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No final de XX Alfredo Margarido escreveu:

 

"Hoje, uma fracção substancial dos teóricos da "portugalidade", fazem da língua o agente mais eficaz da unidade dos homens e dos territórios que foram marcados pela presença portuguesa. Não tendo havido uma grande reflexão anti-colonialista antes das independências, registou-se a necessidade urgente de organizar uma ideologia explicativa: os portugueses foram obrigados a renunciar à dominação política e económica, mas procuraram assegurar o controle da língua.


O drama ... provocado pelo acordo ortográfico ..., deriva dessa inquietação: se a língua não for capaz de assegurar a perenidade da dominação colonial, os portugueses ficarão mais pequenos. A exarcebação da "lusofonia" assente nesse estrume teórico ..."

 

Diante da crise que avassala o meu país, um dia aqui botei: "Desabrigada no pós-1974 a sociedade portuguesa não desenvolveu a economia nacional, agora num contexto concorrencial, e abrigou-se sob o Estado, redistribuidor das benesses europeias (a “cooperação”, como se diz em África). Nesse processo a velha socioeconomia colonial tornou-se uma socioeconomia estatizada, via Estado central e via municípios (e escapámos à “regionalização”). As denúncias moralistas contra o “clientelismo”, o “caciquismo”, o “patrimonialismo” (“os jobs for the boys”) esquecem o acordo social que assentou nisto. Tal como há décadas atrás os teóricos marxistas falavam em “burguesias compradoras” improdutivas no Terceiro Mundo, assistimos ao crescimento de uma “sociedade compradora”, de bens e serviços. E o “FEDERismo” tornou-se o projecto português, não tanto o “federalismo” europeu.No fundo, de forma perversa e até contraditória, Portugal vive agora a efectiva descolonização, ou melhor, vive o processo de acolonização. O proteccionismo colonial morreu e o seu avatar proteccionismo estatal, que protegeu a sociedade após 1975 do embate externo, está moribundo. Há pois uma monumental incongruência (que não é apenas da discussão entre dívida pública e privada) na sociedade, entre o projecto produtivo e a auto-concepção de cidadania."

 

Vem isto a propósito da visita de ontem de Angela Merkel a Portugal. À noite ouvi, de raspão, o noticiário da SIC onde Miguel Sousa Tavares comentava essa visita. Tem mais de vinte de anos como figura fundamental da informação televisiva. Escritor afamado, de grande sucesso, gostado. Jornalista, director de publicações. Cronista, viajante, na imagem de cosmopolita. Homem ouvido, seguido. Filho de Francisco Sousa Tavares grande jornalista, advogado e político, entre tanta coisa também o homem que discursou no Largo do Carmo, voz do parto da democracia. Filho da enorme Sophia de Mello Breyner. Sobrinho do grande Ruben A. Casado com Teresa Caeiro, antiga governante, inclusivamente secretária de estado das Artes e Espectáculos (como se "Cultura"). Ponho aqui os laços familiares não por indiscrição, que são públicos e muito honrosos, muito mesmo. Mas porque sublinham o seu capital cultural, e social, a sua legítima pertença à elite cultural portuguesa, na qual não é arrivista. E na qual a sua biografia profissional o sedimenta. Com  isto tudo é pacífico  considerá-lo uma voz do olhar português sobre o mundo.

 

Irado, insurge-se Sousa Tavares que a tradução das palavras da governante alemã tenha sido em "brasileiro" - algo da responsabilidade da embaixada alemã diz-lhe a colega Judite de Sousa (um intérprete brasileiro? um alemão que estudou português no Brasil?) - pois "na nossa terra fala-se a nossa língua", diz o comentador, mais-que-ríspido.

 

Assim, sem mais, no país da lusofonia, esse paleio impensante, retórica vã perseguida desde o alterglobalismo a la BE de Boaventura Sousa Santos até à direita cristã dos paladinos ortógrafos, passando pelo magma inintelectual socialista-republicano até ao actual poder na velha retórica de Braga de Macedo e Morais Sarmento, eis, explícito, cristalizado, o que se pensa sobre a língua, a "nossa língua", com o "nosso sotaque", a que é legítima, o que é legítimo, para efectivar (nossas) portas dentro. Na crise, que se lixe a "lusofonice".

