’Inhambane. Adoro mesmo!

E desde leste a oeste quem não gosta das saborosas tanjarinas d’Inhambane?

Se não gostam, então, os que abjuram os sagrados frutos da terra-mãe

que façam lá um pai e uma mãe; Que façam tios e sobrinhos;

Que façam lá irmãos e irmãs; Que façam lá amigos e amigas;

Que façam lá colegas e camaradas;

E com a incompreensão façam lá nascer a ternura

o amor e a paz se são capazes!

 

IV

 

Pois é! As orientações de alguns directores desorientam os juízos

(deles também) mas quem é que disse que não tenho pena

dos seus conjuntos safaris embrulhando-os fresquinho

se sem problemas de suores originários deste instabilizado clima tropical?

Quem é que disse que não lamento vê-los penosamente saindo dos “Ladas”com as suas poses

e as incalejadas mãos deles sem aguentarem sequer

abrir-se a porta e assentados esperarem que o motorista irrevogavelmente

dê a a volta ao mundo do fatalismo e cumpra hereditariamente essa tarefa?

Mas quem é que disse que não tenho pena?

Mas quem foi que disse que não sinto esse drama?

 

V

 

Depressa você Madalena vai bichar lenha, deixa bicha de carapau.

Tu vovó sai da bicha de capulana vai bichar pão.

E Toninho com Quiristina vai os dois bichar água.

Sexta-feira antepassada mamana Júlia dormiu lá mesmo.

Bichou toda a noite no Jone Uarre mas chegou vez … NADA!

Aontem tomar chá não tomou … foi no serviço.

Aoje não toma? Vai tomar amanhã.

Não toma amanhã toma outro dia.

Ou quando encontra toma de noite.

E quando não encontra de noite então dorme.

Mas quando sonhar amendoim já tomou chá, já comeu.

 

VI

 

Sim. A gente faz favor quer cascar com unha do dedo grande

as tanjarinas d’Inhambane.

Olha lá! Você estás cansado da tua terra? Salta arame … vaaaaaiiii…

Você não gostas bandeira? Leva documento … FAMBA!!!

Antigamente ‘panhava mais fome mas não ficava aqui?

Antigamente era palmatoada. Não estava? Não ia na estiva?

Antigamente sapato não corrente de ferro? Agora quer “Adidas”, não é?

Antigamente sentava no xibalo. Agora senta no Scala não senta? Mas quem deu?

Antigamente escrevia nome? Aonde? Capaz? Agora manda carta no jornal

só p’ra dizer que pão não presta. Comia qual pão antigamente?

Antigamente encontrava passaporte? Agora se não ‘panha passaporte

logo fica muito triste, fica muito zangado. Faz barulho.

Antigamente não era só caderneta?

Sim! Agora come carapau. Não é peixe? Batata-doce e mandioca

agora não é comida? Porquê?

Nossa barriga alembra bife com batata frita e azeitona.

Alembra bacalhau mais grelos, mais aquele azeite d’oliveira com vinho tinto de garrafão lacrado.

Mas nós tinha isso quando queria ou quando restava? Era nossa casa? Qual casa?

Lá naquela casa a gente puxava otoclismo p’ra noss cu pró cu dos outros?

Vá! Fala lá! A gente não ficava de cócoras numa sentina? A gente tinha balde mais o quê?

 

VII

 

É verdade; chuva na machamba não chove. Mas a gente espera. Chuva vai vir.

É verdade a gente come couve com couve, carapau com carapau, farinha com farinha. Mas senta na mesa. Família toda senta.

Senta em casa no prédio. Amigo também senta. Senta ou não senta?

Ir embora não voltar mais? Não pode. Deixar aqui? Ir aonde? Capaz!

Mudar moçambicano ficar o quÊ? Mudar a cara ficar qual cara?

Fugir há outro que vai fugir. Moçambicano próprio não foge.

