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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Hoje são 35 anos de independência de Moçambique. Na data do trigésimo aniversário aqui deixei este poema de José Craveirinha, poema também momento que foi, que agora reproduzo.
[Zé Craveirinha, fotografado por Sérgio Santimano, fotografia recolhida no seu blog]
Saborosas Tangerinas d'Inhambane
I
Serão palmas induvidosas todas as palmas que palmeiam os discursos dos chefes?
Não são aleivosos certos panegíricos excessivos de vivas?
Auscultemos atentos os gritos vociferados nos comícios.
E nas repletas “bichas”? São ou não bizarrosos sigilosos susssurros?
Em suas epopeias de humildade deixam intactos os sonhadores.
Sabotagem é despromover um verdadeiro poeta em funcionário.
Não bastam nos gabinetes os incompetentes?
Ainda mais alcatifas e ares condicionados?
Aos dirigentes máximos poupemos os ardilosos organigramas.
Como são hábeis os relatórios das empresas estatizadas
prosperamente deficitárias ou por causa das secas
ou porque veio no jornal que choveu de mais
ou por causa do sol ou porque falta no tractor um parafuso
ou talvez porque um polícia de trânsito não multou Vasco da Gama
ao infringir os códigos na rota das especiarias de Calicute.
E nos nossos tímpanos os circunjacentes murmúrios?
Não é boa ideologia detectar na génese os indesmentíveis boatos?
Uma população que não fala não é um risco?
Aonde se oculta o diapasão da sua voz?
E quanto ao mutismo dos fazedores de versos?
Não sai poesia será que saem
dos verões crepusculares dos bairros de caniço augúrios cor-de-rosa?
Quem é o mais super na metereologia das infaustas notícias?
Quem escuta o sinal dos ventos antes da ventania e avisa?
II
Na berma das avenidas asfaltizadas olhemos perplexados
os sarcásticos prédios por nós escaqueirados. Não dói?
Nas escolas é maningue melhor partirmos as carteiras e de rastos estudar no chão?
E nas fábricas que mãos são estas nossas proletárias mãos que a trabalhar só desfabricam?
E o que é que se passa com engordecido responsável director
sempre a mandar-se em missão de serviço nos melhores hotéis das europas?
Ou então no espólio das noites de vigilância e de saco cheio
vale mais a carência nacional que ter um pide
vale ou não vale nosso esperto milícia Fakir?
III
Que os camionistas heróis dos camiões emboscados a tiro nas viagens
tragam as saborosas tanjarinas d’Inhambane ao custo das ciladas
mas que descarreguem primeiro nos hospitais nas creches e nas escolas
que o futuro do País também fica mais doce na doçura das tanjarinas d’Inhambane
e o poder sobrevive na força de um povo com tabelas d’amor e não de preços.
Mas os auspiciosos maduros cajus purpurinos
já não nos dão os gostosos tincarôsse porquê?
Especular a pátria não é guiar a viatura nova contra os muros e os postes?
E ilegalidade só é ilegalidade nos outros?
Hiena só é quizumba no mato?
Então juro que tanjarinas d’Inhambane é tanjarina d’Inhambane!
Eu adoro morder voluptuosamente os sumarentos gomos
das magníficas tanjarinas d’Inhambane. Adoro mesmo!
E desde leste a oeste quem não gosta das saborosas tanjarinas d’Inhambane?
Se não gostam, então, os que abjuram os sagrados frutos da terra-mãe
que façam lá um pai e uma mãe; Que façam tios e sobrinhos;
Que façam lá irmãos e irmãs; Que façam lá amigos e amigas;
Que façam lá colegas e camaradas;
E com a incompreensão façam lá nascer a ternura
o amor e a paz se são capazes!
IV
Pois é! As orientações de alguns directores desorientam os juízos
(deles também) mas quem é que disse que não tenho pena
dos seus conjuntos safaris embrulhando-os fresquinho
se sem problemas de suores originários deste instabilizado clima tropical?
Quem é que disse que não lamento vê-los penosamente saindo dos “Ladas”com as suas poses
e as incalejadas mãos deles sem aguentarem sequer
abrir-se a porta e assentados esperarem que o motorista irrevogavelmente
dê a a volta ao mundo do fatalismo e cumpra hereditariamente essa tarefa?
Mas quem é que disse que não tenho pena?
Mas quem foi que disse que não sinto esse drama?
V
Depressa você Madalena vai bichar lenha, deixa bicha de carapau.
