Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Os herdeiros

por jpt, em 16.08.11

A propósito disto tudo recordo um postal de 17 de Agosto de 2004:

 

O homem citadino não consegue continuadores. O político julga-se insubstituível; o literato cuida que depois dele ninguém mais saberá escrever; o industrial pensa que o seu génio empreendedor estancou as fontes da habilidade comercial. Só o camponês deixa herdeiros. Exactamente porque nenhum homem da terra se considera uma excepção, pode ensinar naturalmente ao filho todas as aquisições da sua experiência, e torná-lo um igual e um sucessor“.

 

Miguel TorgaDiário V, Círculo de Leitores, p. 426 (22 de Abril de 1949)

publicado às 23:08

Coimbra, 24 de Novembro de 1949

por jpt, em 27.06.05

"Deve ser bom escrever em plena liberdade, como é bom colher um fruto da própria árvore e mastigá-lo. Mas que sabor, que triunfo, escrever com liberdade debaixo da tirania! Cada palavra, cada pensamento, é um risco que se corre, um desafio que se lança. Não há sossego de fora que se tenha, noite que se durma em paz. Mas lá na última morada do ser, na consciência profunda da dignidade humana, que segurança, que serenidade! A verdade, com todas as atribulações, foi servida. A vida pode continuar."

[Miguel Torga, Diário (Vols. V a VIII, Círculo de Leitores, p. 451)

publicado às 01:16

...

por jpt, em 20.06.05
como blogar?, o que blogar?, quando se lê um diário assim?

 

 

publicado às 11:07

Coimbra, 25 de Julho de 1949

por jpt, em 20.06.05

"Época sem mártires, a nossa. Os próprios heróis e santos são funcionários de um ideal. A humanidade empregou-se toda, pois até os desempregados recebem o seu ordenado semanal. De modo que não ficou um indivíduo sequer para abrir um cisma e morrer sobre um madeiro por sua conta e risco."

[Miguel Torga, Diário (vol. V a VIII), p. 437]

publicado às 10:01

Coimbra, 27 de Junho de 1949

por jpt, em 20.06.05

"A harmonia conjugal é o fiel duma balança de precisão. Ao menor sopro num dos pratos, a agulha oscila e o equilíbrio rompe-se. E coisa curiosa: são precisamente esses imponderáveis perturbadores que levam muitas vezes à irreconciliação e ao fim. Dir-se-ia que a balança não é para grandes pesos, mas apenas para avaliar venenos subtis, que matam a partir do miligrama."

[Miguel Torga, Diário (volumes V a VIII), Círculo de Leitores, p. 434-5]

publicado às 09:58

Já agora

por jpt, em 19.06.05

"Coimbra, 22 de Abril de 1949 - O homem citadino não consegue continuadores. O político julga-se insubstituível; o literato cuida que depois dele ninguém mais saberá escrever; o industrial pensa que o seu génio empreendedor estancou as fontes da habilidade comercial.

Só o camponês deixa herdeiros. Exactamente porque nenhum homem de terra se considera uma excepção, pode ensinar naturalmente ao filho todas as aquisições da sua experiência, e torná-lo um igual e um sucessor."

[Miguel Torga, Diários (volumes V a VIII), Círculo de Leitores, p. 426]

publicado às 09:50

...

por jpt, em 19.01.05

Em semana de efemérides então aqui fica. Quando li Torga nada gostei, nesses tempos de tardia puberdade arrastada ao limite. Daí que nenhum extracto de obra aqui traga. Depois, já trintão voltei-lhe aos contos, sei lá como. E depois à poesia. E ao diário (porquê o plural em algo que é absolutamente uno?). A melhor prosa em português ao meu paladar.Não sou gente da literatura. Apenas cliente. Ao meu gosto e dos amigos. E, aqui e ali, das capas de livros. Não que despreze teoria disto, apenas não a sei. Presumo que como muitos outros leio e associo [reli há dias "Os Cus de Judas" de Lobo Antunes, vinte anos depois. Está lá a nota a lápis esbatida, e lembro-me de a ter escrito, "isto é Fitzgerald. Terna é a Noite, e algo há entre os 2, a lassidão?", mas hoje não a percebi, não a senti, que terei perdido no entretanto? Mas na página a seguir está lá, o homem a escrever: "...talvez o meu irmão Scott Fitzgerald, que o Blondin assemelhava a um três quartos ponta irlandês, se sente a qualquer momento à nossa mesa e nos explique a desesperada ternura da noite e a impossibilidade de amar...", e também me lembro do meu espanto na coincidência, se é que o foi, que acho mais ter sido um cheiro qualquer que terei então detectado].Este inútil arrazoado vem a propósito da admiração que tenho por Torga. E de o ter reencontrado, também sei lá porquê, exactamente assim, na obra de Ruy Duarte de Carvalho, esse com que abri este local. Sem teoria, talvez apenas das noites assim de fingir solidão. Cruzando gigantes, os meus gigantes.