Homem quando é homem é só um coração. Não é dois.

 

VIII

 

Agora mesmo que não tem senha de gasolina não faz mal

Não há crise. Candonga tem.

Mas quem disse aquelas saborosas tanjarinas d’Inhambane não vem mais?

É preciso? A gente vai fazer estratégia de mestre Lenine

e vamos avançar duas dialécticas cambalhotas atrás

moçambicanissimamente objectivas

concretissimamente bem moçambicanas.

 

IX

 

Agora alerta camarada Control. Vem aí camião com tanjarinas d’Inhambane.

Tira dedo do gatilho e faz uma aceno d’alegria ao estóico motorista.

Ganha metical mas desde Inhambane, desde Chai-Chai, desde Manhiça

ele está guiar mas ele só sabe que chegou quando está a chegar.

Camarada Control: Aldeia é aldeia não é vila.

Camarada Control: Vila é vila não é cidade.

Camarada Control: Cidade é cidade não é distrito.

Camarada Control: Distrito é distrito não é província.

Camarada Control: Província é província não é nação.

Camarada Control: Control é control não é Governo.

Camarada Control: Território nacional é lá no primeiro

grão d’areia em Cabo Delgado até no último milímetro da Ponto D’Ouro.

Camarada Control: Abre teu mais fraterno sorriso no meio da estrada

e deixa passar de dentro para dentro de Moçambique

nossas preciosas tanjarinas d’Inhambane.

Agora escasca uma tanjarina e prova um gomo.

É doce ou não é doce camarada Control?

Pronto!

Muito obrigado Camarada Control!

E viva as saborosas tanjarinas d’Inhambane…VIVA!!!

 

 

[Versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]

publicado às 00:15

Sebastião Alba

por jpt, em 15.03.10

Sobre Sebastião Alba uma excelente nota no Antologia do Esquecimento: "Quando Escreve Descalça-se à Entrada do Poema".

Nota: a propósito de Alba Leonel Auxiliar chama a atenção para este local que lhe é dedicado, com textos de Teresa Lima, José Craveirinha, Machado da Graça, Glória de Sant'Anna e do próprio poeta.

 

Adenda: não tem nada a ver mas no mesmo blog uma bela nota a propósito da paternidade - "Diálogos Sobre Estética".

jpt

publicado às 01:39

David Mestre, Nas Barbas do Bando

por jpt, em 19.01.10

 

De David Mestre, poeta angolano de origem portuguesa, falecido em 1997, apenas tinha lido o seu "Lusografias", um registo de crónicas. Agora encontrei este "Nas Barbas do Bando" (Ulmeiro / União dos Escritores Angolanos, 1985). Lembrando o contexto histórico e biográfico do autor, retiro-lhe dois poemas que me parecem reconhecer (imagino?) o eixo de um percurso abissal.

 

Portugal Colonial

 

Nada te devo
nem o sítio
onde nasci

nem a morte
que depois comi
nem a vida

repartida
p'los cães
nem a notícia

curta
a dizer-te
que morri

nada te devo
Portugal
colonial

cicatriz
doutra pele
apertada

 

 

 

O Poeta Deve

 

O poeta deve

manter-se perfilado

em andamento

respeitar o sinal

no cruzamento

manejar assim

o armamento

saber guardar

recolhimento

e não deve

tocar douvido

o instrumento

extraviar

o fardamento

com prometer

o cumprimento

deste burocrático

regulamento

 

 

 

O livro tem ainda um interesse complementar. A contracapa apresenta este manuscrito de José Craveirinha, um poema dedicado ao autor. Aqui o deixo, não como curiosidade, mas como óbvio diálogo aos pólos acima transcritos:

(ao David Mestre)

 

Delito

 

O delito

imperdoável dos genuínos poetas

é não serem amordaçáveis

Porque

mesmo depois do seu homicídio

o defeito deles é terem na poesia

a bater os pulsos em cada verso

a verdadeira pátria insilenciável

em vez da vida.