Tu vovó sai da bicha de capulana vai bichar pão.
E Toninho com Quiristina vai os dois bichar água.
Sexta-feira antepassada mamana Júlia dormiu lá mesmo.
Bichou toda a noite no Jone Uarre mas chegou vez … NADA!
Aontem tomar chá não tomou … foi no serviço.
Aoje não toma? Vai tomar amanhã.
Não toma amanhã toma outro dia.
Ou quando encontra toma de noite.
E quando não encontra de noite então dorme.
Mas quando sonhar amendoim já tomou chá, já comeu.
VI
Sim. A gente faz favor quer cascar com unha do dedo grande
as tanjarinas d’Inhambane.
Olha lá! Você estás cansado da tua terra? Salta arame … vaaaaaiiii…
Você não gostas bandeira? Leva documento … FAMBA!!!
Antigamente ‘panhava mais fome mas não ficava aqui?
Antigamente era palmatoada. Não estava? Não ia na estiva?
Antigamente sapato não corrente de ferro? Agora quer “Adidas”, não é?
Antigamente sentava no xibalo. Agora senta no Scala não senta? Mas quem deu?
Antigamente escrevia nome? Aonde? Capaz? Agora manda carta no jornal
só p’ra dizer que pão não presta. Comia qual pão antigamente?
Antigamente encontrava passaporte? Agora se não ‘panha passaporte
logo fica muito triste, fica muito zangado. Faz barulho.
Antigamente não era só caderneta?
Sim! Agora come carapau. Não é peixe? Batata-doce e mandioca
agora não é comida? Porquê?
Nossa barriga alembra bife com batata frita e azeitona.
Alembra bacalhau mais grelos, mais aquele azeite d’oliveira com vinho tinto de garrafão lacrado.
Mas nós tinha isso quando queria ou quando restava? Era nossa casa? Qual casa?
Lá naquela casa a gente puxava otoclismo p’ra noss cu pró cu dos outros?
Vá! Fala lá! A gente não ficava de cócoras numa sentina? A gente tinha balde mais o quê?
VII
É verdade; chuva na machamba não chove. Mas a gente espera. Chuva vai vir.
É verdade a gente come couve com couve, carapau com carapau, farinha com farinha. Mas senta na mesa. Família toda senta.
Senta em casa no prédio. Amigo também senta. Senta ou não senta?
Ir embora não voltar mais? Não pode. Deixar aqui? Ir aonde? Capaz!
Mudar moçambicano ficar o quÊ? Mudar a cara ficar qual cara?
Fugir há outro que vai fugir. Moçambicano próprio não foge.
Homem quando é homem é só um coração. Não é dois.
VIII
Agora mesmo que não tem senha de gasolina não faz mal
Não há crise. Candonga tem.
Mas quem disse aquelas saborosas tanjarinas d’Inhambane não vem mais?
É preciso? A gente vai fazer estratégia de mestre Lenine
e vamos avançar duas dialécticas cambalhotas atrás
moçambicanissimamente objectivas
concretissimamente bem moçambicanas.
IX
Agora alerta camarada Control. Vem aí camião com tanjarinas d’Inhambane.
Tira dedo do gatilho e faz uma aceno d’alegria ao estóico motorista.
Ganha metical mas desde Inhambane, desde Chai-Chai, desde Manhiça
ele está guiar mas ele só sabe que chegou quando está a chegar.
Camarada Control: Aldeia é aldeia não é vila.
Camarada Control: Vila é vila não é cidade.
Camarada Control: Cidade é cidade não é distrito.
Camarada Control: Distrito é distrito não é província.
Camarada Control: Província é província não é nação.
Camarada Control: Control é control não é Governo.
Camarada Control: Território nacional é lá no primeiro
grão d’areia em Cabo Delgado até no último milímetro da Ponto D’Ouro.
Camarada Control: Abre teu mais fraterno sorriso no meio da estrada
e deixa passar de dentro para dentro de Moçambique
nossas preciosas tanjarinas d’Inhambane.
Agora escasca uma tanjarina e prova um gomo.
É doce ou não é doce camarada Control?
Pronto!
Muito obrigado Camarada Control!
E viva as saborosas tanjarinas d’Inhambane…VIVA!!!
[Versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]
Sobre Sebastião Alba uma excelente nota no Antologia do Esquecimento: "Quando Escreve Descalça-se à Entrada do Poema".
Nota: a propósito de Alba Leonel Auxiliar chama a atenção para este local que lhe é dedicado, com textos de Teresa Lima, José Craveirinha, Machado da Graça, Glória de Sant'Anna e do próprio poeta.