 

Diante da frase xenófoba, racista, colonial, do "dono da língua" "dono da terra" pensei que o dia seguinte fervilharia. De gente irada, democrática, inclusiva, solidária. Ou mesmo, pura e simplesmente, lusófona.

 

Mas nada, nem uma petição, nem um protesto, nem "memes" no facebook. Até gente tão participativa, anteontem revolucionária, furibunda no indignismo, tão atarefada em gritar contra a senhora do Banco da Fome que disse meia dúzia de vacuidades expressando algumas coisas nada populares mas não  tão desacertadas (Portugal vive estruturalmente produzindo muito menos do que consome, algo que o pensamento preguiçoso antropomórfico traduz como "vivemos acima das nossas possibilidades", como se isto (aquilo) fosse uma família) cala-se agora. Desatenta? Nada. Concordante, no tom xenófobo, no teor colonialista. Pois a uma (relativa) perenidade do enquadramento estatal da acção social corresponde uma manutenção cultural, profunda, a estruturar o olhar sobre o real, e o país.

 

Pois para as velhas "massas", cujo internacionalismo se acomoda na tasca onde se atafulham do molho do caracol, e para as elites, com um cosmopolitismo encerrado no bidé, que nem usam, no país o que se fala "é a nossa língua", o "nosso sotaque". Nem notam, nem atentam. A mentezinha colonial(ista), a superioridade pacóvia.

 

E depois, enquanto revolucionam, indignados, contra a "austeridade" que os fere, vão mandando para filhos e enteados, quando não para eles próprios, "ó socorros", "arranja-me um emprego" para onde outros, os "lusófonos" tão amigos que eles são, irmãos mesmo, falam a (afinal) "nossa" língua.

 

Tudo isto, toda esta gente, de sotaque certo e de língua certa, cheios de certezas.  A justificarem bem, infelizmente, todo o descalabro. De agora. E anunciado.

 

Amanhã? Lá estarão todos a ouvir o "miguel". E a indignarem-se.

 

Não há futuro. Com esta gente.

 

jpt

publicado às 18:49

Miguel Sousa Tavares

por jpt, em 30.01.12

Miguel Sousa Tavares escreveu este elogio de José Sócrates. Agora João Caetano Dias mostra a aldrabice que aquilo é. MST (o "miguel", naquela Lisboa) continuará a escrever e a opinar nos jornais e televisões, "fazedor de opiniões". Os leitores/telespectadores aplaudem (o "miguel"), os patrocinadores patrocinam (o "miguel"), os telespectadores/leitores consomem (os patrocinadores "do miguel"). Pantomina.

jpt

publicado às 20:43

Amigo que lê o ma-schamba envia-me, recomendada, uma crónica de Miguel Sousa Tavares, uma "Triste África" a propósito do Congo, do Zimbabwe. E também da política externa portuguesa. Muito discordo do truculento MST, e não só no seu aberrante portismo (uma berrada e nada irónica filiação à mafia que, sem engraçadismos, desvaloriza radicalmente, aplaina mesmo, qualquer intenção de cidadania que o plumitivo tenha erguido. Entenda-se, a não-brincadeira fascistóide da bola sousatavarista é, in loco, o similar ao bembismo ou outro ismo qualquer na torpe áfrica que ele denuncia). Discordo deste texto acima de tudo pela crítica à política externa portuguesa (é porreiro dizer mal do governo): uma república que envia o seu Presidente à colonialista China não tem ética diplomática, não vale a pena chover no molhado, segue o primado da política real. E quem não se exaltou na altura não me venha com merdas vs mugabes e bembas.

 

(parágrafo amansado: Já agora, Sampaio veio cá há pouco, falar da tuberculose. Havia duas hipóteses, ou ir lá exigir-lhe o meu voto de volta, vociferando contra a pró-chinesice por ele cometida. Ou esquecer, enjoado com o velho líder das lutas académicas de 61 feito aquela ruína colonialista, servil. Deixei passar, claro, as pessoas acham "maluquinho" o tipo que fala.)