 

(21.4.78)

 

jpt

publicado às 01:19

Saborosas Tanjarinas d'Inhambane

por jpt, em 25.06.05

 

Saborosas Tanjarinas d'Inhambane

I

Serão palmas induvidosas todas as palmas que palmeiam os discursos dos chefes?

Não são aleivosos certos panegíricos excessivos de vivas?

Auscultemos atentos os gritos vociferados nos comícios.

E nas repletas “bichas”? São ou não bizarrosos sigilosos susssurros?

Em suas epopeias de humildade deixam intactos os sonhadores.

Sabotagem é despromover um verdadeiro poeta em funcionário.

Não bastam nos gabinetes os incompetentes?

Ainda mais alcatifas e ares condicionados?

Aos dirigentes máximos poupemos os ardilosos organigramas.

Como são hábeis os relatórios das empresas estatizadas

prosperamente deficitárias ou por causa das secas

ou porque veio no jornal que choveu de mais

ou por causa do sol ou porque falta no tractor um parafuso

ou talvez porque um polícia de trânsito não multou Vasco da Gama

ao infringir os códigos na rota das especiarias de Calicute.

E nos nossos tímpanos os circunjacentes murmúrios?

Não é boa ideologia detectar na génese os indesmentíveis boatos?

Uma população que não fala não é um risco?

Aonde se oculta o diapasão da sua voz?

E quanto ao mutismo dos fazedores de versos?

Não sai poesia será que saem

dos verões crepusculares dos bairros de caniço augúrios cor-de-rosa?

Quem é o mais super na metereologia das infaustas notícias?

Quem escuta o sinal dos ventos antes da ventania e avisa?

II

Na berma das avenidas asfaltizadas olhemos perplexados

os sarcásticos prédios por nós escaqueirados. Não dói?

Nas escolas é maningue melhor partirmos as carteiras e de rastos estudar no chão?

E nas fábricas que mãos são estas nossas proletárias mãos que a trabalhar só desfabricam?

E o que é que se passa com engordecido responsável director

sempre a mandar-se em missão de serviço nos melhores hotéis das europas?

Ou então no espólio das noites de vigilância e de saco cheio

vale mais a carência nacional que ter um pide

vale ou não vale nosso esperto milícia Fakir?

III

Que os camionistas heróis dos camiões emboscados a tiro nas viagens

tragam as saborosas tanjarinas d’Inhambane ao custo das ciladas

mas que descarreguem primeiro nos hospitais nas creches e nas escolas

que o futuro do País também fica mais doce na doçura das tanjarinas d’Inhambane

e o poder sobrevive na força de um povo com tabelas d’amor e não de preços.

Mas os auspiciosos maduros cajus purpurinos

já não nos dão os gostosos tincarôsse porquê?

Especular a pátria não é guiar a viatura nova contra os muros e os postes?

E ilegalidade só é ilegalidade nos outros?

Hiena só é quizumba no mato?

Então juro que tanjarinas d’Inhambane é tanjarina d’Inhambane!

Eu adoro morder voluptuosamente os sumarentos gomos

das magníficas tanjarinas d’Inhambane. Adoro mesmo!

E desde leste a oeste quem não gosta das saborosas tanjarinas d’Inhambane?

Se não gostam, então, os que abjuram os sagrados frutos da terra-mãe

que façam lá um pai e uma mãe; Que façam tios e sobrinhos;

Que façam lá irmãos e irmãs; Que façam lá amigos e amigas;

Que façam lá colegas e camaradas;

E com a incompreensão façam lá nascer a ternura

o amor e a paz se são capazes!

IV

Pois é! As orientações de alguns directores desorientam os juízos

(deles também) mas quem é que disse que não tenho pena

dos seus conjuntos safaris embrulhando-os fresquinho

se sem problemas de suores originários deste instabilizado clima tropical?

