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Nós e Paris.

por jpt, em 18.11.15

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Vivo face à entrada principal de um centro comercial (um "xóping" como os lisboetas agora dizem), uma passadeira de peões aligeira a passagem da rua, preciosa pois em bairro muito envelhecido, tantos são os transeuntes já trôpegos. Há poucas semanas ao sair de casa deparei-me com um dos habituais atropelamentos na dita passadeira, então um carro da polícia e alguns populares rodeavam uma sexagenária espojada no chão, uma menina bem pequena magoada mas já sentada no passeio, aguardavam-se as ambulâncias. Afligi-me, claro, mas para logo perceber que felizmente nada de grave ocorrera, um pequeno toque de condutora distraída, ela ali mesmo talvez a mais avassalada dos presentes. Afligi-me, repito, para depois acalmar, mas ficar resmungando da insegurança constante mesmo aqui à frente de casa.

Naquele mesmo dia outros atropelamentos ocorreram, vários veículos motorizados se acidentaram, talvez alguns mortos e feridos aconteceram em Portugal. E com toda a certeza por esse mundo. Não me afligiram. Penso na segurança das infraestruturas rodoviárias, saúdo as melhorias securitárias na indústria automóvel, continuo adverso às motorizadas, julgo sempre necessárias as campanhas de educação (por exemplo deveria ser proibido aos peões atravessar ruas a falar ao telefone). Mas aflição, aflição, solidariedade comovida, e acção imediata se necessária? Acontece-me só quando na proximidade, física ou afectiva. E sei que não estou só nesta metodologia do sentir-pensar, pois condição fundamental, ontológica se se quiser, para o fluir quotidiano.

Desde os atentados de Paris que vou lendo uma série, botada em jactos, de declarações de cidadãos portugueses resmungando que não se devem valorizar nem aqueles atentados nem os mortos ali caídos dado que há outros mortos, outros atentados, mais longínquos, tão ou mais sanguinolentos, e afectando gente com tanta dignidade, tão "choráveis", como os que ali caíram.  Que Paris seja cidade tão simbólica para o nosso ambiente cultural (nem que seja aquilo do Casablanca, já para não falar do "A Cidade e as Serras" e tamanho etc.), que seja (ou tenha sido, já não sei) a segunda cidade com mais portugueses, que vários destes tenham também sofrido os atentados nada lhes interessa.

São esses os "multiculturalistas" sempre atentos na denúncia, apoucamento, do "Ocidente", sempre lestos a quererem-se distanciar de um qualquer "nós" que mesmo difuso existe - pelo menos para os também difusos "outros". A mim cai-me o difuso, ao perceber de novo que as longínquas guerras "nos" caem em "casa", nas cidades do extremo oeste da Eurásia. Que os assassinos vêm de Bruxelas, nela habitam e a ela ameaçam, lá onde vivem minha filha e a sua mãe. Aflige-me, aflijo-me insone.

E acho estupores os falsos relativistas - para exemplo, esses que criticam o filtro criado pelo Facebook para "tricolizar" os perfis porque medida eurocêntrica, dizem, mas que não mudam os perfis que usam para as suas brincalhonas cidadanias para a Weibo chinesa ou para a nova Tsu. Querem-se apenas "elegantes" num falso auto-criticismo civilizacional.

Isto não são apenas os meneios da torpeza imbecil. É o mais abjecto dos racismos contemporâneos, o falso relativismo multiculturalista. Pois é uma gente sempre pronta a defender os particularismos alheios, a valorizar as características particulares alhures, os localismos, culturais ou afectivos, as identidades enraizadas, os centripetismos sociais quando distantes. Mas no "nosso" caso, aos "europeus", aos europeus a oeste dos eslavos mas isso eles não conseguem sequer perceber que lhes é a matriz da invectiva, exige-se o cosmopolitismo, a centrifugação reflexiva. Ou seja, aos "outros" os seus muito dignos localismos/particularismos. E a "nós" o dever do extremo cosmopolitismo. Porque nós, um nós assim mesmo, agora sem aspas, afinal somos, devemos ser, diferentes. É este um racismo abjecto, um racismo para além da cor da pele,  um racismo de hierarquia cultural, de supremacia racional.