 

O texto do clarividente MST, que vê corações por via das caras, tem piada e por isso o reproduzo aqui. Tem piada porque me lembra de alguém que foi observar as eleições ao Congo, e às 8 da noite já blogava que tudo "tinha sido free and fair". "Partir a loiça da política", diz o alguém ser a sua missão? Antes os seguidistas que esta gente, dantesca, se de dantas ou dante já nem sei.

 

E la vai o texto de Miguel Sousa Tavares.


Triste África


Olhem para a cara de Jean-Pierre Bemba, o líder da oposição congolesa. Eu sempre acreditei que olhar para a cara das pessoas ajuda muito a perceber quem são. Concordo que a receita é falível: há gente com aspecto de boa pessoa e que, afinal, não é recomendável e vice-versa. E há caras que não dizem tudo, de bom ou de mau, acerca do seu portador. Mas, para quem conhece um bocadinho a África Negra e a sua classe política, a cara do sr. Bemba diz tudo ou quase tudo sobre o que há a esperar dele no dia em que conseguir chegar à presidência da República Democrática do Congo. A menos que estejamos perante uma notável excepção ao meu critério de adivinhar carácteres a partir das caras, a do sr. Bemba traz as marcas inconfundíveis da generalidade dos políticos negros africanos da última geração. Um catálogo de horrores: nepotismo, prepotência, violência, cupidez e, fatalmente, corrupção.


Agora, olhem para a cara do sr. Joseph Kabila, o seu rival e actual Presidente da RDC: a outra face da mesma moeda. O Presidente Joseph Kabila sucedeu a seu pai — coisa habitual nestas paragens —, o distinto Laurent-Desiré Kabila, cuja presidência será sobretudo recordada pela ruína do país e o estendal de cadáveres deixados para trás. Kabila-pai tinha sucedido ao imortal Mobutu Sese Zeko, uma espécie de estereótipo de ditador africano, de quem Bemba e o pai foram estreitos aliados. Dois clãs em luta pelos despojos do país, coisa comum na África Negra. Depois de vinte anos de guerras, golpes e contragolpes, o ex-Zaire e ex-Congo Belga, um dos mais ricos países africanos, está reduzido à miséria, à ineficácia e à corrupção e exposto às intromissões e cobiças do seu poderoso vizinho angolano.Voltemos ao sr. Bemba, herdeiro de uma colossal fortuna deixada por seu pai e empresário cujos exemplos mais admirados são o marselhês Bernard Tapie e o milanês Silvio Berlusconi, dois príncipes da alta finança europeia que a Justiça perseguiu e condenou por toda a espécie de falcatruas possíveis no ramo. No final de 2006, Bemba regressou do exílio para fundar o MLC e concorrer às eleições. Derrotado por Kabila, gritou à fraude (o que, mais do que provavelmente, é verdade) e transformou o MLC numa milícia militar, apoiada pela Líbia e outros países africanos e acusada pela ONU de práticas de canibalismo.


Em Março passado, o MLC saiu do mato e desceu às ruas de Kinshasa, tentando tomar o poder pela mais antiga das formas locais de o fazer. Derrotado também nas ruas, Bemba refugiou-se na Embaixada da África do Sul, e a situação caiu num impasse. Foi então que a diplomacia portuguesa teve uma ideia luminosa: mediar a saída negociada (e necessariamente provisória) de Bemba do país e da cena política. Aproveitar o passaporte português da mulher, uma luso-brasileira filha de um emigrante português, e dos filhos e aproveitar o facto de o sr. Bemba ser proprietário de uma casa na Quinta do Lago, no Algarve (como já sucedia com o seu ‘padrinho’ Mobutu), assim proporcionando uma saída airosa a ambas as partes. Se os esforços do embaixador Alfredo Duarte Costa tiverem sucesso, a nossa diplomacia consegue, de facto, uma lança em África: proporciona uma saída para a crise, que Kabila tem de agradecer, e fica nas boas graças do sr. Bemba, para o dia em que este, milhar de mortos a mais ou a menos, consiga enfim sentar-se no trono do Leopardo. O desfecho diplomático está iminente e apenas aguarda que Kabila resista à tentação de tentar deitar a mão ao seu rival para o cortar às postas e se decida a assinar um papel, deixando-o sair.


