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Adelino Serras Pires

por jpt, em 11.08.15

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[Adelino Serras Pires & Fiona Claire Capstick, The Winds of Havoc, St. Martin's Press, 2001]

 

Acabo de tomar conhecimento do falecimento de Adelino Serras Pires, homem muito conhecido da sociedade moçambicana do tempo colonial, em particular no centro do país, e também nos tempos posteriores. Tive o prazer de o conhecer, brevemente, há cerca de uma década numa sua visita a Maputo. Apresentaram-mo numa esplanada da cidade e eu fui a correr a casa em busca do meu exemplar destas suas memórias, um belíssimo testemunho de época. Gentilíssimo logo acompanhou o autógrafo com alguma ironia, numa frase denotando um "talvez discordemos em muito" quanto às nossas visões sobre África em geral e Moçambique em particular, mas algo que em nada se opôs a uma agradabilíssima conversa que ali tivemos. Homem carismático também, bastou o breve contacto para o perceber. Crescido no Guro, feito homem na Beira, figura do turismo e dinamizador da caça naquela era colonial, partiu do país e veio a sedear-se na África do Sul, continuando sempre interessado em Moçambique. As versões sobre a sua ligação à guerra civil são díspares e não serei eu, com o reduzido conhecimento que dele e delas tive, que irei elaborar sobre o assunto. Sei que durante ela esteve preso, julgo que com um filho (li o livro há já mais de uma década e escrevo agora de rompante e de memória), capturado na Tanzânia. Segundo ele durante actividades ligadas ao turismo, segundo outros devido às suas ligações à Renamo. Do que li e do que apreendi quando o contactei fica-me a memória de um homem "maior do que a vida". E uma testemunha ímpar de uma era no país, e do ambiente cultural que nele vigorava. Deixo abaixo a transcrição de um postal que aqui coloquei há muitos anos sobre o seu livro. É a minha vénia:

 

 

São as memórias de Serras Pires (que têm edição portuguesa, presumo que na Europa-América), homem do mundo, de relativas posses, uma personagem bem conhecida, com a característica de serem muitíssimo legíveis (a co-autora, Fiona Capstick é uma profissional da escrita). Colono filho de colono, Serras Pires teve (e ainda tem) uma vida cheia, figura carismática. [Para os adeptos da caça este é um livro incontornável]. Muito interessante a forma como aqui se explicita, sistemática e conscientemente, a visão benéfica da África colonial, e de como no livro se subentende, e entende, as particulares modalidades de relacionamento (por um lado sistémico, por outro lado pessoalizado) de relacionamento com os africanos "originários", como agora se diz. Mas traz também as flutuações de relacionamento intra-mundo colonial - são recorrentes e profundas as críticas à governação colonial, aos mandarins metropolitanos, ao BNU (a finança todo-poderosa) e, excelente, "aos a sul do Save" (questão que largas décadas depois, e com tão diferentes actores, ainda se coloca). Um episódio marcou-me na leitura do livro - o pai Serras Pires, velho colono inaugural na região do Guro adoece, já idoso, ao fim de trinta anos na região. Tem que ser evacuado de urgência mas não sobreviverá à viagem de carro até à Beira. É então necessário evacuá-lo de avião mas não há pista de aterragem no Guro. Será construída durante uma noite, por mobilização popular. Cabe a história no modelo? Explica o colonialismo? Se sim, cristalizamo-la e embandeiramo-la? Se não, censuramo-la?

publicado às 20:55

Ba Ka Khosa amanhã em Lisboa

por jpt, em 16.06.15

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Amanhã, ao fim da tarde, lá naquela Lisboa, ao pé da estação de metro do Chiado, na livraria Bertrand, será apresentado a edição portuguesa do livro Choriro, o mundo zambeziano que o grande Ungulani Ba Ka Khosa publicou em 2009. A oradora será a escritora portuguesa Lídia Jorge - a qual tem uma mozambican connection, fruto do seu "A Costa dos Murmúrios".

 

Espero que a sessão seja um sucesso, que o livro se venda, que o boca-a-boca funcione. E se algum por lá visitante por aqui, ma-schamba, tenha passado, faça o favor de dizer ao Ungulani que este Teixeira (aka jpt) lhe manda um abraço, de saudades preenchido.