publicado às 11:02

A Síria nas Nações Unidas

por jpt, em 29.09.15

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Já aqui o bloguei algumas vezes, este "O Americano Tranquilo" de Graham Greene é o livro da minha vida. Não "o melhor" que li, que isso é coisa que não há, mas aquele que mais me impressionou repetidamente. Li-o pela primeira vez ainda adolescente, ali no dobrar do 1980, nesta edição da Editora Ulisseia, um exemplar que agora herdei, comprado em 1957 pelo meu pai. Reli-o várias vezes ao longo da vida, em cada uma delas sendo iluminado e vasculhado pelo texto. Por coisas não só políticas mas também as políticas. Hoje de manhã, ao mata-bicho diante da tv, nas notícias ouço Obama e Putin. E regresso, de imediato, a Fowler e à sua distância a Pyle, esse "americano", estratega de "terceiras forças" em desconhecimento do mundo. Que agora vai com o nome Obama.

Greene olhava o mundo de modo genial. E foi um excelente escritor.

publicado às 10:15

Ideologias e processos eleitorais

por jpt, em 23.09.15

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 Drew Dernavich, The New Yorker

 

Abaixo coloquei postal sobre ideologias. Até porque nunca comprei a tralha fedorenta e infecunda daquilo do "fim das ditas". É certo que a gente não tem o dever da super-coerência - aliás acho que temos é o dever da incoerência, isso de não fazermos obrigatoriamente concordar o que pensamos sobre as diversas áreas do acontecer, de nos desenvencilharmos dos dogmas sistémicos. Por isso me custa, e ainda mais em período eleitoral, ver os perorões da social-democracia, e os dos múltiplos (nada pós)marxismos e nisso aqueles da democracia participativa (o avatar actual dos amantes da ditadura das "vanguardas"), e também os da democracia-cristã tão fraterna e respeitadora sempre se quer, e ainda os dos sindicalismos mais-ou-menos corporativos, esquecerem tão sonoras afrontas aos direitos dos trabalhadores, às liberdades dos indivíduos, isto de se escolher onde se quer trabalhar (e viver) respeitando os contratos firmados segundo a lei e sob o livre-arbítrio. Afrontas essas, ainda para mais, tão disseminadas ("inculcadas" dizia-se antes) por essa sobre-máquina actual de fazer pensar, o futebolismo. Vê-se isso continuamente, as coerções psicológicas, morais, exercidas pelo patronato (ok, pelas empresas futebolistas), vê-se agora no Sporting com Carrillo. Mas de todos esses palradores, sempre tão cheios de ideias e até ideários sobre o país e mesmo o mundo, os que me custa mais ver tão calados sobre estas aparentes minudências, pois pensadas como apenas "coisas da bola", são os (ditos) liberais, esta tão difícil maneira de ver e fazer o mundo. O Pedro M., velho amigo e leitor do blog, percebeu bem o meu resmungo. E mandou-me este cartoon. Um verdadeiro manifesto, aquela coisa de uma imagem com arte e inteligência valer mais do que o apenas perorar princípios inseguidos. Nestas épocas de voto apenas ... vinagres para apanhar moscas.

publicado às 12:01

Os pescadores

por jpt, em 05.09.15

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Neste último ano em Portugal comprara duas vezes o "Expresso", jornal pelo qual me desinteressei já nos anos 90s. Compro-o hoje, na curiosidade/entusiasmo pela sondagem publicada, essa que dá esperança na derrota do velho partido socialista, de antónio costa, do "Sócrates Sempre" de Eduardo Ferro Rodrigues (como lhe foi possível?!), compro-o hoje na curiosidade/sarcasmo de ler sobre Sócrates preso na Abade Faria, ali à Barão de Sabrosa onde cheguei a viver.

 

E é nesta edição do "Expresso" que acabo de ver a versão extensa (alargada) da fotografia que tem corrido mundo, a da criança síria afogada. E que fotografia, a desvendar o tal mundo e também as modalidades de construção do histrionismo passageiro através da comunicação social (essa que faz editais) e de nós-todos, os "partilhadores" internéticos, radio-amadores do mundo de hoje. Lá ao fundo, a algumas dezenas de metros do cadáver está um par de pescadores, em vestes veraneantes. A cana de pesca ainda em riste, a cadeirinha de praia bem à mão para cíclico descanso enquanto o peixito não morde o isco, o evidente coleman com a cerveja fresca com-toda-a-certeza fora do ângulo de visão. Decerto que incomodados, até comovidos, com o cadáver ali dado à costa, ainda por cima de náufrago tão jovem. E eles a dissertarem sobre o mal do mundo, com mais assunto para aparentarem um qualquer ser. Mas nem assim desmontando o estendal piscatório.