Quem é que disse que não lamento vê-los penosamente saindo dos “Ladas”com as suas poses

e as incalejadas mãos deles sem aguentarem sequer

abrir-se a porta e assentados esperarem que o motorista irrevogavelmente

dê a a volta ao mundo do fatalismo e cumpra hereditariamente essa tarefa?

Mas quem é que disse que não tenho pena?

Mas quem foi que disse que não sinto esse drama?

V

Depressa você Madalena vai bichar lenha, deixa bicha de carapau.

Tu vovó sai da bicha de capulana vai bichar pão.

E Toninho com Quiristina vai os dois bichar água.

Sexta-feira antepassada mamana Júlia dormiu lá mesmo.

Bichou toda a noite no Jone Uarre mas chegou vez … NADA!

Aontem tomar chá não tomou … foi no serviço.

Aoje não toma? Vai tomar amanhã.

Não toma amanhã toma outro dia.

Ou quando encontra toma de noite.

E quando não encontra de noite então dorme.

Mas quando sonhar amendoim já tomou chá, já comeu.

VI

Sim. A gente faz favor quer cascar com unha do dedo grande

as tanjarinas d’Inhambane.

Olha lá! Você estás cansado da tua terra? Salta arame … vaaaaaiiii…

Você não gostas bandeira? Leva documento … FAMBA!!!

Antigamente ‘panhava mais fome mas não ficava aqui?

Antigamente era palmatoada. Não estava? Não ia na estiva?

Antigamente sapato não corrente de ferro? Agora quer “Adidas”, não é?

Antigamente sentava no xibalo. Agora senta no Scala não senta? Mas quem deu?

Antigamente escrevia nome? Aonde? Capaz? Agora manda carta no jornal

só p’ra dizer que pão não presta. Comia qual pão antigamente?

Antigamente encontrava passaporte? Agora se não ‘panha passaporte

logo fica muito triste, fica muito zangado. Faz barulho.

Antigamente não era só caderneta?

Sim! Agora come carapau. Não é peixe? Batata-doce e mandioca

agora não é comida? Porquê?

Nossa barriga alembra bife com batata frita e azeitona.

Alembra bacalhau mais grelos, mais aquele azeite d’oliveira com vinho tinto de garrafão lacrado.

Mas nós tinha isso quando queria ou quando restava? Era nossa casa? Qual casa?

Lá naquela casa a gente puxava otoclismo p’ra noss cu pró cu dos outros?

Vá! Fala lá! A gente não ficava de cócoras numa sentina? A gente tinha balde mais o quê?

VII

É verdade; chuva na machamba não chove. Mas a gente espera. Chuva vai vir.

É verdade a gente come couve com couve, carapau com carapau, farinha com farinha. Mas senta na mesa. Família toda senta.

Senta em casa no prédio. Amigo também senta. Senta ou não senta?

Ir embora não voltar mais? Não pode. Deixar aqui? Ir aonde? Capaz!

Mudar moçambicano ficar o quÊ? Mudar a cara ficar qual cara?

Fugir há outro que vai fugir. Moçambicano próprio não foge.

Homem quando é homem é só um coração. Não é dois.

VIII

Agora mesmo que não tem senha de gasolina não faz mal

Não há crise. Candonga tem.

Mas quem disse aquelas saborosas tanjarinas d’Inhambane não vem mais?

É preciso? A gente vai fazer estratégia de mestre Lenine

e vamos avançar duas dialécticas cambalhotas atrás

moçambicanissimamente objectivas

concretissimamente bem moçambicanas.

IX

Agora alerta camarada Control. Vem aí camião com tanjarinas d’Inhambane.

Tira dedo do gatilho e faz uma aceno d’alegria ao estóico motorista.

Ganha metical mas desde Inhambane, desde Chai-Chai, desde Manhiça

ele está guiar mas ele só sabe que chegou quando está a chegar.