Como se pode imaginar, aos congoleses, à excepção dos milicianos e arregimentados de ambos os lados, tanto se lhes faz Kabila como Bemba. Quem ficar com o poder enriquecerá — ele e a sua corte; o resto da população continuará na miséria, à espera do milagre impossível do dia em que o Congo, como o resto da África Negra, seja governado por homens sérios, competentes e com vontade de servir o seu país.Desçamos um pouco mais abaixo e a leste, onde temos o caso-limite do Zimbabwe, desse louco criminoso que é Robert Mugabe. Como escreveu há dias a Conferência Episcopal do Zimbabwe, ali o poder perdeu já qualquer resquício de vergonha, de pudor, de condescendência para com a miséria do povo ou de respeito pelos direitos humanos mais elementares. A oposição é espancada, presa e torturada à vista de todos, os jornalistas estrangeiros são expulsos, o desemprego atinge os 80%, e a fantástica Reforma Agrária de Mugabe, que correu com os melhores agricultores africanos, que eram os rodesianos brancos, trouxe a fome aos campos e às cidades superlotadas. No seu delírio de psicopata, Mugabe não encontrou melhor plano do que mandar o Exército desterrar da capital, Harare, centenas de milhares de pessoas que não tinham para onde ir.


Em Harare esteve há duas semanas o ministro dos Estrangeiros de Angola, que lá foi oferecer apoio militar a Mugabe e proclamar a solidariedade ‘anticolonialista’ do regime de José Eduardo dos Santos. Depois, o ministro veio a Lisboa e sentou-se numa mesa ao lado do nosso MNE, Luís Amado. Perguntaram a Amado se, perante a situação no Zimbabwe e o isolamento a que o regime foi votado pela União Europeia, ele ponderava a possibilidade de não convidar Mugabe para a Cimeira Europa-África, prevista para a presidência portuguesa da UE. O MNE deve ter estremecido, antes de responder convictamente que não: imaginar que Portugal pudesse comprometer aquilo que está previsto ser o «achievement» da nossa presidência, arriscando-se a que os países africanos boicotassem a Cimeira por ‘solidariedade anticolonialista’ com o Zimbabwe, é simplesmente antipatriótico. Seria o mesmo que convidar o Governo português, por exemplo, a perguntar a Luanda para onde vão as receitas do petróleo angolano que não entram no Orçamento do Estado.


‘Provocações’ dessas não se fazem aos africanos. Eles são muito sensíveis às intromissões ‘colonialistas’ dos brancos nos seus assuntos: em especial se forem europeus e, pior ainda, antigas potências coloniais em África. Eles não se importam de ser neocolonizados pelos indianos e agora pelos chineses, que estão a tomar conta de África em busca de energia e terras cultiváveis. Como antes não se importavam com os negócios ruinosos feitos com russos ou americanos, desde que as ‘nomenclaturas’ locais, bem entendido, fossem devidamente recompensadas. Mas, para os europeus, as regras são muito mais duras e exigem, como ponto prévio, que só há negócios em África se se seguir estritamente a diplomacia dos interesses e jamais a dos valores. É preciso ficar muito calado, olhar para o lado, fingir que não se vê e não se sabe e, sendo possível, como fazem Portugal e França, conseguir que os seus dirigentes tenham sempre um «pied à terre» na Côte d’Azur ou no Algarve, para criarem laços de afinidade e cumplicidade connosco.


Um dia, quando se fizer a história da África desaparecida, haveremos de chegar à conclusão de que, muito pior e muito mais imperdoável do que os cinco séculos de colonialismo europeu, foram estas cinco décadas de cumplicidade com o que há de pior em África.


Miguel Sousa Tavares

Publicado segunda-feira, 9 de Abril de 2007

publicado às 18:17

...

por jpt, em 14.02.06

 Diabo, e agora como é que se diz mal do homem?

