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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
O meu pai morreu há dois anos. Viveu bem, quero acreditar. Faria hoje 91 anos. Nunca esteve em África. Gostava de ter partilhado com ele um ocaso como este, tão unicamente típico, que o Luís Abelard nos legou. A vida vai desbastando-nos os queridos ...
Esta fotografia do Luís Abelard acompanha-me há anos. Desde que ele a mostrou, então vindo das cheias aqui a sul no início de XXI. É um all-in-one. Serve-me amiúde, demasiadas vezes, para entender o meu caminho. Às vezes, nem tantas, para entender o caminho alheio.
Serve-me agora, claro, para compreender a situação portuguesa, anunciada nos jornais, que ecoam os resultados da última avaliação externa (auditoria?). Uma desgraça: as despesas não baixam, o desemprego cresce, a recessão aumenta, e o final disto é antevisto para as calendas gregas ("mais tempo", diz-se).
O que os outros antes escangalharam não consegue este governo remediar. Está uma cangalhada. Nas sociedades não há a opção "reboot". Só há uma função válida: mudança.
Mas ... como? E com quem?
Esta coisa do rescaldo no fim do ano é um exercício, costumeiro, de arrogância insuportável. Para o fazer arma-se o indivíduo da omnisciência necessária à divindade, daquela que se apropriou do tudo acontecido na última nesga de tempo, aquela à qual os pobres, e humanos, humanos chamam "ano". Na realidade sei lá o que se passou durante o ano, nem mesmo da minha vida - entre o distraído e o obtuso, e ainda para mais encerrado na acédia -, neste pior e maldito dos anos que agora termina, posso fazer o altaneiro resumo e elencar os piores e melhores momentos. Mas, ainda assim, trôpego vaidoso, deixo-me botar o que me fica de 2010:
Sobre os livros ... Na literatura que obra "a do ano"? "O Olho de Hertzog" de João Paulo Borges Coelho, pelo chorudo prémio (Leya) e pela atenção que (finalmente) convocou sobre a já extensa obra do seu autor - e que espero se possa traduzir em ... traduções. E em leituras, deste grande escritor moçambicano. Mas também pelo "projecto" que o livro encerra, o manifesto - LM do início de XX como umbigo do mundo. Fantástico de amor, etnográfico e ideal, pela cidade. Excelente (desperdício) como utopia do país, de desautarcia, pelo desencerramento contrário à década que agora vigora.
Na "oratura" (é um termo que abomino, referindo-se a literatura oral) uma obra de relevo [e aqui tão rara], "Fábulas de Cabo Delgado", recolha sistematizada por Gianfranco Gandolfo (uma das figuras do ano) e retrabalhadas por António Cabrita (idem). Sou muito pouco simpático a este tipo de fixação (e formatação) das narrativas populares mas o trabalho está muito bem conseguido - resultante da sonolência generalizada esta fixação da literatura popular em língua maconde não teve discussão, nem de especialistas nem de jornalistas nem de "proprietários" (diga-se que obras já bem anteriores do género, de Lourenço do Rosário e Luís Filipe Pereira, também não provocaram discussão crítica). Gandolfo esteve ainda (um grande ano para este trabalhador silencioso) na produção do livro e da exposição Matias Ntundo. Gravuras 1982-2010, um dos acontecimentos em livro e em exposição do ano (esta na Fortaleza de Maputo), central no domínio das artes plásticas. António Cabrita (figura crucial no meio cultural actual em Maputo) esteve ainda noutros eventos, dos quais destaco o excelente (apesar da pobre impressão) "Kok Nam. O Homem Por Detrás da Câmara", com sua entrevista e organização. Obra crucial. E que espero seja antecâmara de um verdadeiro álbum sobre a obra do Kok, a quem alguma apressada miopia continua a reduzir a um mestre de reportagem, coisa que efectivamente ele não é. Sendo muito mais.
E o "Com as Mãos", do Luís Abélard. O Luís foi-se embora, cruel e devastadoramente cedo, mas deixou este seu encantado olhar sobre quem com as mãos nos encanta o mundo. Aqui. Inultrapassável livro. Textos dos melhores conhecedores de arte em Moçambique. E fotografias de 24 dos artistas moçambicanos.