 

publicado às 22:42

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Começa hoje em Maputo uma quinzena de actividades dedicadas a evocar José Soares Martins, ali antigo conselheiro cultural português e historiador (com o pseudónimo José Capela).

 

Para quem tiver curiosidade deixo ligação para dois breves textos que escrevi sobre a sua obra historiográfica, por ocasião do lançamento de alguns dos seus mais recentes livros: 

 

- "José Soares Martins, "Caldas Xavier. Relatório dos acontecimentos havidos no prazo Maganja aquém Chire, Moçambique, 1884";

 

- "José Soares Martins, "Conde de Ferreira & Cª. Traficantes de Escravos...".

 

 

publicado às 16:06

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Francisco Noa acaba de receber, hoje mesmo, o Prémio de Literatura BCI 2014, que lhe foi atribuído a propósito do livro "Perto do Fragmento, a Totalidade. Olhares sobre a Literatura e o Mundo", uma preciosa colectânea de ensaios à qual juntou uma série de prefácios, apresentações de livros e textos de opinião.

 

Este é o prémio literário mais importante no país, agora pela primeira vez atribuído fora do eixo ficção/poesia. É uma jubilosa notícia. Pelo reconhecimento público que implica a um intelectual de grande densidade. E inflexível, no compromisso que assumiu com a reflexão, sem ademanes nem facilitismos de ocasião. 

 

Quando este livro foi publicado botei aqui nota da sua apresentação pública. Na altura escrevi, e agora repito: "Francisco Noa é um tipo que vale. Exemplar. No registo pessoa, amigo. Como intelectual.". Acho que disse tudo o que senti dizer. E, também por isso, a minha alegria neste dia.

publicado às 18:01

A tragédia de Chitima

por jpt, em 12.01.15

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A agora acontecida tragédia de Chitima (no Songo, província de Tete) é avassaladora. Os mortos já são 63 e o número tende a subir, com inúmeros hospitalizados. Tudo provocado pela ingestão, em festividade, de pombe, bebida artesanal com base de mapira (sorgo). Um tambor de 200 litros no qual foi misturado um qualquer produto letal. Face a uma desgraça destas convém não especular, e não deixar de fora a possibilidade de um qualquer intuito criminoso. 

 

Mas a ideia que logo brota é outra, é de que terá havido um outro objectivo, o de incrementar a "força" da bebida. Lembro bem do que me avisavam, repetidas vezes, quando cheguei a Moçambique: para nunca consumir bebidas alcóolicas destiladas artesanalmente cuja confecção não tivesse acompanhado. Pois havia o hábito, antigo, de lhe associar múltiplos produtos, por exemplo pilhas, para aumentar o "coice". Terá acontecido isso? Terá sido, pelo contrário, algum produto corrompido? Julgo que em breve se saberá, mas isto é uma verdadeira desgraça.

 

E lembra-me, claro, as páginas iniciais do romance de Lídia Jorge, "A Costa dos Murmúrios", que narra (presumivelmente assente num acontecimento que a autora terá acompanhado na época) uma desgraça similar, um carregamento de alcool que matou inúmeras pessoas na Beira colonial dos tardo-1960s. Belas e terríveis páginas. Para acompanhar este luto.

publicado às 20:46

2014: livro do ano

por jpt, em 30.12.14

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publicado às 21:19

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Na próxima quarta-feira, 26 de Novembro, assinalar-se-á em Lisboa o cinquentenário da publicação de "Nós Matámos o Cão Tinhoso" de Luís Bernardo Honwana, livro crucial na literatura moçambicana. Na Faculdade de Letras será apresentada uma reedição (comemorativa), editada pela Alcance. E acontecerão conferências e conversas dedicadas ao livro e seu contexto, contando com várias participações, entre as quais Fátima Mendonça, Maria Alzira Seixo ou Luís Carlos Patraquim.

 

Quem quiser consultar o programa das actividades, que decorrem durante todo o dia, bastar-lhe-á para isso clicar aqui. Até quarta-feira.