Grinzane Cavour 2006

Miguel Sousa Tavares ganha prémio em Itália com "Equador" 

14.02.2006 - 19h02 Lusa

O livro "Equador", de Miguel Sousa Tavares, conquistou em Itália o prémio literário Grinzane Cavour 2006, anunciou hoje a editora, Cavallo di Ferro.

publicado às 12:27

Há sempre uma primeira vez

por jpt, em 16.11.05

É a primeira vez que, em questões de futebol, concordo com Miguel Sousa Tavares [texto abaixo transcrito], o cujo nestas coisas da bola é um avatar do ex-célebre Guarda Abel.

Miguel Sousa TavaresNortadaA Bola15.11.2005

Fui dos primeiríssimos a criticar a escolha definitiva de Ricardo para titular da baliza da Selecção por parte de Scolari. Escrevi então que, muito embora o considerasse um grande guarda-redes entre os postes, achava que lhe faltava em absoluto uma qualidade hoje fundamental num guarda-redes: dominar o jogo aéreo. Houve quem ripostasse que eu escrevia assim porque era portista e amigo do Baía — ambas as coisas são verdadeiras, e muito me honram, mas não me determinam. Hoje quase toda a gente reconhece que o que Scolari fez e vai fazendo com Vítor Baía (sem lugar entre os três guarda-redes portugueses escalados para o Europeu, no ano em que os treinadores europeus o elegeram o melhor guarda-redes do ano) não encontra qualquer justificação do ponto de vista desportivo ou humano. Para não ter de qualificar a atitude, direi simplesmente que ela é inqualificável e, embora muitos, a começar pelos colegas de Baía na Selecção, se mostrem dispostos a fingir que a coisa passou, eu não só não a esqueço como extraí dela conclusões, essas sim, definitivas acerca da pessoa do seleccionador nacional. Quanto ao que tinha escrito sobre Ricardo, bastou a forma como perdemos a final do Europeu contra a Grécia para que a justeza da minha observação ficasse à vista de todos. Depois disso nunca mais voltei ao assunto e fiquei deliberadamente calado quando, há uns tempos atrás, os sucessivos falhanços de Ricardo o remeteram para o banco de suplentes no Sporting e, de repente, pareceram ter despertado uma súbita unanimidade de críticas até aí nunca vistas. Não gosto de malhar em quem já está em baixo e, além disso, entendo que o principal responsável nem era Ricardo mas sim Scolari. Ricardo era muito melhor guarda-redes antes de Scolari o ter transformado no caso exemplar do seu autoritarismo. Teria ido então muito a tempo de corrigir ou melhorar o que estava mal no seu jogo aéreo (onde Baía continua a ser o melhor guarda-redes português, talvez de todos os tempos), em vez de, atiçado pelo seleccionador, ter revelado sempre uma falta de humildade tamanha que chegou a explicar que um «frango» não era um «frango» mas sim uma «questão técnica» muito complexa, cujo entendimento escapava aos leigos. Dois anos depois Ricardo vê-se forçado a continuar a tentar explicar atabalhoadamente por palavras o que não consegue explicar através dos jogos. E Baía continua a explicar, nos jogos e fora deles, que, além do mais, há uma coisa que o caracteriza e não lhe vem nem das convocatórias para a Selecção nem sequer dos 28 títulos que fazem dele o jogador em actividade que mais coisas conquistou em todo o mundo: classe. E, por esse ponto de vista, não pode restar a menor dúvida de que quem ganhou esta guerra mesquinha foi sempre e só Vítor Baía. E assim chegámos às vésperas da convocatória para o Mundial, tendo já toda a gente percebido que, independentemente da forma em que cada um está ou estiver daqui a uns meses, o Ricardo será convocado e titular e o Vítor Baía voltará a ser ignorado. Independentemente da injustiça gritante desta espécie de critério do seleccionador, agora há um facto novo e evidente: o povo da Selecção percebeu e teme que tudo possa ser deitado por água abaixo no Mundial por uma saída em falso do Ricardo — como ainda este fim-de-semana vimos, contra a Croácia. Daí os assobios, que são injustos para Ricardo, não para Scolari. O«lobby contra o Ricardo», por mais que Scolari finja não perceber, não tem razões obscuras mas apenas aquilo que está à vista de todos. E já não se compõe só de amigos de Baía ou portistas mas agora também de benfiquistas, sportinguistas e todos quantos não tenham medo de ter opinião.

publicado às 09:20

Ota

por jpt, em 24.07.05

Portugal. Um belo policial, "O Crime da Ota", de Miguel Sousa Tavares, Lisboa, edições Público, 22 de Julho de 2005. A recortar para "postar" daqui a 20 anos. Está lá tudo.