publicado às 07:26

Desde que definitivamente adulto sempre me questionei sobre as causas dos comportamentos extremados. Por que é que no quotidiano pacífico há tanta acção objectivamente horrível?Por razões profissionais esta angústia implicou que me perguntasse, muito em particular, porque é que tanto académico peca por auto-centramento histriónico, por práticas patológicas? Há-os maravilhosos, há-os normais, mas abundam os terríveis. Pejados de ambições que nos estupefactam, tão poucas parecem ser as recompensas disponíveis para tamanhas atitudes.Não estou só nesta inquietação. Por vezes partilho com amigos colegas este espanto. Que nos é alimentado pelo desprazer da paisagem. Mas acredito que secretamente também é alimentado pelo medo em que nos tornemos assim, apenas membros de bandos de predadores esfaimados. Ou, pior, solitários roídos pelas maleitas da idade, mais perigosos e erráticos ainda.São conversas, esconjuros, que quase sempre terminam num "para quê tudo aquilo?", pois, e repito-me, as recompensas são poucas. Simbólicas sim, estatutárias sim. Mas, bem lá no fundo, nada que valha trocar pelo apreço dos seus pares humanos.Então nas gentes das ciências sociais estes feitios tortuosos ainda mais me confundem. Não só por aí conhecer uns muitos. Mas fundamentalmente por razões metodológicas: pois se os objectos de trabalho são as pessoas, como poderão tão execráveis pessoas proceder às suas investigações, como poderão eles organizar o necessário contacto, como poderão eles conceber sem preconceitos desvalorizadores aqueles que estudam?[há aqui uma explicação possível. Académicos arrogantes e umbiguistas, pisadores militantes, coisificam os seus objectos de estudo, os indivíduos. Assim podem tratá-los bem, lá do alto da Ciência. Regressando aos seus pares, aqueles não-coisas mas homens, regressam à sua "natureza de escorpião" (para usar a célebre fábula). Se isso tem efeitos na qualidade das suas análises sobre tais "coisas-homens" quem serei eu para opinar.]Aos historiadores ainda os justifico, uma vida encerrada em arquivos bafientos e mal iluminados, difícil é-lhes manter a prática do contacto pessoal saudável. Agora a gentes outras, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etcs, a essas nunca percebi. Quando assisto ou escuto relatos dos mais vis egocentrismos, por vezes até torpes atitudes, sempre procuro imaginar como será essa gente diante dos seus interlocutores aquando no trabalho de pesquisa.Quais as causas para tudo isto? Cultura profissional? Ambiente de formação? Maus tratos paternos? Esta é uma velha angústia, que tanto me desassossegou ao longo dos anos.[O Prezado Leitor já sofreu a investida de um bando de intelectuais profissionais? Uma inopinada emboscada solitária? Se sim compreender-me-á. Caso contrário, e para contextualizar alterne Kafka, o Alien de Ridley Scott (espantosa metáfora) e um pouco de Dante. Ficou em pânico? Vá ler o Robinson Crusoe, que me parece ser o único remédio pacificador, imaginando-se claro o herói ANTES do Sexta-Feira chegar].Mas hoje encontrei princípio de resposta para tudo isto. Rejubilo. E ainda bem que tenho um blog para partilhar com alguns este meu alívio. Ei-la:"O homem citadino não consegue continuadores. O político julga-se insubstituível; o literato cuida que depois dele ninguém mais saberá escrever; o industrial pensa que o seu génio empreendedor estancou as fontes da habilidade comercial. Só o camponês deixa herdeiros. Exactamente porque nenhum homem da terra se considera uma excepção, pode ensinar naturalmente ao filho todas as aquisições da sua experiência, e torná-lo um igual e um sucessor".Bem haja Miguel Torga, Diário V, Círculo de Leitores, p. 426 (22 de Abril de 1949)

publicado às 13:16


Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos