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Non, ou a vã glória de mandar

por jpt, em 20.05.14

 

 

Agora mesmo no TVC2 apanho, de início, o já velho "Non ou a vã glória de mandar". Vejo um bocado: a então aclamada visão do realizador sobre a história do país, etc etc. Ok, cada um (espectador) como cada qual, a cada um a sua imagem do que é cinema, a cada um a sua relação com o "realismo" cinematográfico, e de quantas gramas dele necessita.

 

Retenho a conversa inicial (em baixo o filme, bastará ver os primeiros parcos minutos). Enquanto atrás passa um filme do "mato" africano, a paisagem, um conjunto de soldados portugueses fala como se percorrendo as picadas da guerra - a recusa do realismo é explícita, anunciada. Legítima. E apreciável, por quem o queira(mos). A questão é mesmo a conversa. Uma verborreia, absurda sobre a guerra de então. Não se trata de ser irreal a conversa, trata-se de ser absurda. Alguém a escreveu (um dueto em que Oliveira participou). Um quarto de século depois é pungente ouvi-la, ouvir os "actores", bonecos marionetas ali a ecoar uma "tese" muito bem compostinha, apresentada em fascículos, "falas" de diversas vozes mas mesma cabeça.

 

Deixo correr um pouco mais do filme, enquanto o jantar aquece. Chego até à pira funerária de Viriato. No seu topo, pronto a arder, está um explícito, até afixado, boneco a fazer de cadáver. A recusa do realismo, mais uma vez, como se esta tivesse que ser graffitada neste tipo de detalhes. Irrita-me. Não pelo boneco em si, mas porque tudo nesta aula com tese é assim, todos bonecos, o cineasta como bonecreiro, como se a espantar a aldeia, como se esta recôndita no atrás dos montes, entre os vales.

 

E lembro-me da gente, que quando lê literatura, se afronta com não personagens espantalhos. E que, quando lê ciências, se afronta com as "teses" compostinhas de princípio-meio-e-fim. E que, quando vê cinema (ou Oliveira), quando viu este "Non" que tão afamado ficou, se verga ao peso do "sagrado" autoral. E não lhe exige o que resmunga nos outros modos de expressão.

 

Depois sorrio, lembro-me da minha felicidade infantil quando os robertos chegavam à praia de São Martinho do Porto. Levanto-me e vou buscar o jantar. Mudamos de canal. 

 

 

publicado às 20:58


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