Adenda: não tem nada a ver mas no mesmo blog uma bela nota a propósito da paternidade - "Diálogos Sobre Estética".
jpt
De David Mestre, poeta angolano de origem portuguesa, falecido em 1997, apenas tinha lido o seu "Lusografias", um registo de crónicas. Agora encontrei este "Nas Barbas do Bando" (Ulmeiro / União dos Escritores Angolanos, 1985). Lembrando o contexto histórico e biográfico do autor, retiro-lhe dois poemas que me parecem reconhecer (imagino?) o eixo de um percurso abissal.
Portugal Colonial
Nada te devo
nem o sítio
onde nasci
nem a morte
que depois comi
nem a vida
repartida
p'los cães
nem a notícia
curta
a dizer-te
que morri
nada te devo
Portugal
colonial
cicatriz
doutra pele
apertada
O Poeta Deve
O poeta deve
manter-se perfilado
em andamento
respeitar o sinal
no cruzamento
manejar assim
o armamento
saber guardar
recolhimento
e não deve
tocar douvido
o instrumento
extraviar
o fardamento
com prometer
o cumprimento
deste burocrático
regulamento
O livro tem ainda um interesse complementar. A contracapa apresenta este manuscrito de José Craveirinha, um poema dedicado ao autor. Aqui o deixo, não como curiosidade, mas como óbvio diálogo aos pólos acima transcritos:
(ao David Mestre)
Delito
O delito
imperdoável dos genuínos poetas
é não serem amordaçáveis
Porque
mesmo depois do seu homicídio
o defeito deles é terem na poesia
a bater os pulsos em cada verso
a verdadeira pátria insilenciável
em vez da vida.
(21.4.78)
jpt
Saborosas Tanjarinas d'Inhambane
I
Serão palmas induvidosas todas as palmas que palmeiam os discursos dos chefes?
Não são aleivosos certos panegíricos excessivos de vivas?
Auscultemos atentos os gritos vociferados nos comícios.
E nas repletas “bichas”? São ou não bizarrosos sigilosos susssurros?
Em suas epopeias de humildade deixam intactos os sonhadores.
Sabotagem é despromover um verdadeiro poeta em funcionário.
Não bastam nos gabinetes os incompetentes?
Ainda mais alcatifas e ares condicionados?
Aos dirigentes máximos poupemos os ardilosos organigramas.
Como são hábeis os relatórios das empresas estatizadas
prosperamente deficitárias ou por causa das secas
ou porque veio no jornal que choveu de mais
ou por causa do sol ou porque falta no tractor um parafuso
ou talvez porque um polícia de trânsito não multou Vasco da Gama
ao infringir os códigos na rota das especiarias de Calicute.
E nos nossos tímpanos os circunjacentes murmúrios?
Não é boa ideologia detectar na génese os indesmentíveis boatos?
Uma população que não fala não é um risco?
Aonde se oculta o diapasão da sua voz?
E quanto ao mutismo dos fazedores de versos?
Não sai poesia será que saem
dos verões crepusculares dos bairros de caniço augúrios cor-de-rosa?
Quem é o mais super na metereologia das infaustas notícias?
Quem escuta o sinal dos ventos antes da ventania e avisa?
II
Na berma das avenidas asfaltizadas olhemos perplexados
os sarcásticos prédios por nós escaqueirados. Não dói?
Nas escolas é maningue melhor partirmos as carteiras e de rastos estudar no chão?
E nas fábricas que mãos são estas nossas proletárias mãos que a trabalhar só desfabricam?
E o que é que se passa com engordecido responsável director
sempre a mandar-se em missão de serviço nos melhores hotéis das europas?
Ou então no espólio das noites de vigilância e de saco cheio
vale mais a carência nacional que ter um pide
vale ou não vale nosso esperto milícia Fakir?
III
Que os camionistas heróis dos camiões emboscados a tiro nas viagens
tragam as saborosas tanjarinas d’Inhambane ao custo das ciladas
mas que descarreguem primeiro nos hospitais nas creches e nas escolas
que o futuro do País também fica mais doce na doçura das tanjarinas d’Inhambane
e o poder sobrevive na força de um povo com tabelas d’amor e não de preços.
Mas os auspiciosos maduros cajus purpurinos
já não nos dão os gostosos tincarôsse porquê?
Especular a pátria não é guiar a viatura nova contra os muros e os postes?