Camarada Control: Aldeia é aldeia não é vila.

Camarada Control: Vila é vila não é cidade.

Camarada Control: Cidade é cidade não é distrito.

Camarada Control: Distrito é distrito não é província.

Camarada Control: Província é província não é nação.

Camarada Control: Control é control não é Governo.

Camarada Control: Território nacional é lá no primeiro

grão d’areia em Cabo Delgado até no último milímetro da Ponto D’Ouro.

Camarada Control: Abre teu mais fraterno sorriso no meio da estrada

e deixa passar de dentro para dentro de Moçambique

nossas preciosas tanjarinas d’Inhambane.

Agora escasca uma tanjarina e prova um gomo.

É doce ou não é doce camarada Control?

Pronto!

Muito obrigado Camarada Control!

E viva as saborosas tanjarinas d’Inhambane…VIVA!!!

[Versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]

 

 

 

 

[José Craveirinha, versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]

publicado às 10:03

Poema(s) Erótico(s)

por jpt, em 25.05.05

CraveirinhaPoemasEroticosCapa.jpg

Matutinos gemidos em gerúndio
pronunciavam meu nome em surdina
aos cúmplices ouvidos da almofada.

 

[José Craveirinha, Poemas Eróticos, Moçambique Editora/Texto Editores, 2004 (edição póstuma, sob responsabilidade de Fátima Mendonça)]

publicado às 13:31

PERSISTÊNCIA

por jpt, em 05.02.05
Nesta civilizaçãoo que descubro éo ódio no coração do mundoMas persistoporque da seara da vidaao hábito de procurar o amor dos homens restam sempre os grãos ao fundo.José Craveirinha, Poemas de Prisão[relido aqui]

publicado às 13:07

Imagem Passa Palavra

por jpt, em 07.11.04
O projecto IDENTIDADES, almeado por José Paiva, lançou esta semana em Maputo "Imagem Passa Palavra", um livro que associa obras de 50 artistas plásticos e 50 escritores dos países de língua oficial portuguesa.

IDENTIDADES é um belo projecto de articulação, centralizado na Cooperativa Gesto (Porto), na Faculdade de Belas Artes do Porto e na Escola de Artes Visuais (Maputo). Desde 1996 que tem desenvolvido as suas actividades, de modo constante. E com muito boa onda. Rara. Para além das manifestações artísticas e da interligação pedagógica, esta muito frutuosa, o IDENTIDADES conseguiu por ora incluir a Faculdade de Arquitectura do Porto no projectar da futura Escola de Artes Visuais aqui.

Muito honestamente Paiva e sua gente, bem como a EAV, têm dado um exemplo de como com algum apoio institucional, nada faraónico, se podem produzir belos e duradouros frutos na "cooperação" cultural. E, repito, têm muito boa onda. Em linguagem mais séria, entenda-se mais política, dir-se-á que têm a atitude correcta para quem faz coisas num estrangeiro muito especial. Um estrangeiro mútuo. Enfim, são um case-study. Aliás a ser feito. Que venha a servir para consulta aos candidatos a profissionais!


"IDENTIDADES é um movimento artístico, iniciado em 1996, com um programa de intercâmbio cultural entre Moçambique e Portugal. Desde aí tem cumprido diversos projectos e realizações, partilhadas também por pessoas de Brasil e Cabo Verde, países ligados pela língua portuguesa.

Em 200, o IDENTIDADES inicia a sua actividade editorial em livro com o lançamento da "Colectânea Breve da Literatura Moçambicana". Este livro reúne prosa e poesia (inédita ou não) de escritores moçambicanos, quer jovens, quer consagrados. (...)


A teia de relações que se estabeleceu ... animou-nos para a continuação da actividade editorial... Nesta nova obra invertemos a corrente: a imagem foi realizada primeiro, por 50 artistas plásticos...A partir das imagens, os escritores desafiados escreveram 50 textos inéditos, sendo que ficou estabelecido que os "duetos" não deveriam ser formados por pessoas da mesma nacionalidade (...)