No cinema João Ribeiro apresentou um filme, que não vi por razões de saúde. Decerto chegará o momento. Importante entender que a sua possibilidade brotou da inflexão dos financiamentos da União Europeia ao cinema africano. Nos últimos anos os caminhos esconsos (ditos lóbis, até com direito a acordo ortográfico) têm vindo a direccionar estes recursos para o cinema afro-francófono. No penúltimo processo o afro-lusófono foi alvo de vários financiamentos (o que já não aconteceu, dizem-me, neste último concurso), algo possível por razões de pressão política. A ver se tal caminho de financiamento continuará a ser percorrido.
Na imprensa dois factos. A passagem da "Índico", a revista de bordo da LAM, para a direcção de Nelson Saúte. Tendo-se tornado uma excelente revista cultural moçambicana, algo tão necessário e ansiado. E o facto do "País" publicar uma edição de sábado dedicado (quase)exclusivamente à cultura. Com valor flutuante mas muito significante que o jornal tenha feito esta opção.
Personagem do ano? Jorge Dias. Nos últimos anos tem sido o Curador do Museu Nacional de Arte onde constituiu com a sua directora, a excelente Julieta Massingue (pessoa única no exercício institucional), uma belíssima dupla, de sucesso, agitando e fazendo do Museu o sítio menos convencional da actual e convencional cena artística moçambicana. Entenda-se, ao contrário do que é quasi-universal, nestes últimos anos foi a grande instituição que serviu para agitar consciências e práticas artísticas no país. Este ano acolhendo (e produzindo) a Bienal do Muvart (Movimento de Arte Contemporânea em Moçambique), um passo em frente depois do relativo fracasso de há dois anos atrás, e mostrando que há caminhos percorridos (e não só "a percorrer") - ainda que a Bienal tenha sido uma realização passível de críticas, isso só significa a sua relevância. Para além da sua actividade de crítico artístico (do qual este jpt amador tantas vezes discorda) Jorge Dias apresentou ainda Transparências - muito valorizada por um excelente filme de Filipe Branquinho -, uma curiosa articulação entre a instalação programática (o corpo central) e falsa retrospectiva (antigas obras completamente reformuladas), que foi momento alto do ano na cena das artes plásticas. Agora termina o seu trabalho no Museu e segue como director da Escola de Artes Visuais (integrando a grande remodelação dos quadros estatais ligados à cultura). Se isso levanta algumas interrogações sobre que enfoque assumirá o Museu Nacional de Arte por outro deixa antever excitantes passos no ensino das artes aqui. A ver vamos.
Acontecimento do ano? A construção civil em Maputo. Que virá a marcar a paisagem urbana da cidade e a auto-percepção da capital. A minha alma, se existisse, estaria em sangue.
jpt
[Luis Abélard, "Reinata]
Foram hoje entregues os prémios FUNDAC 2010. Como é óbvio o mais relevante é o "Consagração", que foi atribuído à escultora Reinata. O júri, um grupo integrando Elvira Viegas, Funcho (João Costa), Machado da Graça, Ungulani Ba Ka Khosa, apresentou este texto dedicado à premiada (estou obrigado ao seu presidente, Machado da Graça, que facilitou a sua publicação neste ma-schamba).
A atribuição do Prémio FUNDAC “Consagração” a Reinata Sadimba reconhece a notável carreira desta escultora moçambicana, sublinhando o extraordinário merecimento da sua obra. O prémio intenta realçar junto da comunidade nacional as virtudes e as virtualidades do seu projecto artístico. Este que vem constituindo desde há décadas, começado na sua aldeia Nimu, animado com as iniciais experiências na capital nacional na já longínqua década de oitenta, enriquecido com a sua estadia na Tanzânia, e desde então estável mas nunca rotineiro. Pois tem sido um caminho sempre desbravando novas perspectivas, de desafio em desafio, passo a passo, neste seu trajecto de oleira a escultora, da fogueira ao forno. E o qual sendo acarinhado internamente tem também sido reconhecido no estrangeiro, como o demonstram as inúmeras exposições em que a artista tem participado, a título individual ou em manifestações colectivas.