 

 

 

publicado às 13:48

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Texto para a edição de 12.11.2014 do “Canal de Moçambique”

 

Maputo-Roteiro Histórico Iconográfico da Cidade

 

Nesta semana em que se comemorou o dia da cidade, assinalando o aniversário da sua elevação a esse estatuto, haverá várias formas de o celebrar. A melhor, decerto, será aquela de nela passear, repousadamente, escutando-a, vasculhando-lhe detalhes. Como a azáfama não costuma ser muito parceira desses deleites proponho outra forma: regressar a livros que lhe foram dedicados, (re)conhecer-lhe história e conteúdos.

 

E uma bela forma de nela entrar será através deste “Maputo – Roteiro Histórico Iconográfico da Cidade”, mais uma das múltiplas e cuidadas publicações que António Sopa, figura incontornável da vida intelectual moçambicana, vem produzindo, neste caso ombreando com Bartolomeu Rungo. É um livro já com uma década (2005), editado pelo então Centro de Estudos Brasileiros (que depois se tornou Centro Cultural Brasil-Moçambique, em desnecessário mimetismo, pois a sigla CEB já era da cidade). Tratou-se de uma edição  popular, de preço acessível, um feito que prestigiou a instituição editora.

 

O livro é exactamente aquilo que o título promete: um cuidado roteiro histórico de Maputo. Nisso uma excelente introdução – e também memória. Por isso mesmo cito o seu início, que anuncia o projecto que nele está patente: “Quem chega a Maputo tem grandes dificuldades em reconstituir as origens do povoado. As referências quase que desapareceram e é preciso estar atento para vislumbrar no casario moderno da cidade os elementos arquitectónicos que lhe serviram de génese.” (p. 5).

 

(Texto completo pressionando aqui)

publicado às 15:33

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Texto para a edição de  29.10.2014 do "Canal de Moçambique"

 

Mais escasso ainda é o registo dos chamados livro-objecto, celebratórios e demonstrativos, inexistente mesmo se para além da capital. Seja porque sempre produtos de maiores custos na edição seja também pela pressão intelectual que as gentes da escrita têm, essa de exercer a análise crítica, quantas vezes esquecidos que não há crítica sem paixão, sem nos suspendermos face ao enleio inspirado, abraçado. E que depois, depois do namoro enlevado, se poderá olhar mais analiticamente para as características sociológicas e físicas, para os percursos anteriores e para os desejados.

 

Neste registo de namoro, saudável, convoco a atenção para este livro bilingue (em francês e português) “Voyage au Mozambique. Maputo” [“Viagem a Moçambique. Maputo”, claro], publicado em 2005 em França (editora Garde-Temps). Escrito por Pascal Lettelier, autor francês, sociólogo de formação, autor de textos de viagens em África, argumentista de cinema entre outras actividades, que aqui foi co-adjuvado por Jordanne Bertrand, jornalista que foi correspondente da Radio France Internationale em Moçambique durante quatro anos, e que neste livro foi responsável pelas curtas biografias incluídas. E um alargado leque de fotografias de Luís Basto, ilustrando esta cidade-Maputo festejada no livro.

 

(Texto completo aqui)

publicado às 08:55

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 Texto para a edição de  14.10.2014 do "Canal de Moçambique"

 

 

 

“Espaços e Cidades em Moçambique” de Isabel Castro Henriques.

 

Como já será evidente aos hipotéticos leitores esta “Estante Austral” não se prende com as novidades ou, mesmo, com a actualidade da edição. Trata-se de uma conversa com os livros existentes, um desarrumar até aleatório das estantes dedicadas a temáticas moçambicanas, maneira de recordar (ou  até mesmo dar a conhecer) aquilo ausente dos escaparates dos livreiros ou mesmo esquecido nas estantes mais recônditas das bibliotecas, públicas e pessoais. E se algumas vezes despertar a vontade alheia de vasculhar em busca do aqui referido será já vitória. Maior será esta ainda se produzir alguma reedição.

