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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
O 26 de Dezembro é-me habitualmente um dia estranho, um dia que garante uma estabilizada inércia para não dizer profunda preguiça, talvez causada por algum excesso gastro-vinícola para não dizer descarada gula, a qual é segundo os católicos um pecado. Ora trata-se de um pecado praticado em dia santificado e tenho dúvidas se posteriormente confessado com devido arrependimento. Glória a Deus nas alturas e rancho farto aos homens de boa vontade em regime de excepção, eis do que se trata.
Programa fácil neste 26 seria atravessar a rua e alinhar na nova febre consumista daquilo a que os anglo-saxónicos chamam "black friday" (e nós, uns poliglotas, também...), mesmo que a feira dos preços baixos e da renovação dos stocks de material em fim de linha ou de roupas de outras modas calhe a outros dias de semana que não a uma sexta-feira, mas a tradução é livre e a contento do comerciante e do comprador, e por cá, como tantas vezes, gostosamente se importou o truque com publicidade cúmplice descarada das tevês que tratam do assunto como notícia relevante. Se isto era bom e sem grande dificuldade mesmo com a carteira apertada, melhor ainda seria um salutar afogamento voluntário (note-se o contra-senso) em água das pedras esperando que o organismo se reabilite. Nada. Nada que sou um fraco e em vez de uma e da outra ideia peguei numa velha companheira que nunca recalcitra mesmo se a trato como bengala ou pretexto e fui dar um giro, coisa não muito demorada que o frio não me cai bem, uma passeata redentora sem rumo apontado. Já na rua e de máquina fotográfica à bandoleira - a tal companheira - lembrei-me de aproveitar para (re)ver os enormes painéis de azulejos na Av. Calouste Gulbenkian, coisa desenhada por João Abel Manta no início da década de 70 ( entre 1970 e 1972, segundo consegui apurar) e ali pespegados já em 1982. Tenho a vaga lembrança de ter ido ver aquilo de propósito ainda em tempo de faculdade, portanto ainda com os azulejos intactos e o graffiti selvagem por descobrir. Terá sido pouco depois da inauguração, talvez por meados de 83. Quantas vezes ali se passa motorizado e mesmo olhando não se vê o colorido intricado da obra maior... Bom, é melhor assim para não esbarrar no carro da frente obrigando a despesas desnecessárias as pobres companhias de seguros. Aproveitei o meio da tarde e fui a pé ver aquilo que merece ser visto e toca a queimar o reforço calórico da quadra, ou melhor, desmoer. Vista a azulajaria, desci mais um pouco até ao Vale de Alcântara para admirar o troço do aqueduto chamado das Águas Livres que por ali passa em arcaria extraordinária dividida por aquele que é considerado o maior arco ogival do mundo e que me parece que os alfacinhas, emulando os nova-iorquinos na sua relação com o Empire State Building, não realçam com a merecida atenção, passando por debaixo dele a bordo dos seus bólides com total indiferença.
Enfim, para desmoer o que restava fiz o regresso a casa pelas entranhas de Campolide, o edificado entre o decrépito e o renovado, detalhes aqui e ali com destaque para um estranho nicho (que eram, afinal dois...) com figuras várias, entre elas a de um Cristo crucificado escondido por duas imagens de Nossa Senhora, um Santo António de Lisboa com o Menino ao colo e um rei mago, tudo por cima de uma esconça oficina-auto de paredes exteriores pintadas de preto.
Tempo agora de ver passar os aviões em fim de tarde azul-escuro - memórias de outros tempos em que se ia à Portela esperar quem vinha ou ao bota-fora de quem ia... - ali perto da mesquita central de Lisboa, ecuménico que tento ser, para acabar a fazer uma fotografia das poucas iluminações de Natal no Bairro Azul que estoicamente aguentava um infernal trânsito de frequentadores satisfeitos com as suas aquisições no El Corte Inglès.
Fica aqui o registo de coisas singelas, de imagens e palavras sem pretensões para memória futura, nem que seja só a minha, destes tempos que atravessamos.
Dia de ressaca (de comeres, já não de beberes; e também da demoníaca radiculite que atacou na véspera e na vera consoada, com raiva pagã, anti-crista mesmo). Leio na "nuvem" (fb e blogs) várias invectivas, franciscanas-comunistas, contra o consumismo, gentes iradas com isto dos presentes, dádivas e contra-dádivas, amais as fartas e glutonas mesas, que conspurcarão o santo dia e o espírito de comunhão, veras traições à data, sintomas da decadência intelectual e até moral que vivemos.
Não deixo de reflectir. 24 horas quase não-stop entre vários eixos familiares implicaram-me excessos alimentares - ainda que hoje em dia coma e beba pouco, emagreço, estou preocupado. Adormeci no sofá à tarde, efeitos dos múltiplos voltarens talvez ..., para alguma vergonha minha. Gastei imenso, para aí 200 vezes mais do que tinha programado, entre brinquedos para os mais-miúdos, submersos em tralha, e ainda em queijos, cuscurões e sonhos que sobraram para o dia de reis, e pequenas lembranças, talvez até desgostadas, para os mais velhos.
E nisso tudo, eu, ateu convicto, enchi a "alma" entre (alguns dos) meus. Principalmente com aqueles que só vejo anualmente, nesta data.
E também por isso, neste dia de azia, não consigo deixar de resmungar ... não se poderão calar esses chatérrimos denunciadores, sempre céleres no "dever" opinativo. E, decerto, hoje tão flatulentes e pirosos como eu ...
A quadra natalícia é aquela em que mais se cultivam afectos puros e desinteressados e se apregoa a boa vontade entre os homens. Acresce que é nesta época que mais se deseja a tolerância, se exige a paz e se relembram com maior fulgor outras coisas boas para o nosso mundo como mousse de chocolate, rabanadas ou mesmo coscorões, isto em Portugal.
Sem outras considerações por ora, fica a lembrança de alguns faróis do amor pelo próximo, gente acusada, diga-se que com inteira justiça, de diminuir o número de habitantes do planeta em nome de qualquer coisa e de servir aos sobrevivos pratos cheios de privações acompanhados com doses maciças de sofrimento, gente que nos nos mostra afinal momentos de enorme ternura e compaixão. Uns corações de manteiga, eis a realidade.
Note-se que a ordem das fotografias é completamente arbitrária não respeitando ordem cronológica ou quantidade de vítimas destes exemplares.
Bom Natal e boa memória são os votos de hoje!
João Machado da Graça, o verdadeiro fundador do bloguismo em Moçambique, através do seu Ideias para Debate, tornou-se (como tantos outros) num aguerrido faceboquista. E foi naquele suporte, no reduto de uma também bloguista, que se insurgiu contra aqueles que atravessam hemisférios e planisférios nesta época do ano, em demanda de símbolos natalícios, esses que ele ele considera vácuos de sentido. Dele discordo, pois aos símbolos da quadra encontro-os preenchidos, abundantes de significados.
E o ma-schamba não larga o perú e continua natalício. Desta vez deixo a Jane Monheit fazer as honras da casa e mostrar como se deseja um Feliz Natal ...
E um Feliz 2014 para todos nós.
Aqui ficam os votos dos VA, jpt e mvf (residentes), AL, FF e PSB (incertos em parte ausente).
Neste 15º Templo que é o 2º dedicado à quadra natalícia, o bom Rod Stewart em grande forma e reformado da rocalhada (parece...) deseja-nos um óptimo Natal. O presente era para ter sido mostrado ontem mas o laçarote do embrulho atrasou tudo...