Este prémio pretende alertar para as características próprias da sua arte, que implicam referências transversais à sociedade nacional, e as quais se poderão considerar como exemplares reformulações dos patrimónios plásticos e culturais, sem que esta reclamação possa questionar o carácter de irredutível individualidade do exercício artístico de Reinata Sadimba.
A escultora é receptáculo das tradições culturais do seu contexto originário. Crescida no planalto Mueda, cedo se iniciou no trabalho da olaria. Uma olaria tradicional, de dimensão utilitária ainda. Mas que também comporta importantes dimensões estéticas, expressas nas temáticas geométricas que explicitam simbolicamente valores e concepções culturais cosmológicos. Uma olaria trabalho feminino, correspondendo a uma divisão por género dos encargos representacionais da cultura maconde: os homens esculpindo na madeira os discursos locais sobre o mundo, as mulheres fazendo-o, menos explicitamente, no moldar da argila.
Ascendida à maturidade Reinata inovou o seu trabalho de oleira. Rompeu com os limites utilitários da sua actividade e assim tornando-se demiurga de um novo mundo, figurativo, antroponómico, instável e em riscos de permanente surpresa. Nessa constante vontade de novos passos e novos fornos, carrega consigo o seu passado, traz os picotados geométricos que invocam as formas mas acima de tudo os conteúdos do mundo humano. Traz ainda o ensino tradicional, dos ritos femininos, palco das iniciais figuras da olaria local (shitengamatu) utilizadas nas suas danças finais. Traz, com toda a certeza, as figuras cósmicas, esses shetaniaté mestres do destino, que todo o Moçambique conhece e associa ao discurso maconde. E traz também todo o mundo de figuras, uma fauna reconstruída, um mundo assim capturado para seu deleite e sossego comunitário.
Pois no seu labor, pela sua fervilhante imaginação, assiste-se também á reconstrução do papel do imaginário feminino, à mudança do estatuto desses discursos femininos. O mundo, não apenas a representação do mundo, passa a ser produzido por Reinata. E, depois dela, pelas mulheres oleiras. E, porque não, pelas mulheres. Todas elas. Também elas.
Sim, Reinata representa o mundo. Mas representa-o como ele é e como quer que ele seja, uma mescla feliz, até utópica. Usa para isso a sua matéria-prima, a cultura na qual foi feita crescer. Mas é exactamente essa sua dimensão criativa, essa sua constante reconstrução, criativa, irónica, que apresenta erotismo e tristeza, festa e quotidiano, a fertilidade, o carinho, o mundo doméstico e a constante monstruosidade, é esse caminho sempre inesperável que Reinata anuncia que cumpre o desígnio artístico que aqui se consagra. As virtualidades da reconstrução. Constante. E rebelde. Assim demonstrando, através da sua individualidade, a extrema plasticidade da cultura dita popular. Sempre reinventada.
Reinata oleira maconde, dizem-na como se fosse essa a descrição que a definisse. Escultora do mundo, esculpindo mundos. Fazendo futuros. Pelo seu brilho inscrevendo as mulheres como dele escultoras.
Mas também anunciando a escultura em cerâmica, campo hoje em dia tão pujante nas artes plásticas moçambicanas actuais. Com toda a certeza devido à sua influência. São também esses novos caminhos colectivos rasgados por Reinata, essa sua marca no futuro, que se consagram neste e por este prémio.
Nota: fotografia de Reinata de autoria de Luis Abélard, publicada em "Com as Mãos. 24 Artistas Moçambicanos" (Athena, 2010).
Na próxima quinta-feira, dia 23 de Setembro, o Luís faria 50 anos. Nessa data será apresentado o seu livro "Com as Mãos", retratos de 24 artistas moçambicanos, um projecto que tanto acalentou nestes últimos tempos. O lançamento será duplo, em simultâneo. Em Lisboa na Livraria Babel, sita na Av. António Augusto de Aguiar. E no seu Maputo, às 18.30 h., na Associação Moçambicana de Fotografia. Aí ficará também a exposição fotográfica correspondente ao livro, a qual estará disponível até ao próximo dia 30 (dias úteis: 15 às 20 horas; sáb e dom: 10 às 17 horas).