 

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 Vem o preâmbulo a propósito deste “Espaços e Cidades em Moçambique”, um pequeno e precioso livro editado em 1998, muito provavelmente já esgotado. Trata-se de uma obra da historiadora portuguesa Isabel Castro Henriques, reconhecida especialista sobre a história angolana. Na prática trata-se de um livro suporte, funcionando como catálogo da exposição então produzida pela mesma autora por encomenda da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, mas feito com a perícia que lhe permitiu ficar como obra autónoma, suficiente por si mesma, um mimo à leitura.

 

(Texto completo aqui)

publicado às 00:55

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Estante Austral (8)

“Canal de Moçambique”, edição de 10.10.2014

 

Maputo por via dos livros

 

As abruptas mudanças de Maputo são muitas vezes reduzidas, no discurso público que ascende a mediático (e nisso incluo as redes sociais, pujantes em Moçambique), à realidade da abrupta edificação inúmeros edifícios no centro burguês (a “zona rica”) da cidade, algo que vem acontecendo nos últimos anos, brotado das possibilidades de investimento de alguns estratos da sociedade e também do investimento estrangeiro, em demanda de retorno relativamente garantido, como acontece quase sempre no domínio imobiliário em cidades crescentes. Mas por mais tonitruante que seja este processo de construção o centramento do olhar nesse processo acaba por nos distrair das transformações mais estruturais, importantes, que a cidade atravessa. Algo sinalizado agora, com o avanço da construção da ponte para a Catembe, que intensificará as interacções alimentando um maior “grande Maputo”.

 

É esta pois uma época para ler sobre Maputo. Sobre o processo histórico da construção da cidade há alguma bibliografia (a qual será abordada nesta coluna, assim queiram os leitores que esta continue). Mas sobre as características do Maputo ainda que existam alguns textos, relatórios de investigação bastante informativos e analíticos, não abunda a bibliografia publicada.

 

(texto completo encontra-se aqui).

publicado às 09:41

Há algumas semanas quando Eduardo White morreu escrevi um texto sobre ele (que se calhar deveria ter escrito quando ele em vida), sobre a aventura que foi a edição de um livro por ele organizado "Rostos da Língua. Breve Antologia de Autores de Língua Portuguesa".

 

Escrevi-o com os meus livros já empacotados, encerrados num contentor, tal como o meu computador imóvel, ali esperando uma travessia transoceânica. Ou seja, as imagens e fotos que vim digitalizando. Portanto procurei na internet uma imagem da capa do livro, para encimar o texto, e não a encontrei: o que demonstra bem o menosprezo (para não dizer pior) do Instituto Camões por uma edição sua (ainda que a chancela fosse, então, tripla). Nem lhe digitalizou a capa, nem o terá distribuído de forma a alguém o fazer - e nem vou recordar as microdicências que a este propósito ouvi dos então responsáveis daquela instituição. Adiante, descobri agora a imagem da capa do "Rostos de Língua" num álbum que fiz para o facebook, "livros relacionados com Moçambique", uma coisa mais ou menos insana, maníaca, onde vou juntando centenas de capas de livros que fui lendo ao longo dos anos.

 

Capa para o qual o Eduardo exigiu a presença da pintura do Naguib. Está aí, com o cordão envolvente lacrado, coisa que deu bom trabalho.. Lá dentro páginas A4, soltas, com poemas e excertos de prosa, para serem lidos, distribuídos, trocados, mastigados.

publicado às 10:35

 

 

Estante Austral (7)

“Canal de Moçambique”, edição de 24.9.2014

 

 

“Namacurra”, a I Guerra Mundial em Moçambique na banda desenhada de João Paulo Borges Coelho

 

Em 2003 João Paulo Borges Coelho publicou o seu primeiro romance, “As Duas Sombras do Rio”, cujo impacto logo o firmou como nome maior na literatura moçambicana. Condição que se sedimentou  pela permanente produção que se seguiu na década seguinte (“As Visitas do Dr. Valdez”, “Índicos Indícios I – Setentrião” e “Índicos Indícios II – Meridião”, “Crónica da Rua 513.2”, “Campos de Trânsito”, “Hinyambaan”, “A Cidade dos Espelhos”, “O Olho de Hertzog”, “Rainhas da Noite”). E que desde cedo foi sinalizado através da atribuição do maior prémio literário nacional, o José Craveirinha de Literatura de 2006, então atribuído ao “As Visitas do Dr. Valdez”, e, posteriormente do prémio Leya 2009, em Portugal, dedicado ao “O Olho de Hertzog”.

