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On Medina Carreira

por jpt, em 27.09.11

Rui Curado Silva publica aqui um decisivo texto sobre o populismo de Medina Carreira, esse esparvoado e malcriado vate que o declínio português, induzido, içou a líder de opinião. O problema não é apenas o eco, inculto, que este "populismo rasca" (como, acertadamente, o denomina RCS) obtém. O problema fundamental reside nas condições que permitiram a este discurso "obscurantista" (um termo de que eu cada vez mais gosto) surgir como iluminado. O estrume desta tralha, por assim dizer. Complexo, múltiplo, mas nomeável.

jpt

publicado às 18:31

publicado às 04:06

Pensar um país (ex. Portugal)

por jpt, em 06.02.05
O texto [abaixo transcrito] de Medina Carreira, ao qual chego alguns dias atrasado e apenas via Aviz, é um exemplo (terrível?!) de como pensar um país.

É terrível pelo diagnóstico que apresenta - e também por isso o guardo aqui, para minha futura consulta, até numa próxima era pós-blogs. E para hipotético exemplo comparativo ao olhar outros países.

Mas é também terrível pelo abismo que o separa dos discursos do (próximo) poder português (seja um ou outro, ainda que as dúvidas sejam hoje meramente académicas) espelhando a sua demagogia e a sua malvadez (porquê chamar mediocridade ao seu superlativo?).

E já agora, mesmo sabendo da leveza que este hóbi bloguista implica, também torna os discursos in-blog politicamente mais alinhados muito risíveis. Tristemente risíveis.

Lendo Medina Carreira impõe-se a questão. Não digo a colectiva, feita eunuca no mundo patrimonial, mas sim a questão individual: que fazer?, é ela, e nada leninista.

Pois cada vez mais me parece que se exige o cruel reviver do "navegar é preciso" e cantá-lo ao som dos vangelis, irans costa e quejandos. E, assim, emigrar...

A Verdade Não Mora AquiPor MEDINA CARREIRAPúblicoTerça-feira, 01 de Fevereiro de 2005

"Cada vez mais vejo gente que sabe quem não quer, mas não sabe quem quer. Ou antes, não quer nenhum."

(António Barreto, PÚBLICO, 23.01.05)

1. Teremos em breve eleições legislativas. As terceiras desde 1999. E é improvável que, em Fevereiro de 2005, se encontre uma solução política adequada para enfrentar a nossa gravíssima crise. O Estado é inoperante, insustentavelmente sobredimensionado, está em crescente desqualificação e perdeu poderes decisivos de intervenção económica (monetário, cambial, alfandegário e orçamental). A economia fragilizou-se no último quarto de século, só reagindo, ocasionalmente, com o impulso de ocorrências externas, muito favoráveis. O peso da despesa pública levará, em poucos anos, ao colapso financeiro do Estado, com pesadas consequências para todos mas, em especial, para mais de 4,5 milhões de indivíduos dele directamente dependentes(1). Ninguém, revelou, na política activa actual, discernimento, aptidão e credibilidade para tranquilizar o País e vencer uma tal crise. Com o "anonimato" dos candidatos a deputados, generalizou-se a promoção do demérito; os principais partidos políticos são hoje a melhor e a mais procurada agência de empregos para uma certa "mão-de-obra"; a ilimitação dos mandatos favorece a inércia e a rotina; o exclusivo partidário da apresentação de candidaturas visa a obediência e a hipocrisia política (2); a opacidade do financiamento dos partidos estimula a corrupção. O sistema semi-presidencial que vigora mostra-se inconsequente: o Presidente da República medita, reúne, exorta, insiste e é muito aplaudido, mas nada acontece. Os governos são escolhidos a partir de programas eleitorais irrealistas e demagógicos; enfraquecidos pelo inevitável incumprimento das promessas, são diariamente fustigados, julgados e condenados no primeiro acto eleitoral que aconteça. O Parlamento, com gente a mais e que nada representa, é palavroso e inconsistente, e vai degradando a imagem da democracia. Os problemas do País acumulam-se e agravam-se, e o tempo útil das soluções está a esgotar-se. Nos anos 20 e 30 do século passado, na Europa, este tipo de democracia atraía os ditadores. No início do século XXI, mantém o atraso e conduz à pobreza.

2. Só uma mirífica e muito rápida aceleração do crescimento económico poderia evitar-nos o tombo que já está à vista. Porém, a nossa capacidade competitiva não melhora; os "motores" da Europa não arrancam; do alargamento e das deslocalizações virá mais desemprego; o preço do petróleo será alto; os juros subirão, mais mês, menos mês; o câmbio euro/dólar aumenta com os défices dos Estados Unidos; a China está aí à porta, pronta a entrar livremente, com consequências preocupantes; o investimento estrangeiro não encontra aqui factores suficientes de atracção. Por isso, e por agora, nada prenuncia o fim da estagnação. De resto, a análise do nosso comportamento económico, pelo menos desde 1980, revela uma desoladora incapacidade: com excepção de dois períodos muito favoráveis (num total de dez anos), a taxa média de crescimento anual e real quedou-se pelos 0,6 por cento (3). Nos anos 80, valeu-nos sobretudo o preço do crude que desceu fortemente; nos anos 90, foi a entrada para o euro e a consequente baixa dos juros, que expandiu e generalizou o endividamento dos agentes económicos, e fez "explodir" a procura interna. O que vale, afinal, a economia portuguesa, sem "choques" externos positivos?