 

Somos todos aqueles pescadores. "To share or not to share" não é a questão.

 

 

 

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publicado às 11:22

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1. Por todo o lado opiniões muito veementes sobre aquela desgraçada fotografia da criança afogada. Bom momento para suspender o "memeismo" e ir comprar este "Olhando o Sofrimento dos Outros" de Susan Sontag, publicado há pouco na Quetzal. Bom corpo de letra, boa paginação, cento e tal páginas, escorreita escrita. Alimento para melhores opiniões. Ou, pelo menos, mais estéticas, parecendo mais lidas.

 

2. Muitos comentadores e "postalizadores" no facebook referindo que a desgraçada fotografia demonstra (grita até) a responsabilidade de todos nós no drama actual. Recuso-me à punição: não assumo qualquer responsabilidade sobre a situação síria ou qualquer outra adjacente. Nem aceito que a imputem a membros da minha família. Não tampouco aponto a algum amigo aqui em Lisboa responsabilidades na matéria - e presumo que os arrepanhados vigorosamente (nas teclas, claro) auto-punitivos não imputem similares responsabilidades a amigos meus moçambicanos. Pois a este tipo de olhos óbvio é que coitados daqueles, não só são africanos como tantos deles são negros. Gente assim, claro, inimputável destas responsabilidades alargadas sobre os males do mundo. Qu'essas como é sabido brotam sobre nós próprios, europeus. E mais ainda quando somos, e preferencialmente é assim que vamos e somos, brancos. Ou seja, mais maus, mais responsáveis. Entenda-se, mais gente. 

 

3. Responsabilidades tenho, isso sim, nisso do perder tempo com estes opinadores. E com os "editais" jornaleiros, patéticos. Que estão bem para os seus leitores.

publicado às 22:55

A propósito da Grécia

por jpt, em 25.07.15

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Pouco ou nada percebo sobre a crise grega e também sobre a que lhe é mais global. O que sobre isso consigo pensar já aqui o botei (o ponto b. deste texto de 2012). E idem sobre a portuguesa, sobre a qual resmunguei este postal em 2011. Mais do que isso só me resta ler, procurando iluminação entre o vociferar geral. Intuindo que vivemos o exponenciar (o globalizar) das situações de XIX e XX, essas do pós-abolição da escravatura e da ruralidade colonial. Que firmavam a dependência individual (familiar) para com o (pequeno) capital comercial, o endividamento estrutural, tendencialmente infinito, para com os fornecedores de bens de consumo e de investimento (em português de então conhecidos como "cantinas").

 

Hoje em dia raramente compro jornais, mais do que tudo por razões de contenção dos meus gastos. Ocasionalmente o "Público" à sexta-feira, que normalmente não me desilude. E onde habita a coluna de António Guerreiro, esse que desde há anos me parece o mais interessante dos colunistas da imprensa portuguesa. Ontem escreveu um excelente texto sobre esta situação. Como o jornal não é de acesso livre aqui o transcrevo. Uma leitura preciosa:

 

 

 