E ilegalidade só é ilegalidade nos outros?
Hiena só é quizumba no mato?
Então juro que tanjarinas d’Inhambane é tanjarina d’Inhambane!
Eu adoro morder voluptuosamente os sumarentos gomos
das magníficas tanjarinas d’Inhambane. Adoro mesmo!
E desde leste a oeste quem não gosta das saborosas tanjarinas d’Inhambane?
Se não gostam, então, os que abjuram os sagrados frutos da terra-mãe
que façam lá um pai e uma mãe; Que façam tios e sobrinhos;
Que façam lá irmãos e irmãs; Que façam lá amigos e amigas;
Que façam lá colegas e camaradas;
E com a incompreensão façam lá nascer a ternura
o amor e a paz se são capazes!
IV
Pois é! As orientações de alguns directores desorientam os juízos
(deles também) mas quem é que disse que não tenho pena
dos seus conjuntos safaris embrulhando-os fresquinho
se sem problemas de suores originários deste instabilizado clima tropical?
Quem é que disse que não lamento vê-los penosamente saindo dos “Ladas”com as suas poses
e as incalejadas mãos deles sem aguentarem sequer
abrir-se a porta e assentados esperarem que o motorista irrevogavelmente
dê a a volta ao mundo do fatalismo e cumpra hereditariamente essa tarefa?
Mas quem é que disse que não tenho pena?
Mas quem foi que disse que não sinto esse drama?
V
Depressa você Madalena vai bichar lenha, deixa bicha de carapau.
Tu vovó sai da bicha de capulana vai bichar pão.
E Toninho com Quiristina vai os dois bichar água.
Sexta-feira antepassada mamana Júlia dormiu lá mesmo.
Bichou toda a noite no Jone Uarre mas chegou vez … NADA!
Aontem tomar chá não tomou … foi no serviço.
Aoje não toma? Vai tomar amanhã.
Não toma amanhã toma outro dia.
Ou quando encontra toma de noite.
E quando não encontra de noite então dorme.
Mas quando sonhar amendoim já tomou chá, já comeu.
VI
Sim. A gente faz favor quer cascar com unha do dedo grande
as tanjarinas d’Inhambane.
Olha lá! Você estás cansado da tua terra? Salta arame … vaaaaaiiii…
Você não gostas bandeira? Leva documento … FAMBA!!!
Antigamente ‘panhava mais fome mas não ficava aqui?
Antigamente era palmatoada. Não estava? Não ia na estiva?
Antigamente sapato não corrente de ferro? Agora quer “Adidas”, não é?
Antigamente sentava no xibalo. Agora senta no Scala não senta? Mas quem deu?
Antigamente escrevia nome? Aonde? Capaz? Agora manda carta no jornal
só p’ra dizer que pão não presta. Comia qual pão antigamente?
Antigamente encontrava passaporte? Agora se não ‘panha passaporte
logo fica muito triste, fica muito zangado. Faz barulho.
Antigamente não era só caderneta?
Sim! Agora come carapau. Não é peixe? Batata-doce e mandioca
agora não é comida? Porquê?
Nossa barriga alembra bife com batata frita e azeitona.
Alembra bacalhau mais grelos, mais aquele azeite d’oliveira com vinho tinto de garrafão lacrado.
Mas nós tinha isso quando queria ou quando restava? Era nossa casa? Qual casa?
Lá naquela casa a gente puxava otoclismo p’ra noss cu pró cu dos outros?
Vá! Fala lá! A gente não ficava de cócoras numa sentina? A gente tinha balde mais o quê?
VII
É verdade; chuva na machamba não chove. Mas a gente espera. Chuva vai vir.
É verdade a gente come couve com couve, carapau com carapau, farinha com farinha. Mas senta na mesa. Família toda senta.
Senta em casa no prédio. Amigo também senta. Senta ou não senta?
Ir embora não voltar mais? Não pode. Deixar aqui? Ir aonde? Capaz!
Mudar moçambicano ficar o quÊ? Mudar a cara ficar qual cara?
Fugir há outro que vai fugir. Moçambicano próprio não foge.
Homem quando é homem é só um coração. Não é dois.
VIII
Agora mesmo que não tem senha de gasolina não faz mal
Não há crise. Candonga tem.
Mas quem disse aquelas saborosas tanjarinas d’Inhambane não vem mais?
É preciso? A gente vai fazer estratégia de mestre Lenine
e vamos avançar duas dialécticas cambalhotas atrás
moçambicanissimamente objectivas
concretissimamente bem moçambicanas.