Identidades, 2004".

Do livro retiro algumas ilustrações, ao meu gosto. Para provar que vale a pena? Sim, mas acima de tudo por prazer. E amizade. Assim aqui ficam pequenos excertos, de onde há muito mais.

O Velho ainda legou este:

Minha pausada forma de respirar.
Meu impestanável silêncio absorto.
A cabeça inclinada para o lado inverso
e nos lençóis a imobilidade dos dedos
não significa para a jovem nua deitada à esquerda
que o Zé da viagem aos cios do grande rio Zambeze
regressa ao Zé dos imenso lago Niassa do tédio?

(José Craveirinha)


(Rui Assubuji)

Suleiman Cassamo está, e é sempre bom sabê-lo na escrita. Faz falta. Em especial quando vem dizer: "Agora, o menino ranhoso que mijava no ntehê, nas costas da mãe, é dono do seu nariz. Acredita não ter inventado não só a vela mas também o vento da sua errante navegação. Revê-se na aranha, traçando o seu destino cósmico com a matéria da própria saliva".


(Ciro Pereira, fragmento)

Guita Jr. numa prosa até longa que lhe desconhecia, com a bela história de "Jesuíno Zaqueu, o Zaqueu para toda a gente da pequena e humilde cidade do sul, cantava cego o seu refrão para os transeuntes surdos da sua canção...Uma existência de total remissão. De pecado."


(Gemuce, fragmento)

Panguana também veio, para acabar: "E de vez em quando um pássaro que irrompe casa adentro e ensaia um cântico sempre que o poeta, triunfante, olha para o poema acabado e grita: Eureka!"



(Idasse, fragmento)


E muitos outros, daqui e não.

Confesso que estes livros, coisas objecto, colectâneas-encomendas, nunca me dizem assim nada, quase sempre falham. Coisa diferente aqui. Alquimia. Talvez a alquimia do IDENTIDADES.

publicado às 08:16

José Craveirinha,

por jpt, em 28.05.04

A Texto vai passar a editar a obra póstuma que Fátima Mendonça está a organizar, assinaram hoje durante a pequena evocação lá na velha casa. O Eduardo disse, e coisa dele ainda, o Jaime Santos também, e trouxe um velho Brecht afiançando que o poeta gostava, pela primeira vez em público foi dito Craveirinha em ronga, tradução ali mesmo, e só por isso teria valido o fim-de-tarde, o Stewart cantou só, o Karingana wa Karingana, e desafiou um disco de Craveirinha, aí tanto cantor a pedir tradução para changana ou ronga, seria boa ideia, Mucavele, Wazimbo, Langa, alguns outros.

Nas traseiras falou-se de atletismo, um bocadinho de algarve também, e de uns outros tempos quando as visitas espontâneas entrávamos ou ficávamos à porta, dependia da hora ou dos humores. Alguns lembraram viagens e o Jaime o facto de um fato, ali presente e já a caminhar para o velho, que dependeu do Fernando Pessoa.

Enfim...

publicado às 20:17

Craveirinha e Knopfli

por jpt, em 28.05.04
 

José Craveirinha comemoraria hoje o seu 82º aniversário. Aqui fica a memória. Ilustrada por um pequeno livro, que acarinho, em que se recolhem algumas das suas crónicas de jornal, casadas com as contemporâneas de Rui Knopfli, um "verso e anverso" desses irmãos de letras inventado pelo António Sopa: "Contacto e outras Crónicas" + "A Seca e outros textos".