Recapitulemos as principais lições que até os mais distraídos tiveram obrigação de aprender com a crise grega: 1º) A relação credor–devedor está hoje no centro da vida económica, social e política. Ela veio substituir a relação capital–trabalho que pertence a uma fase anterior do capitalismo e introduziu uma nova técnica de poder e uma nova “governamentalidade”. Essa relação produz um novo sujeito universal que é o “homem endividado” tal como ele foi definido e analisado pelo sociólogo Maurizio Lazzarato. A principal actividade do homem endividado (tal como o seu análogo colectivo: o país endividado) é pagar. Nas antigas sociedades disciplinares, ele seria preso se não pagasse, mas as actuais sociedades não o querem encerrado porque isso seria remetê-lo para o exterior e é preciso que ele não saia do interior da esfera dos credores para continuar a pagar. 2º) A dívida é inesgotável, impagável e infinita. Foi com o capitalismo financeiro que a “divída finita e móvel” de antigamente se tornou “dívida infinita”, como a dívida do homem perante Deus. Esta dívida que não pode ser resgatada funciona segundo o modelo do pecado original: no reino dos homens, o devedor nunca acabará de pagar a sua dívida. Recordemos que, para a teologia cristã, existe uma única instituição legal que não conhece interrupção nem fim: o inferno. Mas há aqui umdouble bind: segundo a lógica do capital, um povo é tanto mais rico quanto mais se endivida. Se a dívida não fosse infinita e o devedor pudesse, num determinado momento, saldar as suas dívidas, deixava de haver capital, o capitalismo extinguia-se porque desaparecia a relação de forças entre devedores e credores e a dominação política e a assimetria que essa relação supõe. Lazzarato, mostrando que o capitalismo consiste em encadear dívidas umas nas outras, até elas se tornarem infinitas, estabelece uma analogia entre o funcionamento do crédito e a condição em que se vê Joseph K, a personagem de O Processo, de Kafka. 3º) Apesar de a dívida ser impagável e infinita, é necessário manter publicamente a aparência (uma crença que deve circular publicamente) de que ela é finita e pagável. A dívida da Grécia é tão infinita como a de muitos outros países. Mas o problema é que, por várias circunstâncias, ela entrou no campo de uma racionalidade que lhe retirou a máscara que protege muitas outras. Sem essa máscara, ela exibiu-se como monstruosa, isto é, algo que se mostra e, assim sendo, cresce sem controlo. O capitalismo financeiro não vive sem o motor da dívida, mas precisa que se mantenha a promessa de que ela será honrada. Honrá-la não é pagá-la, é manter a possibilidade da fuga em frente. A catástrofe dá-se quando essa fuga é interrompida. 4º) A moeda especificamente capitalista é a moeda de crédito, a moeda-dívida, e não a moeda-troca. O capitalismo financeiro não tem nada a ver com o doce comércio da moeda-troca. Aí estamos numa relação simétrica. A racionalidade do capital é a de uma relação assimétrica. Trata-se de uma “racionalidade irracional” cuja condição normal é o “estado terminal”. 5º) O discurso dos economistas pertence hoje, de direito, à mesma ordem do discurso dos padres e dos psicanalistas: esta é a conclusão a retirar do que foi dito no ponto anterior. 6º) O capitalismo sempre foi capitalismo de Estado. Deleuze e Guattari já o tinham dito em 1972, no Anti-Édipo, mas agora percebemos perfeitamente que o capitalismo nunca foi liberal. A crise grega mostrou-nos claramente até que ponto se deu a integração e a subordinação do Estado à lógica financeira: o Estado age por conta dos credores e das suas instituições supranacionais.

publicado às 08:32

O referendo grego

por jpt, em 06.07.15

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Nesta madrugada consulto jornais e FB e leio pouco e muitos sobre o referendo grego, imenso entusiasmo em Moçambique (onde alguém escreve que é uma realvorada da Humanidade ....!!!) e em Portugal (onde colegas-amigos não escrevem mas transpiram "amanhãs que cantam"). Entusiasmo-me, sempre gostei de oxi(´moros). Dou-me meia hora e mergulho em proto-adesão com os "espoliados do Mediterrâneo (norte)":

 

1 - 9 páginas (a dois espaços) em linguagem muito escorreita Georgios Kouretas, "The Greek Debt Crisis: Origins and Implications"; (recomendando dois textos acessíveis e de cariz abrangente: Reinhardt & Rogoff, "Growth in a Time of Debt" e "The aftermath of finantial crisis");

 

2- um texto curto: Manan Vyas, "The origin of the greek sovereign debt crisis" (no resumo final indexa seis pontos, nem todos oriundos da perfídia merkeliana);

 

3 - The Economist, 2011, The causes: a very short history of crisis;

 

E, para momentos de menor apetência de leitura, um filme de 2012, muito "pedagógico", um tom bem adequado à minha ignorância em coisas da economia. Decerto que haverá, na infinidade de textos sobre a matéria, outras versões com diferentes interpretações. Se alguém quiser deixar referências - que não sejam as festivas ou resmungonas - serão muito bem-vindas. A ver se eu melhoro  o mapa ...

 

Greek debt recession and austerity (part 1): A primer of why Greece is in a tough situation (more in future videos)

 

 

 

Greek financial crisis (part 2): What Greece could have done if it had its own currency

 

How and why Greece would leave the Euro (part 3): The pain and mechanics of leaving the Euro

Why Europe is worried about Greece: Why the Greek situation is scary for Europe as a whole

publicado às 07:17

Os limites

por jpt, em 28.06.15

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(A mulher ajoelhada vai ser assassinada com um tiro na cabeça, acusada de adultério. A seu lado o pregador, ali líder. Há um filme disponível mas não o reproduzo aqui.)

