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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Daqui a um mês aqui em Portugal eleições legislativas, depois presidenciais. Muito provavelmente os compatriotas elegerão como primeiro-ministro um comentador televisivo, avatar de José Sócrates, e como presidente da república um outro comentador televisivo, avatar dele próprio. Os compatriotas eleitores vão discutindo, alguns até com ardor e militância. Eu só lamento que este livro não esteja publicado em Portugal - bastaria capa e título para mostrar o futuro em assim o sendo. E talvez esclarecer as tais discussões.
Madam & Eve parece muito localizado, muito sul-africano. Mas é tão, mas tão mesmo, global ...
Sem internet em casa e tendo, entretanto, ido à África do Sul não acompanhei as parangonas portuguesas sobre a morte de Nelson Mandela. Regresso agora e vejo um punhado de ecos. A rasteira política interna, com as acusações ao governo de finais de 1980s (com argumentos não apenas descontextualizados mas também falsificados), uma coisa vergonhosa. Mas também o coro vácuo, tipo água-de-colónia a litro. Pior ainda os que procuram ser inteligentes e conhecedores: o constante Vasco Pulido Valente lá aproveita o assunto para, como sempre, dizer mal de (quase) todos os portugueses, enquanto vai resmungando que nada mudou na África do Sul (a qual, nas suas doutas palavras, "continua dividida entre brancos ricos e pretos pobres"). Outros blogo-opinadores idem. E alguns, mais "cultos", ecoam uma patacoada (mais uma) do (ex?)ícone Zízek (outro para quem nada mudou - até porque os EUA são o motor da história, a história, o motor, dela também o demónio. Sendo dela pó os que o, ao Zizek, aplaudem).
Enfim, nada de novo entre os Açores e a Madeira.
Mais do que motivo suficiente para uma ida a JHB: para a semana acontecerá a festa do vigésimo aniversário de Madam & Eve, a fantástica família que reside no Mail & Guardian. É um universo de crítica radical, obrigatório. Será, por vezes, tão ancorado na realidade sul-africana que se torna imperceptível para quem não a conhece. Nesse caso siga-se para o episódio seguinte, em regime de sôfrega leitura diária. Pois Madam & Eve é tão universal-genial como os seus confrades, Charlie Brown, Mafalda, Calvin & Hobbes.
Quem vai a JHB?
jpt
[Quadro intitulado "The Spear" por Brett Murray]
Não sei quem é Brett Murray e até há meia dúzia de dias nunca tinha ouvido falar dele. Tal como provavelmente 99% dos sul-africanos nunca teriam ouvido falar dele, não tivesse ele feito o que fez. Pintor sul-africano medíocre e didáctico, como já li algures e que aparentemente não tem deixado grande marca nas Artes, catapultou-se como celebridade internacional no dia em que resolveu pintar um quadro (colagem?) com a famosa pose de Lenine, a cabeça de Zuma e um pénis flácido vá-se-lá-saber-de-quem.Jacob Zuma, o presidente sul-africano que passou incólume num processo de corrupção; que inocentou num julgamento de violação de uma seropositiva (filha de camarada morto e sob a protecção dele, Zuma) só porque a intimidação e a coerção social, moral e hierárquica não eram ainda equiparadas à violência física em casos de violação; que, depois de ter sido durante anos presidente da comissão de combate de luta contra a SIDA, afirmou publicamente não ter medo de ficar seropositivo, pois teria tomado um duche depois de violar a protegida; que não se envergonhou nem humilhou com a chacota internacional de que foi alvo na altura; que não se envergonhou nem humilhou isto ...
[Cartoon de Zapiro]
... nem com isto ...