3. Dispersos na nossa sociedade, temos 4,5 milhões de indivíduos que integram uma espécie de "Partido do Estado". Têm em comum a dependência directa do Orçamento e representavam, em 2003: 43 por cento da população residente; 56 por cento do eleitorado; 62 por cento da população com mais de 24 anos de idade. Pensionistas e subsidiados (mais de 3,8 milhões), equivaliam a 70 por cento da população activa. Este "Partido do Estado" absorvia 70 por cento dos impostos cobrados (1980); atinge agora os 85 por cento (2003). O pessoal político dos principais partidos "invade" progressivamente o Estado e pretende mais funcionários, mais pensionistas, mais subsídios e mais subsidiados, porque aí pode angariar mais votos. Os que ainda estão fora do "Partido do Estado" constituem uma minoria cada vez mais desiludida, reduzida e silenciada, e menos influente. Adormecido e enganado, Portugal trilha o caminho para o desastre financeiro do Estado e para uma pobreza mais generalizada dos portugueses. Ninguém nos acode.

4. Os resultados das políticas orçamentais de 2002 e de 2003, da ministra Ferreira Leite, já estão estimados (A economia portuguesa, Junho de 2004-MF/DGEP): entre 2000 e 2003, o peso no produto das despesas com o "pessoal", com o "consumo intermédio" e com os "juros", diminuiu globalmente um ponto percentual.(4); e aumentou nas "prestações sociais", nos "subsídios" às empresas e em "outras despesas correntes", no equivalente a 3,5 pontos percentuais.(5). As "prestações sociais" subiram ao ritmo anual médio e real de 7,5 por cento. Globalmente, "pessoal" e "social", absorviam 79 por cento dos impostos cobrados (2000), 85 em 2003. Os números "falam" por Manuela Ferreira Leite, que só não conteve o que não era possível. Anuncia-se o inevitável ocaso do Estado-providência. A crise que atravessamos é, sem dúvida, a mais difícil e virá a ser a mais longa desde há muitas décadas: é a primeira que só venceremos com autênticas e impopulares reformas estruturais, para cuja realização nos temos mostrado incapazes; encontra-nos impreparados para suportar os "choques" externos desfavoráveis, mais sensíveis nas economias abertas e frágeis, e o "envelhecimento demográfico"; o Estado, na Zona Euro, perdeu os instrumentos de intervenção económica e, o que poderia restar-nos - a política orçamental -, está "bloqueado" pelos desatinos financeiros dos anos 90. Desde há muito que não enfrentávamos exigências e condicionantes tão fortes.

5. Perante tudo isto, as evasivas nada resolverão. Não basta afirmar que a "democracia" tem sempre soluções alternativas; hoje não vislumbramos nenhuma à altura da crise. Não é suficiente a detenção de uma "maioria absoluta", se não for acompanhada de capacidade para executar um programa realista e impopular. A proclamação de "objectivos" ambiciosos, mas inviáveis, não conquista eleitorados, gasto como se encontra o método, com trinta anos de uso imoderado. As mensagens de "optimismo" não bem fundado criam suspeitas sérias de incompetência ou são simples embustes. O enunciado das soluções de longo prazo - mesmo quando bem intencionadas, adequadas e realizáveis - nada adianta se os governos, ao cabo de um ou dois anos, estão "destruídos"; nunca se chega a promover o longo prazo, porque se capitula no curto prazo. Quatro governos em cinco anos não deixam ilusões. Sem "verdade", são bem prováveis mais legislaturas incompletas.

6. A avaliação do mérito das propostas eleitorais dos partidos que poderão formar Governo pressuporia a apresentação pelos mesmos, bem antes das eleições, de uma caracterização rigorosa e quantificada da nossa situação económica e financeira e da sua previsível evolução nos próximos cinco e dez anos. E ainda a resposta, nomeadamente, às seguintes questões:

1.º) Que medidas propõem para conferir mais eficácia ao sistema político, para aperfeiçoar o sistema eleitoral, limitar os mandatos, incompatibilizar funções, modificar o regime imoral das reformas do pessoal político, reduzir o número de deputados, remunerar adequadamente os governantes e um número indispensável de deputados competentes, e financiar os partidos?