IX
Agora alerta camarada Control. Vem aí camião com tanjarinas d’Inhambane.
Tira dedo do gatilho e faz uma aceno d’alegria ao estóico motorista.
Ganha metical mas desde Inhambane, desde Chai-Chai, desde Manhiça
ele está guiar mas ele só sabe que chegou quando está a chegar.
Camarada Control: Aldeia é aldeia não é vila.
Camarada Control: Vila é vila não é cidade.
Camarada Control: Cidade é cidade não é distrito.
Camarada Control: Distrito é distrito não é província.
Camarada Control: Província é província não é nação.
Camarada Control: Control é control não é Governo.
Camarada Control: Território nacional é lá no primeiro
grão d’areia em Cabo Delgado até no último milímetro da Ponto D’Ouro.
Camarada Control: Abre teu mais fraterno sorriso no meio da estrada
e deixa passar de dentro para dentro de Moçambique
nossas preciosas tanjarinas d’Inhambane.
Agora escasca uma tanjarina e prova um gomo.
É doce ou não é doce camarada Control?
Pronto!
Muito obrigado Camarada Control!
E viva as saborosas tanjarinas d’Inhambane…VIVA!!!
[Versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]
[José Craveirinha, versão em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana, Lisboa, D. Quixote, 2004, p. 103]
Matutinos gemidos em gerúndio
pronunciavam meu nome em surdina
aos cúmplices ouvidos da almofada.
[José Craveirinha, Poemas Eróticos, Moçambique Editora/Texto Editores, 2004 (edição póstuma, sob responsabilidade de Fátima Mendonça)]
"IDENTIDADES é um movimento artístico, iniciado em 1996, com um programa de intercâmbio cultural entre Moçambique e Portugal. Desde aí tem cumprido diversos projectos e realizações, partilhadas também por pessoas de Brasil e Cabo Verde, países ligados pela língua portuguesa.
Em 200, o IDENTIDADES inicia a sua actividade editorial em livro com o lançamento da "Colectânea Breve da Literatura Moçambicana". Este livro reúne prosa e poesia (inédita ou não) de escritores moçambicanos, quer jovens, quer consagrados. (...)
A teia de relações que se estabeleceu ... animou-nos para a continuação da actividade editorial... Nesta nova obra invertemos a corrente: a imagem foi realizada primeiro, por 50 artistas plásticos...A partir das imagens, os escritores desafiados escreveram 50 textos inéditos, sendo que ficou estabelecido que os "duetos" não deveriam ser formados por pessoas da mesma nacionalidade (...)
Identidades, 2004".
Do livro retiro algumas ilustrações, ao meu gosto. Para provar que vale a pena? Sim, mas acima de tudo por prazer. E amizade. Assim aqui ficam pequenos excertos, de onde há muito mais.
O Velho ainda legou este:
(José Craveirinha)Minha pausada forma de respirar.
Meu impestanável silêncio absorto.
A cabeça inclinada para o lado inverso
e nos lençóis a imobilidade dos dedos
não significa para a jovem nua deitada à esquerda
que o Zé da viagem aos cios do grande rio Zambeze
regressa ao Zé dos imenso lago Niassa do tédio?
Suleiman Cassamo está, e é sempre bom sabê-lo na escrita. Faz falta. Em especial quando vem dizer: "Agora, o menino ranhoso que mijava no ntehê, nas costas da mãe, é dono do seu nariz. Acredita não ter inventado não só a vela mas também o vento da sua errante navegação. Revê-se na aranha, traçando o seu destino cósmico com a matéria da própria saliva".
Guita Jr. numa prosa até longa que lhe desconhecia, com a bela história de "Jesuíno Zaqueu, o Zaqueu para toda a gente da pequena e humilde cidade do sul, cantava cego o seu refrão para os transeuntes surdos da sua canção...Uma existência de total remissão. De pecado."
Panguana também veio, para acabar: "E de vez em quando um pássaro que irrompe casa adentro e ensaia um cântico sempre que o poeta, triunfante, olha para o poema acabado e grita: Eureka!"
E muitos outros, daqui e não.
Confesso que estes livros, coisas objecto, colectâneas-encomendas, nunca me dizem assim nada, quase sempre falham. Coisa diferente aqui. Alquimia. Talvez a alquimia do IDENTIDADES.