 

Todo este já longo programa ficcional e o relevo obtido tende, até paradoxalmente, a obscurecer as anteriores incursões do autor na banda desenhada. Algo que se deve também, é isso evidente, às características do contexto editorial moçambicano. Pois as três obras que publicou no início dos anos 1980s (julgo que entre 1980 e 1982, incerteza devida ao facto dos meus exemplares não estarem datados) estão esgotadas há já muitos anos, sendo inclusive quase impossível encontrá-las nos fervilhantes alfarrabistas das ruas de Maputo – isto apesar das tiragens de então terem sido bastante grandes, conta-se que na ordem dos 20 mil exemplares. Nessa já recuada época Borges Coelho publicou “Akapwitchi Akaporo Armas e Escravos” e “No Tempo de Farelahi” (Instituto Nacional  do Livro e do Disco) e ainda  “Namacurra”, este último na revista periódica “Kurika”, e do qual apenas possuo exemplar fotocopiado.

 

(O texto completo está aqui).

publicado às 10:25

 

 

 

Estante Austral (6)

“Canal de Moçambique”, edição de 17.9.2014

 

José Soares Martins, cuja obra de historiador sempre ocorreu sob o pseudónimo José Capela, faleceu este passado domingo (13.9.2014) com 82 anos. Forma-mor de o celebrar é lê-lo, mergulhar na sua importante obra dedicada às relações entre a sociedade portuguesa e as sociedades do actual Moçambique, em particular no século XIX, cuja profunda imbrincação foi desvendando através da sua abordagem pioneira ao longo de quatro décadas de publicações.

 

Capela recusou o ocaso e manteve-se investigador até agora, octogenário. Notáveis estes seus dois recentes livros: “Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos” (Afrontamento, 2012) e “Delfim José de Oliveira, Diário da Viagem da Colónia Militar de Lisboa a Tete, 1859-1860” (Húmus, 2014), uma narrativa cuja publicação prefaciou, anotou e organizou. Sei que entretando reescrevia outro dos seus fundamentais livros, enriquecido por mais documentação pesquisada e novas reflexões. E que outros textos trabalhava, incessantemente.

 

O primeiro dos livros que aqui refiro, “Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos”, é uma inestimável contribuição para a análise, desvendadora, da profunda influência do comércio entre Portugal e o actual Moçambique em XIX nas modalidades de organização política e económica portuguesa, em particular para a sedimentação do regime liberal e suas burguesias metropolitanas, obra portanto em sequência óbvia com as preocupações que o autor sempre erigiu na sua análise. 

 

(O texto completo encontra-se nesta ligação).

publicado às 12:27

Uma breve mensagem anuncia-me a morte, acontecida hoje à noite, de José Soares Martins (o historiador José Capela). Era esperada, dado o recente agravamento da sua condição. Sobre a sua importância na minha vida escrevi há pouco tempo, num momento crucial para mim, este "Como cheguei aqui", apontamento intimista que ele nunca veio a ler. Há algum tempo escrevi, dedicado ao seu trabalho, este breve texto. O qual ele acolheu, e isso muito me satisfez, com uma enorme e exagerada simpatia.

 

Longe dos meus livros, encaixotados num contentor, deixo aqui cópia de capas de alguns dos muitos livros que ele publicou. Pobre nota que intenta recordar um historiador fundamental nas relações entre Portugal e Moçambique. De um diplomata de excepção, em Moçambique conselheiro cultural entre 1977 e 1996. E de um homem insigne.

 

José Soares Martins (José Capela) teria merecido maior atenção por parte de ambas as repúblicas, ainda que tenha sido alvo de justificada atenção. Recordo que há anos, cerca de 1997, foi sondada a Universidade Eduardo Mondlane para que lhe fosse atribuído um honoris causa. Algo que não aconteceu por meras razões políticas, ainda que Soares Martins fosse uma personagem respeitada no país. Mas teria sido então o primeiro honoris causa dado pela UEM e isso inviabilizou o facto - julgo que o primeiro foi alguns anos depois atribuído a Nelson Mandela. Alheio a honrarias, mas historiador credor das leituras que lhe eram devidas, Soares Martins apenas sorriu ao facto. Alguns anos depois, após o desencadear dos doutoramentos em Maputo, talvez alguma coisa pudesse ter sido feita de novo para potenciar o olhar sobre esta obra, a historiográfica e a existencial. Não houve - nem na academia moçambicana nem na diplomacia portuguesa - quem a induzisse.