No final dos anos 40 o então jovem Zé Craveirinha escrevia, com um tom muito da época, coisas de sempre:

"O movimento que se deseja efectuar-se-á ...quando o homem de cor intelectualmente preparado não desdenhar acintosamente o influxo de correntes culturais de origem africana, num sonambulismo ignaro que se vem prolongando demasiado. ... Trata-se muito simplesmente de não abdicar de uma cultura indígena, nem renegar uma corrente europeia, quando de tal enxerto pode surgir uma beneficiação integral..." (8-9)

publicado às 20:12

Mulher

por jpt, em 03.04.04
"(...) Fanisse trabalhava a terra, curvada, os grandes seios suspensos como papaias. Sonto às costas ou escarranchado na ilharga, a mamar. E nunca palavras que fossem de raiva contra a sua vida de mulher e nunca seu corpo rendido ao peso do chicomo nas mãos calejadas (...)"

José Craveirinha, "Mamana Fanisse", Hamina e Outros Contos, Maputo, Ndjira

publicado às 08:39

Craveirinha póstumo

por jpt, em 21.01.04

craveirinha.png

(José Craveirinha, retratado por Sérgio Santimano)
 
Pompa e cerimónia, como aqui nunca tinha visto para lançamento de livro. A sede do "private" do banco patrocinador, lugar de gente bem, e naquele dia dela tão cheio. [E eu, gin na mão, a lembrar os diferentes - e mais vazios, e bem mais frugais - dias da apresentação do Babalaze das Hienas e do Contacto e Outras Crónicas, mas enfim, morto é morto, e assim mais fácil de homenagear]. Estou certo que o velho haveria de ter exercido a acidez, se por ali estivesse. Ele que ironizava de "urna" o Mercedes que o transportava - coisa de vice-presidente do Fundo Bibliográfico, assim feito "estrutura" honorífica - e até de "coveiro" o respectivo motorista, parece que adivinhava o adivinhável. Mas, vaidoso e cobrador de um reconhecimento que nunca lhe era excessivo, haveria de ter gostado da festa de hoje. E também do livro, até de capadura, ainda que depois fosse para casa protestar aquelas gralhas de prefácio.
 
Estou a falar do social. Que lá de dentro se calhar... pois poemas fechados na gaveta quarenta anos, e ele que até publicou poemas de prisão: Cela 1. Optou? Por os esconder? Se calhar não, pois estes textos não o acompanharam durante muito tempo. Mas isso são as eternas questões do baú. Publicam-se os restos ou não, a eterna dúvida post-mortem dos grandes? Há muita tralha que sai por causa disso, mas há sempre o Kafka e o Brod para legitimar rapar os fundos dos tachos alheios.
 
Muito do que surge neste livro tem interesse histórico. O que poderá não ser o melhor para poesias. Mas não lhe vem particular mal por isso. Ainda que o tempo seja impiedoso para algumas coisas, talvez mais próprias lá para os 70s: o poema "Pergunta a Ernest Hemingway" serve de exemplo.
 
Mas estou aqui para narrar o meu garimpo no livro, que pepitas me mostrou a peneira. Então lá vai: para aqueles que se tanto se incomodam com os requebros da língua, arranca-se aqui um "Já me desapetece a poesia".... E, já agora, para tantos racialistas de Maputo (até para os meus amigos que me fazem sentir uma espécie de negativo do Sidney Poitier): "Que nesta mulher que passa/também há um ventre de mãe/ e não é branco nem é negro/ o ovário na gestação" - mas esses hão-de protestar o velho, agora que morto, e por razões várias.
 
E, ainda, para todos, a verdadeira grandeza de homem, suficientemente corajoso para escrever "Era não! mas o tabaco é um vício/ E o vício / fumado nas omoplatas / põe-nos sobre a língua a nicotina  /e descerra os lábios / para o sim".
 