2.º) Como projectam promover uma maior qualificação dos estudantes e dos trabalhadores, pela via da exigência, do rigor e da disciplina, e não pela estafada expansão dos gastos para contentar as "corporações"? (6)

3.º) Como, no imediato e no médio prazo, estimularão o crescimento económico, considerando que se fosse pela forte aceleração da "procura interna", ela só se sustentaria à custa de volumosos financiamentos externos?

4.º) Como prevêem a criação maciça de emprego, fora do Estado, e como financiarão as medidas necessárias para o efeito?

5.º) Em que sectores ou rubricas promoverão a baixa do peso no produto das "despesas públicas correntes", considerando a evolução acelerada das "prestações sociais"?

6.º) Que efeitos financeiros globais aguardam com as reformas dos funcionários, que passarão a receber como aposentados, entrando como seus substitutos outros que receberão como funcionários?

7.º) Que medidas irão adoptar, e em que prazo, para que o peso dos gastos com o "pessoal público" diminua de 15 por cento para 11 por cento do PIB (média da UE/15)? (7)

8.º) Como se propõem assegurar o financiamento futuro das "prestações sociais" - o Estado-providência -, que aumentaram de 14 para 17 por cento do PIB entre 2000 e 2003 e cujo acréscimo absorveu, só por si, 90 por cento do aumento verificado das arrecadações fiscais? (8)

9.º) Quais os valores admitidos para os aumentos salariais, os das pensões e os dos subsídios (mais 10 euros por cada indivíduo e por mês, equivalem a um total de 630 milhões de euros anuais, isto é, a 0,5 por cento do PIB em 2005)? (9)

10.º) Qual o limite máximo admitido para o défice público (8 por cento, 10 por cento, 12 por cento), tendo em conta que, sem receitas extraordinárias, ele já se situa à volta dos 5 por cento do PIB?

11.º) Aceitando, assim, maiores défices haverá uma aceleração do peso do endividamento público e dos seus custos financeiros futuros: como conciliar isto com o aumento dos encargos decorrentes do "envelhecimento demográfico"?

12.º) Que conjunto de medidas legislativas, administrativas e judiciais, propõem para uma eficaz acção contra a evasão e a fraude fiscais?

7. É cada vez maior o número de portugueses que não acredita na generalidade dos políticos, nem na capacidade das instituições vigentes, nem nas promessas que lhes são feitas, nem no futuro do País. O próximo acto eleitoral de 20 de Fevereiro teria sido uma boa oportunidade para dizer toda a "verdade" e justificar todas as "exigências". Porque, durante alguns anos, não se sabe quantos, teremos mais esforço que laxismo, mais contribuições que benesses, mais deveres que direitos e mais dúvidas que certezas. Terá de reconstruir-se tudo a partir de quase nada. Entretanto, muitos terão pago um preço imerecido.

Notas:

(1). Cerca de 730 000 funcionários públicos; 2 591 000 pensionistas da Segurança Social; 477 000 reformados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações; 307 000 beneficiários do subsídio de desemprego; 351 000 beneficiários do RMI. Com os familiares próximos poderão ser uns 6 milhões de indivíduos, numa população de 10 milhões.

(2). "Os bons não querem ir para lá, e os maus querem porque aquilo é um emprego fácil". "As direcções partidárias gostam de deputados amigos ou gente que não chateie" (Vicente Jorge Silva, Grande Reportagem, 22.01.05). Já pressentíamos o que agora é confirmado por quem saiu há semanas da Assembleia.

(3). Entre 1985 e 1991, taxa anual de 5,5 por cento; entre 1995 e 2000, taxa de 3,8 por cento. Nos restantes catorze anos, à taxa anual de 0,6 por cento.

(4). Consumo intermédio: -0,6 pp.; juros: -0,3 pp.; pessoal: -0,1 pp.

(5). Prestações sociais: +3,0 pp.; subsídios às empresas: +0,4 pp.; outras despesas correntes: +0,1 pp. O subsídio de desemprego contribuiu com +0,5 pp (2000 a 2003).

(6). Em 2002 só na Turquia e no México as percentagens da população com o 2º ciclo eram mais baixas do que em Portugal (OCDE - Regards sur l'éducation, 2004); entre os adultos, só no México os indicadores são mais desfavoráveis que os nossos.

(7). Com um crescimento económico à taxa média anual de 2,2 por cento (1990-2003), a diminuição dos custos com o "pessoal" para 13 por cento do PIB (2008) e 11 por cento (2012) e o aumento das "prestações sociais" à taxa anual de 7,5 por cento (2000-2003), as "despesas correntes primárias" atingiriam os 43 por cento (2008) e os 47 por cento do PIB (2012), níveis insusceptíveis de financiamento fiscal. Neste quadro hipotético, a estabilização das "despesas correntes primárias" ao nível dos 40 por cento pressuporia uma década de crescimento económico à taxa média de 4 por cento.

(8). As arrecadações fiscais cresceram 6,8 mil milhões de euros e as "prestações sociais" 6,1 mil milhões.

(9). Valor correspondente a 4 500 000 x 10 x 14 = 630 000 000.

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