[Cartoon de Zapiro]
... que não se envergonha nem se humilha com a sua incapacidade para abordar os imensos problemas sociais e de saúde do país que preside, sentiu-se finalmente humilhado com um pénis flácido pintado por um pintor (quase) desconhecido. Aleluia! Isto sim que é saber estabelecer prioridades.Eu, se fosse Brett Murray, estaria agora a dar pulos de contente com tanta publicidade grátis, por tão rapidamente e com tão pouco esforço ver a minha obra projectada internacionalmente e debatida nos principais meios de comunicação. Se fosse do ANC estaria a esfregar as mãos de contente – enquanto se agita a opinião pública não se pensa no que não se resolve. Se fosse Zuma estaria feliz com a solidariedade bacoca que em minha volta se gerou (ah grande Chefe!) e pela onda de apoio a um maior controle da liberdade de expressão (que belo oximoro!). Sendo eu mais bolos, tenho-me divertido à brava com os hilariantes cartoons da Madam & Eve sobre o assunto.
Perante tanta indignação presidencial subsiste-me no entanto uma dúvida: mas afinal “aquilo” é mesmo o dele?
Já agora, podem ler coisas inteligentes sobre o caso aqui e aqui.
AL
Há para aí uns dois anos que não ia a Mbombela. Ou, por outras palavras, acho que não ia lá desde que se chamava Nelspruit (bem, por um lado ainda lhe chamam assim; e, por outro, algo de errado se passa quando nas sete primeiras páginas do Google imagens sobre Mbombela só aparecem fotos do estádio de futebol). Ainda assim, chame-se aquilo como se chamar, tamanha ausência minha foi uma excentricidade para um pequeno-burguês (aka, indivíduo de classe média) de Maputo.
Que tenho eu a dizer, depois desta estadia na pujante capital da província do Mpumalanga. Que ecos e sinais das mudanças do país de Zuma, que arrepios com Malema? Um breve ensaio, para consulta alheia:
a) o Riverside mall (diz-se shopping centre em português) está em obras de acrescento; b) a Exclusive Books do referido mall (diz-se shopping centre em português) está cada vez pior, para não dizer que está uma boa merda. E como era uma boa livraria nos finais de 1990s ... c) há um novo mall (diz-se shopping centre em português) no centro da cidade. Mas não tem livrarias, ao que me disseram. Nem cinema. No cinema do Riverside mall (diz-se shopping centre em português) estavam oito filmes, teria dado para ver ... os Schtrumpfs;
Quanto ao verdadeiramente significante
d) desde o Twilight of the Vuvuzelas que não foi editado nenhum livro de Madam & Eve - calma, está um na forja, diz a página oficial.
Finalmente, uma questão fundamental que me ocorreu durante esta viagem: em guiando um carro automático como é que o seguro nas curvas não reduzindo a velocidade? (ou seja, como é que substituo a acção de reduzir [5ª para 4ª para 3ª] mantendo a aceleração?). Se algum dos passantes por aqui me informar muito agradecerei.
Quanto ao resto, Malema e isso? Nada a dizer.
jpt
Madam & Eve será menos universal do que Calvin & Hobbes ou Mafalda, talvez exija um pouco de conhecimento sobre a África do Sul. Mas isso em nada implica ser menos genial. Há mais de dez anos que Madam, Eve e Mom (auto)ridicularizam preconceitos e caminhos. Espelho hilariante e implacável de uma África do Sul pós-apartheid que afinal é o mundo. Aqui fica a ligação para a tira diária da criação de S. Francis, H. Dugmore e Rico. Leitura obrigatória. Mas menos (muito menos) obrigatória do que deliciosa. Quem não conheça aceite o conselho, visite. E acabará a encomendar os livros (David Philip Publishers).
PS. Já agora, Madam & Eve é o ex-libris do Mail & Guardian. Semanário sul-africano exemplar. Uma esquerda clarividente, uma esquerda do sul, com os punhos metidos nas feridas, por demais preocupado com hipotéticos caminhos para as sarar, em caminhos nunca lineares portanto, e jamais folclóricos. E implacável para os desvios dos seus próprios líderes, afinal eles próprios (como em todo o mundo) os grandes adversários daquele algo melhor que todos (ou quase) precisam.