Adenda: o A Memória Inventada antecipou-se os tais vinte anos. Roubo-lhe a transcrição, aqui abaixo.

Luís Campos e Cunha foi a primeira vítima a tombar em virtude desses crimes em preparação que se chamam aeroporto da Ota e TGV. Não se pode pedir a alguém que vem do mundo civil, sem nenhum passado político e com um currículo profissional e académico prestigiado que arrisque o seu nome e a sua credibilidade em defesa das políticas financeiras impopulares do Governo e que, depois, fique calado a ver os outros a anunciarem a festa e a deitarem os foguetes. Não se pode esperar que um ministro das Finanças dê a cara pela subida do IVA e do IRS, pelo aumento contínuo dos combustíveis e pelo congelamento de salários e reformas, que defenda em Bruxelas a seriedade da política de combate ao défice do Estado, e que, a seguir, assista em silêncio ao anúncio de uma desbragada política de despesas públicas à medida dos interesses dos caciques eleitorais do PS, da sua clientela e dos seus financiadores.O afastamento do ministro das Finanças e a sua substituição por um homem do aparelho socialista é mais do que um momento de descredibilização deste Governo, de qualquer Governo. É pior e mais fundo: é um momento de descrença, quase definitiva, na simples viabilidade deste país. É o momento em que nos foi dito, para quem ainda alimentasse ilusões, que não há políticas nacionais nem patrióticas, não há respeito do Estado pelos contribuintes e pelos portugueses que querem trabalhar, criar riqueza e viver fora da mama dos dinheiros públicos; há, simplesmente, um conúbio indecoroso entre os dependentes do partido e os dependentes do Estado. Quando oiço o actual ministro das Obras Públicas - um dos vencedores deste sujo episódio - abrir a boca e anunciar em tom displicente os milhões que se prepara para gastar, como se o dinheiro fosse dele, dá-me vontade de me transformar em "off-shore", de desaparecer no cadastro fiscal que eles querem agora tornar devassado, de mudar de país, de regras e de gente.Há anos que vimos assistindo, num crescendo de expectativas e de perplexidade, ao anunciar desses projectos megalómanos que são o TGV e o aeroporto da Ota. O mesmo país que, paulatinamente e desprezando os avisos avulsos de quem se informou, foi desmantelando as linhas férreas e o futuro do transporte ferroviário, os mesmos socialistas que, anos atrás, gastaram 120 milhões de contos no projecto falhado dos comboios pendulares, dão-nos agora como solução mágica um mapa de Portugal rasgado de TGV de norte a sul. Mas a prova de que ninguém estudou seriamente o assunto, de que ninguém sabe ao certo que necessidades serão respondidas pelo TGV, é o facto de que, a cada Governo, a cada ministro que muda, muda igualmente o mapa, o número de linhas e as explicações fornecidas. E, enquanto o único percurso que é economicamente incontestável - Lisboa-Porto - continua pendente de uma solução global, propõe-nos que concordemos com a urgência de ligar Aveiro a Salamanca ou Faro a Huelva por TGV (quantos passageiros diários haverá em média para irem de Faro a Huelva - três, cinco, sete mais o maquinista?).Quanto ao aeroporto da Ota, eufemisticamente baptizado de Novo Aeroporto Internacional de Lisboa, trata-se de um autêntico crime de delapidação de património público, um assalto e um insulto aos pagadores de impostos. Conforme já foi suficientemente explicado e suficientemente entendido por quem esteja de boa-fé, a Ota é inútil, desnecessário e prejudicial aos utentes do aeroporto de Lisboa. E, como o embuste já estava a ficar demasiadamente exposto e desmascarado, o Governo Sócrates tratou de o anunciar rapidamente e em definitivo, da forma lapidar explicada pelo ministro das Obras Públicas: está tomada a decisão política, agora vamos realizar os estudos.Mas tudo aquilo que importa saber já se sabe e resulta de simples senso comum:- basta olhar para o céu e comparar com outros