 

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 (Em Mosul um homossexual vai ser defenestrado mortalmente. Há imagens subsequentes, para quem precise de as perseguir) 

 

Há uns meses, após o atentado em Paris contra a revista "Charlie Hebdo", um ícone da esquerda cristo-marxista, Leonardo Boff, publicou um miserando texto apelando à censura e à auto-censura, afrontando o direito à blasfémia. O coro das concordâncias logo começou - eu mesmo assisti, pouco tempo depois, a um debate sobre o assunto no Museu Bordallo Pinheiro em Lisboa, em que o moderador, o então presidenciável Guilherme de Oliveira Martins (presidente do Centro Nacional de Cultura), e que "toda a gente" em Lisboa muito respeita, culminou em tom suave explicitando exactamente isso: que há limites (de "inteligência" e "bom gosto") à blasfémia. Sem que algum dos participantes (3 conhecidos cartonistas) ou ouvintes (uma sala cheia) se insurgisse, apesar do mui solidários que ali se apresentavam ... Entenda-se, no início do debate um dos espectadores explicitou muito bem quais são os limites à liberdade de expressão: os estabelecidos na lei. O antigo ministro socialista (e quiçá futuro) sorriu cordatamente, concordou, e conduziu o debate culminando, com o mesmo sorriso cordato, explicitando exactamente o contrário. A audiência, nitidamente do gauchisme pequeno-burguês (intelectuais liberais [aka franco-atiradores] e funcionários públicos), que enchia a sala, aplaudiu sob a hipnose que lhe é característica. O único espectador com arcaboiço (o que falara no início) já saíra e eu não tive armadura moral para pontapear a perfídia do ministro guterrista ("toda a gente em Lisboa muito o respeita", e isso massacra este torna-viagem).

 

Entretanto no muralismo-facebuquista o texto do padre Boff tinha sucesso. Os mais indignados dos indignistas partilhavam-no entre loas. Para mim foi "cada tiro cada melro", cada um que o partilhava era cada um que eu apagava das minhas ligações, e a alguns com verdadeiro espanto em encontrá-los assim. Podemos concordar ou discordar com algumas questões mas isso não nos afasta radicalmente do contexto democrático (como exemplo crucial, a pena de morte). Mas o direito à blasfémia é outra coisa, é um dogma da democracia, basilar. Pois nesta, como então tão bem disse Nick Clegg, à época vice-primeiro-ministro britânico, "não temos o direito de não sermos ofendidos". Por isso para mim, talvez num dia de particular mau humor, nem dúvida houve: cada tipo/a encantado com o totem da "teologia da libertação" a pregar os limites à blasfémia estava para além da democracia, aparecia como um arauto da censura, um colaboracionista. Não os quero à minha mesa da taberna. Que vão pregar "alter-globalizações" para as masmorras. Democráticas.

 

Avante. Lembrei-me disso nesta madrugada. A propósito da actual crise grega vejo pessoas conhecidas, e até um querido amigo, a dizer que "as instituições europeias" ou a "troika" são tal e qual / piores do que o ISIS. Tão terroristas como ... É certo que há muitos holigões por aí fora, bem para além do futebol, e tanto grassam no botar sobre coisas políticas. Um tipo encolhe os ombros. Mas que dizer ("que fazer?", como dizia o Ulianov) quando são os amigos verdadeiros? Que pensar quando intelectuais que penso consistentes, juristas renomados, dizem uma aleivosia destas? Para além de todos os limites do auto-respeito? Corto relações? Envio um email apelando a que se desloquem para uma qualquer genitália, da parentela se possível? Escrevo às respectivas famílias para os levarem ao médico?

 

Blogo. E digo-lhes para googlarem ISIS. E também para se calarem durante umas semanas. Durante o verão a norte. E durante o inverno a sul. E depois voltem, para mais umas patacoadas. Para levarem mais uns carolos. Pois assim, para além de todos os limites, de facto o palrar deles não vale nada. 

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publicado às 05:44

Boat people

por jpt, em 09.06.15

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Assisti ontem a um interessante debate sobre a vaga migratória no mar Mediterrâneo, precedido de um pungente filme maltês sobre as desgraças acontecidas. Mais me apela ao bloganço o debate acontecido, um pouco na sequência do fluxo de notícias e comentários dos últimos tempos sobre esta matéria. Fundamentalmente porque muitos dos argumentos pró-abertura total das fronteiras me fazem torcer o nariz. Sei que esse meu franzir do cenho leva muito bom lisboeta a meter-me logo no grupo dos "xenófobos nacionalistas" (e de nada servirá puxar dos meus galões de imigrante durante duas décadas ... e de futuro imigrante, se esta carcaça aguentar).

 

Quando eu era miúdo foi a vaga "boat people", fugidos ao comunismo vietnamita. E bem depois a dos fugidos ao comunismo cubano. Memórias tétricas, um bocado apagadas pelo tempo. A gente sabe das vagas "road people" going north na América e going south na África abaixo do Sahel. O pior agora é a vaga boat people dos rohingya, fugidos da Birmânia - pior, acima de tudo, porque abanam o argumento europeu, o da primazia da malvadez ontológica europeia (as known as ocidental). Pois hoje em dia a questão apela a isto: a União Europeia é má pois não abre as portas. Que a gente diga isso tudo bem, a cada um a sua verborreia. Que um diplomata estrangeiro venha dizer isso, ainda que num quase jocoso tom, num debate lisboeta chateia-me.

 

São as fronteiras artificiais? São os fluxos migratórios uma constante da história? Ok, ok. São os migrantes todos refugiados, de algum modo? Hum ... isso é um patois de agit-prop, e de ong em busca de subsídio. Mas sim, de certa forma, também é uma verdade substantiva.

 

Mas acima de tudo esta ladainha do "direito ao asilo" esconde duas coisas. A primeira é a apetência pelos fluxos de mão-de-obra barata (e tendencialmente dessindicalizada) - ontem mesmo uma das participantes no debate referia a crise demográfica europeia e a necessidade de mão-de-obra para manter os "nossos" sistemas. A esquerda (bem-intencionada, e assim demoníaca como sempre) nem resmunga diante destes argumentos, preocupada a fazer piquetes contra os "xenófobos nacionalistas".

 

A segunda coisa escondida, que não dá jeito nenhum à conversa arejada e multicultural, é o direito ao "desasilo", ao direito às pessoas viverem onde estão, de onde "são". E isso implica pensar, neste mundo confuso, no direito à ingerência, em intervir alhures, em modelo subordinado ao desenvolvimento e à oposição aos regimes e movimentos rapaces. Ora isso choca sempre com aquilo de (estes) europeus sempre criticarem as intervenções externas e as não-intervenções externas desenvolvimentistas ou militares, sempre vistas como neo-coloniais ou neo-imperialistas. Pois faça-se o que se fizer o fundamental é criticar o poder de cá, o "nosso". É uma cosmologia umbiguista, evidentemente. E, claro, apoiar que essa gente venha para "cá" fazer os trabalhos que a gente não quer fazer, e ter os filhos que a gente não tem.

 

É cool. E nada imperialista, já agora ...

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publicado às 00:43

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A foto espalha-se nestes últimos dias, demonstrando o triste estado do mundo actual. No Rijksmuseum de Amsterdão um grupo de adolescentes vira as costas e baixa a cabeça diante do "A Ronda Nocturna", obra-prima de Rembrandt, mergulhando nos telemóveis, distraídos nas múltiplas redes sociais. É a alienação das jovens gerações, algemadas na globalização à ilusão do "estar em contacto", à vacuidade tecnocrática. De facto isto é o ambiente produzido no neo-liberalismo, a redução das políticas públicas de educação, de sensibilização cultural, do amadurecimento intelectual necessário à constituição da cidadania. A redução dos seres a meros consumidores do inútil imediato, verdadeiros servos da lógica do lucro.

 

Haah, mas ... ah, afinal? ... Uma turma de estudantes, de cadernos abertos, a consultarem os suportes informáticos informativos disponibilizados pelo museu (as actuais "folhas de sala")? Raisparta, que não dá para protestar ...

 

Mas não é por isso que deixo de ter razão, o mundo cada vez está pior. Dantes é que era ...

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publicado às 09:46

Berlim

por jpt, em 09.11.14

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Já passaram 25 anos! Dia para recordar a euforia de então, uma euforia que era também alívio.

 

Já passaram 25 anos, envelheço, envelhecemos. Talvez por isso tamanha é a dificuldade em fazer compreender aos mais-novos o desprezo por estes intelectuais "neo"-comunistas (trotskalhos, maoistas, e quejandos) embrulhados nas causas giras, fracturantes. E o repúdio aos leninistas agora keynesianos. E a irritação face aos "bem-pensantes" que os querem recuperar como companheiros de acção política/intelectual. Não é desatenção, a destes, é falsificação da história.

 

publicado às 02:54

Cidades

por jpt, em 05.11.14

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(População insurrecta, Budapeste 1956; Fotografia de Erich Lessing)

A 4 de Novembro de 1956 as forças do Pacto de Varsóvia entraram em Budapeste, reprimindo a vontade democratizadora ali efervescente. Correu sangue, bastante. Resistiu e assim reforçou-se a ditadura ali instalada desde o final da II Guerra Mundial. E noutros. Cerca de um ano depois Albert Camus escreveu (completo aqui): 

"There are already too many dead on the field, and we cannot be generous with any but our own blood. The blood of Hungary has re-emerged too precious to Europe and to freedom for us not to be jealous of it to the last drop.

But I am not one of those who think that there can be a compromise, even one made with resignation, even provisional, with a regime of terror which has as much right to call itself socialist as the executioners of the Inquisition had to call themselves Christians.

And on this anniversary of liberty, I hope with all my heart that the silent resistance of the people of Hungary will endure, will grow stronger, and, reinforced by all the voices which we can raise on their behalf, will induce unanimous international opinion to boycott their oppressors."

E viria a demorar mais de 30 anos para que algo mudasse naquele país. E em tantos outros dos seus vizinhos.

Neste 4 de Novembro de 2014, em Lisboa, vou a uma reunião de antropólogos. Serão mais de meia centena, pelo contexto e pelo conteúdo etário presumo que seja eu o único não doutorado. Ou seja, não há juniores na sala. O palestrante, um célebre americano, Arthur Kleinman, discorre, apresentando, suportado no sempre irritante power point, um anódino primeiro capítulo de um seu novo livro, qualquer coisa como uma história das ideias polvilhada de assuntos que o interessam. Oriundo da Ivy League alude, com algum pormenor prazeroso, como alguns dos seus antigos alunos e assistentes ascenderam a lugares de relevo nas sedes de Bretton Woods e no governo americano.

Para o final da sessão faz confluir essas suas dimensões, a de mestre formador de elites político-económicas e de intelectual analítico, e incita-nos a combater os efeitos da crise provocada pelo neoliberalismo. Explicita-nos, o mestre, o intelectual, que para tal tarefa não bastará convocar os recursos intelectuais e sociais da “social-democracia”. E que será necessário recorrer aos “comunistas”. As dezenas de meus colegas – decerto até porque entusiasmados com os trechos de citações que haviam lido no power point – aplaudem-no, alguns com notório gáudio.

Calo-me, enfastiado. Sei que de nada valerá perguntar ao velho retórico se para tão magna (e indefinida, já agora) tarefa ideológica e política, essa de combater o “neoliberalismo”, não será também de convocar outras derivas antiliberais, tais como o corporativismo – já que estamos na capital que foi de Salazar -, ou os comunitarismos de franca direita – como aquela nossa vizinha francesa, para exemplo actual. Ou até a doutrina social da Igreja - ter-se-á o mestre revolucionário esquecido dela? ou não a pensou relevante, neste país mariano?.

Calo-me enfastiado. Até entristecido. Na vazia cadeira a meu lado algum colega largara o jornal do dia. Na sua primeira página evoca-se o aniversário da invasão russa de Budapeste. E lembro-me que os meus Camus, e todos os meus livros navegam agora no Atlântico, num contentor torna-viagem partido de Maputo. E nisso constato que este é, mesmo assim, com estes aplausos, blasés que sejam, o meu país. Onde o atrevido mestre de Bretton Woods e da Casa Branca nos vem dizer, nesta capital europeia, que nos devemos unir aos comunistas. Com todo o desplante, até neste dia efeméride.

A sessão termina. Alguns, poucos, dos mais seniores vão jantar com o conferencista. Vêm-me convidar para isso. Minto uma desculpa, e escapo-me ao gringo. E, mais do que tudo, aos que o aplaudem. Regresso a casa, sozinho. E bebo metade do licor de ginja que ainda resta, o último frasco remanescente dos que a minha mãe deixou.

publicado às 01:24

As eleições do Brasil

por jpt, em 27.10.14

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(Quase) nada sei sobre o Brasil actual, assim como se a minha curiosidade vá de férias aquando sobre o país, sei lá porquê ... De quando em vez acciono no youtube um "Seu Jorge" de boa voz e ritmo, li e pouco gostei um escritor Buarque de Hollanda (reaccionário demais para o meu conservadorismo), li e gostei de Hatoum, li mas não é "a minha praia" Bernardo Carvalho, e não me lembro, honestamente, de qualquer outra pista que tenha obtido neste milénio. Ao longo dos anos fiz dois ou três amigos brasileiros mas pouco (ou mesmo nada) falamos sobre o país deles, centrados que estamos quando juntos nesse outro grande país austral que bem conhecemos.

 

Por isso pouco ou nada liguei às eleições brasileiras. Para quê opinar ou, pior do que tudo, tomar partido sobre algo que não se conhece? Ainda para mais num contexto político onde abunda a transversal influência dessas diabólicas seitas cristãs, malandragem encartada? Mas acabo agora de ouvir na rádio um breve excerto do discurso final do candidato derrotado Aécio Neves onde ele, como é saudável protocolo, saudava Dilma Roussef, a "presidente" eleita.

 

E nisso lamento a sua derrota. Pois, e repito, mesmo quase nada sabendo do que se passa naquele país, por esse mundo político afora pouco há que mais asco me cause do que a torpe demagogia daquilo da "PresidentA" que Roussef e seus sequazes andam para aí a apregoar. E que alguns colonizados mentais portugueses logo se aprestam a regurgitar ...

 

Mas, mais importante do que tudo, que a PresidentE reeleita seja benéfica para o seu país. Que reduza o abate, claro, em primeiro lugar. E, já agora, que o Brasil não seja tão agora-colonial naquilo da prosápia do Sul-Sul.

publicado às 09:15

Dia do professor moçambicano

por jpt, em 12.10.14

moça mapa.JPG

 

Hoje é o dia do professor moçambicano. Por isso mesmo, para os meus colegas, agora distantes, que se possam interessar aqui deixo um programa televisivo holandês (legendado em português), algo sumptuoso: "O Belo e a Consolação", 23 entrevistas feitas a grandes mestres, provenientes de várias áreas da reflexão. Todos ali a distribuirem material para que possamos pensar. No último episódio um debate alargado, precioso. Espero que os que aqui passem se agradem com esta partillha:

 

[George Steiner]

[Wole Soyinka]

[Stephen Jay Gould]

[Roger Scruton]

[J. M. Coetzee]

[Vladimir Ashkenazy]

[Edward Witten]

[Gyorgy Konrád]

[Martha Nussbaum]

[Tatjana Tolstaja]

[Gary Lynch]

[Leon Lederman]

 

[Karel Appel]

[Simon Schama]

[Jane Goodall]

[Yehudi Menuhin]

[Rudi Fuchs]

[Richard Rorty]

[Rutger Kopland]

[Elizabeth Loftus]

[Catherine Bott]

[Germaine Greer]

[Dubravka Ugresic]

[Debate Final]

publicado às 10:24

A Escócia

por jpt, em 17.09.14

 

Será bonito, amanhã, se a nação escocesa se independentizar. Não só por ser assim ser, se assim o for, um dia histórico na minha e nossas vidas. Mas por ser um dia da liberdade, do respeito devido. Com os tropeções todos que dela deriva, dele deriva. 

 

Canto pois, com mau sotaque:

 

O flower of Scotland
When will we see
Your like again
That fought and died for
Your wee bit hill and glen
And stood against him
Proud Edward's army
And sent him homeward
Tae think again
The hills are bare now
And autumn leaves lie thick and still
O'er land that is lost now
Which those so dearly held
That stood against him
Proud Edward's army
And sent him homeward
Tae think again
Those days are passed now
And in the past they must remain
But we can still rise now
And be the nation again
That stood against him
Proud Edward's army
And sent him homeward
Tae think again
O flower of Scotland
When will we see
Your like again
That fought and died for
Your wee bit hill and glen
And stood against him
Proud Edward's army
And sent him homeward
Tae think again
The hills are bare now
And autumn leaves lie thick and still
O'er land that is lost now
Which those so dearly held
O flower of Scotland
When will we see
Your like again
That fought and died for
Your wee bit hill and glen
And stood against him
Proud Edward's army
And sent him homeward
Tae think again

publicado às 23:09


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