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Curandeirismo em Moçambique

por jpt, em 31.03.14

 

 

Venda em farmácia de artefactos ligados ao curandeirismo. Importado, pelos vistos nem sempre da Tanzânia ou arredores. 

publicado às 10:19

reintegracao-social-dos-espiritos-21

[Província de Maputo, 2005]

Uma fotografia a convocar bem mais do que um simples post(al).

publicado às 02:15

Cartas de Guerra, de Lobo Antunes

por jpt, em 18.10.08

capa-lobo-antunes-cartas.jpg

Já antiga prenda de bela amiga só agora leio "D'este viver aqui neste papel descripto", as cartas de guerra de António Lobo Antunes à sua mulher Maria José (D. Quixote, 2005).

Livro especial, na altura da sua edição nos jornais muito se louvou a escrita de Lobo Antunes, a transcrição da intensidade do seu amor, o seu sentir da guerra. Ora o que leio (vou a meio do livro) é algo diverso. Se Lobo Antunes é um escritor extraordinário não é o nestas cartas - nem tinha que o ser, são cartas para a sua mulher, nunca pensadas como objecto literário. E se muito amava a sua mulher (a qual surge como de uma Beleza perturbante) não seria isso relativamente generalizado nos seus camaradas de armas? Amará mais um escritor do que um amanuense? E não serão a guerra e a sua solidão extrema dinamizadores do sentimento do amor? Ele escreveu esse amor e outros não, a diferença. Que justifica juntarmo-nos à volta destas palavras, não precisando para isso de outros sublinhados.

Nessas cartas surpreendem duas coisas: por um lado a narrativa da guerra, nada (aparentemente) escondido, um nunca capear os perigos e os medos - um pacto entre o casal? Mas acima de tudo surpreende o homem, a ingenuidade que transparece nos seus 28 anos, até a estreiteza do interesse sobre o que o rodeia, homem do seu espaço e do seu tempo, um tempo onde se podia escrever "as hóstias sabem a papel almaço". É isso que espanta pois, por mais céptico que se vá ficando, ao ler um Escritor como este, imenso, imagina-se o homem como quasi-omnisciente, homem imenso também, uma inata apreensão do circundante. Mas não, mero homem que amadurece(rá). Esse, para mim, o interesse do livro. Extremo.

Tudo se poderá resumir assim. O médico militar vai a uma povoação (7.3.71, pp. 80-82) e "Hoje, domingo, passei a manhã numa cerimónia curiosa, a assistir à esconjuração de uma doente, para que a doença saísse de dentro dela. Como sou uma personagem de marca sentaram-me na única cadeira existente, dando a direita ao soba. Depois 3 homens tocavam tambor, a doente foi sentada numa esteira, e a malta dançava e cantava em volta uma melopeia estranhíssima. Estava um calor como não me lembro de ter sentido na minha vida, não havia uma única nuvem no céu e tudo brilhava e reluzia. Assisti à cerimónia por acaso, porque andava à procura de cachimbos e pentes. Aquelas coisas de madeira em que se faz o pirão, uma espécie de almofariz assim, mais ou menos trabalhado, ficava estupendo em nossa casa como cesto de papéis ou outra coisa qualquer. Há-os muito bonitos, mas são bastante pesados. Estou a pensar mandar fazer um baú para levar os objectos que por aqui vou juntando, e que nunca vi em parte nenhuma em Lisboa. Os bibelots ficam por minha conta. A fim de escolher só coisas que valem realmente a pena tenho passado o meu tempo livre a esquadrinhar os quimbos. Hoje, por exemplo, vi um cachimbo giríssimo mas não mo quiseram vender, apesar de eu oferecer a exorbitante quantia de 10$00. Tenho a impressão de que a tia Hiette, por exemplo, perderia a cabeça por estas paragens. Espero que não te horrorizes quando me vires chegar cheio de coisas para as quais, talvez, pelo número, não tenhamos lugar em casa. Vamos a ver se levo algumas em Outubro, quando aí for. E o mais incrível é que no meio disto tudo ainda só gastei 20$00!"

Não é crítica minha. É até comovente ver um (ainda) jovem recém-casado a escrever à mulher grávida, as minudências da decoração do lar, uma verdadeira bricolage para manter o registo de casal (quotidiano, como as cartas o tendem a ser). Mas ao mesmo tempo ao ler isto espanto-me, o Lobo Antunes, futuro médico psiquiatra (ainda que não lhe fosse a vocação, há-de resmungar durante anos) passa, forçado e distraidamente por uma exorcização, e segue descrevendo com minúcia o bric-a-brac? Coisas desse tempo, ileituras desinteressadas desse tempo, o hiato entre-homens de séculos, de então. E se até o Lobo Antunes assim pairava, como seriam, como seguiriam todos os outros?