Na próxima 5ª feira, dia 23 de Setembro, pelas 18:30 horas, vai ocorrer em Lisboa (Livraria Babel em São Sebastião, nº148 da Avenida António Augusto de Aguiar) a cerimónia de lançamento do mais recente trabalho do fotógrafo de Moçambique Luis Abélard, que se chama Com as Mãos - 24 artistas moçambicanos. Será apresentado pelo jornalista e crítico de arte Alexandre Pomar.
[Fotografia de Luís Abelard]
"mas porque é que me ensinaste a clareza da vista / Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara ... Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma / Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha."
jpt (interrompendo)Curso de Fotografia
Noções Básicas:- Luz – O que é, como se utiliza- Rolo/Digital – Sensibilidades e sua importância- Velocidade/Tv – Conceito, aplicações práticas- Abertura/Av – Função, importância e relação com- Profundidade de campo – O que é, para que serve- Trabalho de campoEquipamentos:- Cameras – Tipos, funções e possibilidades.- Objectivas – Tipos, aplicações, limitações, aberrações.- Tripé/monopé – Importância e aplicação prática- Flash – Porquê, como e quando- Fotómetro – Luz incidente e luz reflectida- Trabalho práticoTomada de Vistas:- Tema – Objectivo e função- Composição – Estética e plasticidade.- Enquadramento – Regras gerais, importância- Retrato, Paisagem, Desporto – Como e o que fazer.- Trabalho práticoTrabalhos práticos: - Avaliação do trabalho produzido, discussão e esclarecimento de dúvidasData | Horário | Local |
Sábado – 21 de Nov. | 09:00h – 12:00h | Clube Marítimo de Desportos |
Quarta 25 Nov. | 18:30h – 20:00h | Clube Marítimo de Desportos |
Quinta 26 Nov. | 18:30h – 20:00h | Clube Marítimo de Desportos |
Terça 01 Dez | 18:30h – 20:00h | Clube Marítimo de Desportos |
Quinta 03 Dez | 18:30h – 20:00h | Clube Marítimo de Desportos |
Sábado 05 Dez | 09:00h – 12:00h | Baixa e CMD |
No âmbito da realização da XXª edição da Bienal TDM 09, a sua Comissão organizadora preparou um conjunto de actividades paralelas ao evento de entre as quais ciclos de debate destinados a reflectir e aprofundar o conhecimento e problemática das Artes Plásticas em Moçambique. As sessões decorrerão no Museu Nacional de Arte.
1. Conversa com os artistas premiados Faizal Omar, Domingos Mabongo e Titos Pelembe05-11-09, Quinta-feira, às 18 horas
2. A Fotografia documental e as possibilidades actuais.Oradores: Sérgio Santimano e Luís Abelard11-11-09, Quarta-feira, às 18 horas
3. Bienal TDM 2009: Espaços de Hoje: Desafios e Limites – CuradoriaOradores: Jorge Dias, Gilberto Cossa e José Teixeira12-11-09, Quinta-feira, as 18 horas
jpt
Inauguração no dia 9 de Julho, próxima quarta-feira, às 19.30. Em Lisboa, na Fábrica de Braço de Prata (aos Olivais), com a presença dos seus autores Sérgio Santimano e Luís Abelard: "Ilha de Moçambique a preto e cor". E lá estará durante o mês de Julho.
Uma crítica a "Campo de Trânsito" de João Paulo Borges Coelho, assinada por Teresa Sá Couto. Um livro de que se tem falado bem menos do que esperei.
Sobre a apresentação na Ilha da exposição "A Ilha de Moçambique a Preto e Cor", de Luís Abelard e Sérgio Santimano, no 2+2=5.
Paulo Varela Gomes sobre os Olivais, um texto no Blitz de 1985.