Caramba, assim bem mais homem do que todos esses que se dizem Homens.

publicado às 15:24

Os livros de Natal e as editoras

por jpt, em 29.12.03
Não se queixam muito os livreiros de Maputo, não lhes corre assim tão mal o negócio, e não falo só destes finais de Dezembro. Bom sinal! E ainda que o grosso das vendas seja livro estrangeiro, para este Natal animaram-se as edições na escala do mercado local. As duas semanas anteriores foram de azáfama nos lançamentos, alguns ainda com chamuças e vinho branco, a não perder, mesmo que não se leiam (ou comprem) os livros.
 
 
Mas depois basta ir comprar os presentes para resmungar com a distribuição, as novidades não aparecem. E quando se fala de tiragens pequenas, a oscilar entre os 500 e os 1000 exemplares, e de editoras não muito abonadas, o que significará perder uma estação natalícia?
 
 
Talvez não muito, e este é um problema outro, pois a maioria das edições que surgiram chegam por via de patrocínios. Dinheiro em caixa, edição paga, distribuição esquecida? Se calhar é isso, e depois lá ficam os caixotes de livros em armazém e o “ai, ai, que os livros não se vendem, não há mercado”, e estou só a falar em Maputo, que no resto do país nem se fala. E os autores a não serem lidos, ou tão lidos como o gostariam, e isso ainda é o pior.
 
 

Andei pelas livrarias, a comprar as poucas prendas e a falar com os empregados. Nas duas maiores livrarias de Maputo, as Escolar Editora, comprei o antepenúltimo “As duas sombras do rio”, o qual está esgotado, cinco meses depois de sair. Que raio, porque fizeram tão poucos? Do último de Mia CoutoO Fio das Missangas”, edição local há apenas um mês restam 30 em armazém, e repito a pergunta. Do delicioso “Xingondo”, belas crónicas de Daniel da Costa, nem vê-lo. E estas nem são edições patrocinadas, mas faltou qualquer coisa.

 

[Já agora que falo do Xingondo, um aviso de não crítico a quem chegou até aqui. É o cronista que mais me encanta nesta terra, não um imortal, mas algumas das peças bem conseguidas e, mais do que tudo, com uma ironia suave por aqui tão única, que o hábito dos seus colegas é um risco bem grosso, para ser nítido, que até cansa].

 

De Panguana, “O Chão das Coisas”, a biografia de Coluna “O Monstro Sagrado”, “A Viagem Profana” de Nelson Saúte, tudo da segunda metade de Dezembro nem sombra. Deste pacote de fim de ano só os “Poemas de Prisão” de Craveirinha à venda, nos escaparates usa-se dizer, e talvez porque noblesse oblige. E, atenção, todos patrocinados. Causa - efeito?

 

Cá para mim anda-se a dormir na forma, mas enfim, não sou homem de negócios. Mas fico-me, falta distribuição, não tão difícil assim em Maputo. Repito, é o raio dos patrocínios, o livro está feito, há o objecto e pronto, ninguém se preocupa mais.

 

E já agora, que falo de livros. Bebo com o poeta Afonso dos Santos, ele ia mais adiantado do que eu, mas ainda assim vai dizendo que anda à procura de editora para dois novos livros. Um “Coleccionador de Quimeras” que aqui esgotou 750 exemplares de poesia e anda à procura de quem o edite? Em casa vou ver-lhe o livro e lá está, patrocínio institucional, cheira-me a metade da edição metida em caixotes como retribuição do taco avançado e, aposto, desde então condignamente clandestinos para não desarrumar os corredores. Não sou muito de poemas, defeito ou característica, não sei. Mas um tipo que se avança com

 

Quando as minhas angústias

começam a morder-me

ponho-lhes a trela

saio à rua a passeá-las

e deixo-as ladrar

ao tédio transeunte.

Depois ponho-lhes asas

e deixo-as voar

como pássaros

em busca de primaveras

imprevisíveis

 

bem que deveria ser editado, mas para ser mesmo lido. Fosse ele de salões e talvez. Mas se calhar ladra-nos demais, a nós transeuntes.

publicado às 15:06


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