Depois, enquanto vou passando as páginas e decido voltar atrás para sublinhar, percebo que o tempo não passa. Não andam hoje esses profissionais produtores de exótico às voltas, maravilhados, com as "medicinas tradicionais", não são eles os nativistas do "conhecimento autóctone" os distraídos consumidores deste bric-a-brac d'agora? Completamente. E com o (gigantesco) senão de não serem Lobo Antunes ...

publicado às 13:26

Marias Deste Nosso Mundo

por jpt, em 19.08.08

capamarias.jpg

"Marias Deste Nosso Mundo" (Ndjira, 2006), de Maria Helena Massena Ferreira. Médica pediatra do Hospital Central, professora universitária (presumo que jubilada), de ascendência portuguesa e em Moçambique desde os anos 50, quando aportou já mãe à então colónia. Na nota biográfica descrevendo-se como de um núcleo familiar oposicionista ("Democratas de Moçambique"?, não está explícito).

 

Sem objectivos literários, em parte memorialista, o livro consta de 5 pequenas histórias (e um poema), das muitas que a médica terá para recordar. Esse o seu interesse, o eco da permanência das "doenças da fome" - tantas vezes esquecida quando no seu avatar subnutrição -, elas descritas bem como a sua constância no mundo infantil. E a memória dos efeitos desestruturadores das redes familiares que a guerra teve, de como potenciou não só as doenças como a incapacidade dos núcleos familiares se reproduzirem.

 

É um texto sobre mulheres, e sobre a sua fragilidade estrutural (Marido sem amor / Maria humilhada / O desgaste de sofrer) [p. 54], mães e avós tentando fazer medrar as suas crianças. E do esforço da médica, uma postura iluminista, tanto no olhar sobre práticas e concepções outras, tão presentes no sul e centro - os diagnósticos por imputação de feitiço, as madrastas "madrastas", símbolo da desestruturação das parentelas, os cuidados maternais em linha matrilinear chocando com a lógica patrilinear, etc. - que tanto penalizam as mulheres e sua prole.

 

Interessante ainda, exemplo geracional, a memória grata sobre os anos 80, o "tempo do carapau e do repolho" como aqui se diz. Ainda que aflorando de modo breve lá está o elogio dos mecanismos colectivos de gestão e a, ainda hoje algo surpreendida, descoberta do tradicionalismo afinal não tão-revolucionário - pelo menos em questões cosmológicas e de género - dos grupos dinamizadores, formas de base da administração pública de então.

 

Na sua linearidade retórica um testemunho interessantíssimo. Sobre a saúde infantil, sobre o mundo das relações de género. Mas também sobre o processo de constituição do Estado-nação.

publicado às 17:27

Especialização profissional

por jpt, em 08.02.07
Especialização Profissional:
 

(Curandeiro Mbepo, Zambézia, a 100 Kms de Caia)

(Curandeiro Massingue, Chidenguele)

publicado às 12:28

Especialização profissional

por jpt, em 08.02.07
Especialização Profissional:
 

(Curandeiro Mbepo, Zambézia, a 100 Kms de Caia)

(Curandeiro Massingue, Chidenguele)

publicado às 12:28

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[Nos dísticos, aqui quase ilegíveis devido à necessária redução da fotografia para seu acerto com o "template" do blog, propõe-se "Reintegração social dos espíritos"; "Purificação e cura de pessoas, espíritos e da terra"]

(cerimónia ocorrida em Maluana)

publicado às 16:23

Sangomas

por jpt, em 12.09.04
De crucial importância a legislação da semana passada na África do Sul (The Traditional Health Practitioners Bill), o reconhecimento oficial como profissionais de saúde dos "sangoma", os curandeiros tradicionais sul-africanos .
O reconhecimento legal do "curandeirismo", de modo muito grosseiro definível como mescla da religião de ancestrais com ervanária, e a constituição de concelhos de controle e legitimação (atribuição de "licenças profissionais") da sua prática, é um passo fundamental. Porque quebra os preconceitos dominantes da "biomedicina" desvalorizadores das práticas médicas assumidas pela maioria da população, assim permitindo (incrementando? - não o posso afirmar de modo absoluto, não conheço a realidade sul-africana em detalhe) a sua integração na saúde pública.

E porque cria mecanismos auto-controladores do charlatanismo e, esperemos, de divulgação dos seus limites - veja-se a proibição da "cura" de doenças mortais como sida e cancro.

É um passo esclarecido.

Quanto à medicina tradicional refiro algo que considero fundamental. Com a praga da Sida ela surge como um poderoso, e quantas vezes único, produtor de esperança para doentes e seus familiares.

É uma situação limite. Pois por um lado é necessário combater a crença das possibilidades dos médicos tradicionais curarem a Sida, a cuja afasta doentes da medicina oficial e possibilita a disseminação da doença.

Mas por outro, dada a impossibilidade de cura e a desprotecção da população face à fragilidade dos serviços públicos e à renitência em praticar o sexo protegido, a medicina tradicional surge como único produtor desse recurso social fundamental: esperança.

A ver como corre esta integração na África do Sul.

Em Moçambique há longo tempo que estes passos, esclarecidos, foram realizados, com a oficialização dos curandeiros e a criação da sua associação regulamentadora, a AMETRAMO.

publicado às 22:32


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