aeroportos para perceber que a Portela não está saturada, nem se vê quando o venha a estar, tanto mais que o futuro passa não por mais aviões, mas por maiores aviões;- em complemento à Portela, existe o Montijo e, ao lado dela, existe uma outra pista, já construída, perfeitamente operacional e que é uma extensão natural das pistas da Portela, que é o aeroporto militar de Alverca - para onde podem ser desviadas todas as "low cost", que não querem pagar as taxas da Portela e menos ainda quererão pagar as da Ota;- porque a Portela não está saturada, aí têm sido gastos rios de dinheiro nos últimos anos e, mesmo agora, anuncia-se, com o maior dos desplantes, que serão investidos mais meio bilião de euros, a título de "assistência a um doente terminal", enquanto a Ota não é feita;- os "prejuízos ambientais", decorrentes do ruído que, segundo o ministro Mário Lino, afectam a Portela são uma completa demagogia, já que pressupõem não prejuízos actuais, mas sim futuros e resultantes de se permitir a urbanização na zona de protecção do aeroporto;- a deslocação do aeroporto de Lisboa para cerca de 40 quilómetros de distância retirará à cidade uma vantagem comercial decisiva e acrescentará despesas, consumo de combustíveis, problemas de trânsito na A1 e perda de tempo à esmagadora maioria dos utentes do aeroporto, com o correspondente enriquecimento dos especuladores de terrenos na zona da Ota, empreiteiros de obras públicas e a muito especial confraria dos taxistas do aeroporto.O negócio do aeroporto é tão obviamente escandaloso que não se percebe que os candidatos à Câmara de Lisboa não façam disso a sua bandeira de combate eleitoral e que, à excepção de Carmona Rodrigues, ainda nem sequer se tenham manifestado contra. Carrilho já se sabe que não pode, sob pena de enfrentar o aparelho socialista e os interesses a ele associados, mas os outros têm obrigação de se manifestarem forte e feio contra esta coisa impensável de uma capital se ver roubada do seu aeroporto para facilitar negócios particulares outorgados pelo Estado.A Ota e o TGV, que fizeram cair o ministro Campos e Cunha, são um exemplo eloquente daquilo que ele denunciou como os investimentos públicos sem os quais o país fica melhor. Como o Alqueva, à beira de se transformar, como eu sempre previ, num lago para regadio de campos de golfe e urbanizações turísticas, ou os pendulares do ex-ministro João Cravinho, ou os estádios do Euro, esse "desígnio nacional", como lhe chamou Jorge Sampaio, e tão entusiasticamente defendido pelo então ministro José Sócrates. Os piedosos ou os muito bem intencionados dirão que é lamentável que não se aprenda com os erros do passado. Eu, por mim, confesso que já não consigo acreditar nas boas intenções e nos erros de boa-fé. Foi dito, escrito e gritado, que, dos dez estádios do Euro, não mais de três ou quatro teriam ocupação ou justificação futura. Não quiseram ouvir, chamaram-nos "velhos do Restelo" em luta contra o "progresso". Agora, os mesmos que levaram avante tal "desígnio nacional", olham para os estádios de Braga, Bessa, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro, transformados em desertos de betão e num encargo camarário insustentável, e propõem-nos um TGV de Faro para Huelva e um inútil aeroporto para servir pior os seus utilizadores, e querem que acreditemos que é tudo a bem da nação?Não, já não dá para acreditar. O pior que vocês imaginam é mesmo aquilo que vêem. Este país não tem saída. Tudo se faz e se repete impunemente, com cada um a tratar de si e dos seus interesses, a defender o seu lobby ou a sua corporação, o seu direito a 60 dias de férias, a reformar-se aos 50 anos ou a sacar do Estado consultorias de milhares de contos ou empreitadas de milhões. E os idiotas que paguem cada vez mais impostos para sustentar tudo isto. Chega, é demais!Miguel Sousa Tavares

publicado às 02:51


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