A Texto vai passar a editar a obra póstuma que Fátima Mendonça está a organizar, assinaram hoje durante a pequena evocação lá na velha casa. O Eduardo disse, e coisa dele ainda, o Jaime Santos também, e trouxe um velho Brecht afiançando que o poeta gostava, pela primeira vez em público foi dito Craveirinha em ronga, tradução ali mesmo, e só por isso teria valido o fim-de-tarde, o Stewart cantou só, o Karingana wa Karingana, e desafiou um disco de Craveirinha, aí tanto cantor a pedir tradução para changana ou ronga, seria boa ideia, Mucavele, Wazimbo, Langa, alguns outros.
Nas traseiras falou-se de atletismo, um bocadinho de algarve também, e de uns outros tempos quando as visitas espontâneas entrávamos ou ficávamos à porta, dependia da hora ou dos humores. Alguns lembraram viagens e o Jaime o facto de um fato, ali presente e já a caminhar para o velho, que dependeu do Fernando Pessoa.
Enfim...
José Craveirinha comemoraria hoje o seu 82º aniversário. Aqui fica a memória. Ilustrada por um pequeno livro, que acarinho, em que se recolhem algumas das suas crónicas de jornal, casadas com as contemporâneas de Rui Knopfli, um "verso e anverso" desses irmãos de letras inventado pelo António Sopa: "Contacto e outras Crónicas" + "A Seca e outros textos".
No final dos anos 40 o então jovem Zé Craveirinha escrevia, com um tom muito da época, coisas de sempre:
"O movimento que se deseja efectuar-se-á ...quando o homem de cor intelectualmente preparado não desdenhar acintosamente o influxo de correntes culturais de origem africana, num sonambulismo ignaro que se vem prolongando demasiado. ... Trata-se muito simplesmente de não abdicar de uma cultura indígena, nem renegar uma corrente europeia, quando de tal enxerto pode surgir uma beneficiação integral..." (8-9)
Andei pelas livrarias, a comprar as poucas prendas e a falar com os empregados. Nas duas maiores livrarias de Maputo, as Escolar Editora, comprei o antepenúltimo “As duas sombras do rio”, o qual está esgotado, cinco meses depois de sair. Que raio, porque fizeram tão poucos? Do último de Mia Couto “O Fio das Missangas”, edição local há apenas um mês restam 30 em armazém, e repito a pergunta. Do delicioso “Xingondo”, belas crónicas de Daniel da Costa, nem vê-lo. E estas nem são edições patrocinadas, mas faltou qualquer coisa.
[Já agora que falo do Xingondo, um aviso de não crítico a quem chegou até aqui. É o cronista que mais me encanta nesta terra, não um imortal, mas algumas das peças bem conseguidas e, mais do que tudo, com uma ironia suave por aqui tão única, que o hábito dos seus colegas é um risco bem grosso, para ser nítido, que até cansa].
De Panguana, “O Chão das Coisas”, a biografia de Coluna “O Monstro Sagrado”, “A Viagem Profana” de Nelson Saúte, tudo da segunda metade de Dezembro nem sombra. Deste pacote de fim de ano só os “Poemas de Prisão” de Craveirinha à venda, nos escaparates usa-se dizer, e talvez porque noblesse oblige. E, atenção, todos patrocinados. Causa - efeito?
Cá para mim anda-se a dormir na forma, mas enfim, não sou homem de negócios. Mas fico-me, falta distribuição, não tão difícil assim em Maputo. Repito, é o raio dos patrocínios, o livro está feito, há o objecto e pronto, ninguém se preocupa mais.
E já agora, que falo de livros. Bebo com o poeta Afonso dos Santos, ele ia mais adiantado do que eu, mas ainda assim vai dizendo que anda à procura de editora para dois novos livros. Um “Coleccionador de Quimeras” que aqui esgotou 750 exemplares de poesia e anda à procura de quem o edite? Em casa vou ver-lhe o livro e lá está, patrocínio institucional, cheira-me a metade da edição metida em caixotes como retribuição do taco avançado e, aposto, desde então condignamente clandestinos para não desarrumar os corredores. Não sou muito de poemas, defeito ou característica, não sei. Mas um tipo que se avança com
Quando as minhas angústias
começam a morder-me
ponho-lhes a trela
saio à rua a passeá-las
e deixo-as ladrar
ao tédio transeunte.
Depois ponho-lhes asas
e deixo-as voar
como pássaros
em busca de primaveras
imprevisíveis
bem que deveria ser editado, mas para ser mesmo lido. Fosse ele de salões e talvez. Mas se calhar ladra-nos demais, a nós transeuntes.