 

Sei que há dois anos, por iniciativa do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Porto, de novo se levantou essa hipótese, significativa pois mais do que mera honraria, intentando um renovar do interesse pelo trabalho incessante que Soares Martins (Capela) sempre desenvolveu (ainda há poucos meses recebi o seu último livro). Foi então proposta e aceite a atribuição desse grau por parte dessa Universidade. E então, após contacto desencadeado por admiradores da sua obra, também a Universidade Politécnica de Moçambique, decidiu atribuir esse título ao historiador. Mas as difíceis condições de saúde de Capela (Soares Martins) acabaram por impedir a atribuição de ambos os títulos.

 

Há cerca de um mês, em convívio com Luís Carlos Patraquim este, inopinadamente, telefonou-lhe. Falou-lhe e passou-me o telefone. Atendeu, com voz viva e alegre, algo que ainda cresceu mais quando percebeu que estávamos em Maputo, e não em Lisboa como julgara inicialmente. Como se algo dali lhe enviássemos. O Patraquim, que estava mais avançado do que eu, disse-lhe "devo-te tudo". Eu, que estava a seguir, não me fiquei atrás e disse-lhe, mais cerimonioso, "devo-lhe tudo, senhor doutor". Ele riu-se, com aquele riso que ainda lembro. 

 

Agora fico aqui, muito mais sozinho. Obrigado, Luís Carlos Patraquim, por esse teu telefonema, que me permitiu o agradecimento que ainda não explicitara.

 

 

[António Melo, José Capela, Luís Moita, Nuno Teotónio Pereira, "Colonialismo e Lutas de Libertação. 7 Cadernos Sobre a Guerra Colonial", Porto, Afrontamento, 1978 (edição policopiada clandestina em 1971)]

 

 

[José Capela (selecção, prefácio, notas), “Moçambique Pelo Seu Povo”, Porto, Afrontamento, 1971]

 

José Capela, "Escravatura. Conceitos. A Empresa de Saque", Porto, Afrontamento, 1978 (1ª edição 1974)

 

]

José Capela, "A Burguesia Mercantil do Porto e as Colónias (1834-1900), Porto, Afrontamento, 1975

 

José Capela, "As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico da Escravatura, 1810-1842", Porto, Afrontamento, 1979

 

]

José Capela, "O Movimento Operário de Lourenço Marques, 1898-1927", Porto, Afrontamento, 1981

 

 

José Capela e Eduardo Medeiros, "O Tráfico de Escravos Para as Ilhas do Índico, 1720-1902", Maputo, Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, 1987

 

 

Manuel de Vasconcellos e Cirne, "Memoria sobre a Provincia de Moçambique", Maputo, Arquivo Histórico de Moçambique, 1990 (prefácio e notas de José Capela)

José Capela, "A República Militar da Maganja da Costa, 1862-1898", Porto, Afrontamento, 1992

 

]

 

José Capela, "O Escravismo Colonial em Moçambique", Porto, Afrontamento, 1993

 

 

José Capela, "Moçambique na Literatura Historiográfica Portuguesa", Maputo, (separata), 1994

 

]

José Capela, "O Álcool na Colonização do Sul do Save, 1860-1920", Maputo, edição do autor, 1995

 

 

 

José Capela, "Donas, Senhores e Escravos", Porto, Afrontamento, 1996

 

José Capela, “O Tráfico de Escravos nos Portos de Moçambique”, Porto, Afrontamento, 2002

 

 

José Capela (prefácio e notas), “Caldas Xavier. Relatórios dos acontecimentos havidos no prazo Maganja aquém Chire, Moçambique, 1864″, Porto, Húmus, 2011

 

 

publicado às 20:20


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