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Um sortido dos dias

por jpt, em 07.11.12

 

 

O meu texto de hoje na coluna "Ao Balcão da Cantina" no jornal "Canal de Moçambique" 

 

 

Um sortido dos dias

 

 

Sem assunto único esta conversa “ao balcão da barraca”, que os ventos trazem poeiras várias. Das pequenas e das grandes. Enquanto mastigo as moelas e beberico uma cerveja partilho as que mais me têm impressionado.

 

 

Feitiçaria: a crendice italiana. Não que esta surpreenda quem, como eu, cresceu na leitura de Astérix, essa genial criação de René Goscinny, também desenhado (e posteriormente abastardado) por Uderzo. Pois como sempre clamava Obelix, “estes romanos são loucos!!”. Agora mesmo, reclamando-se fiéis a essa condição, em alguns locais e eras até sagrada, sinal de convivência com deuses, eis que os tribunais italianos acabam de condenar seis cientistas a seis anos de prisão. Réus de não terem previsto o terramoto que devastou a cidade de Áquila, em Abril de 2009, matando mais de 300 dos seus habitantes, apesar dos sismos de baixa intensidade que o antecederam. Por isso mesmo aqueles membros da Comissão Nacional para Previsão e Prevenção de Riscos Maiores (oops, mau nome …) são agora “crucificados”. Acredito que os recursos jurídicos acabarão por os retirar das celas mas as carreiras e as mentes (a auto-estima, como agora pindericamente se diz) estarão já arrasadas.

 

A questão fundamental é até simples. Os sismos são imprevisíveis. A ciência actual, e a tecnologia-muleta, é (ainda?) impotente para os anunciar. Assim sendo estas condenações são um cume do irracionalismo, da crença cientista que as sociedades vão produzindo, essa volúpia de adivinhar e controlar o futuro. De o aprisionar. Podemos lamentar tanta destruição e a frustração daí decorrente. Mas não são elas que produzem esta decisão, que germina qual bolor do “ambiente moral” continental. Numa Europa neta do iluminismo, de suprema laicidade, muito se acredita nas previsões das ciências, se crê na possibilidade do omnicontrole, um totalitarismo vigente que sonha controlar sociedade e natureza. E nisso também se acredita(va?) nas virtudes divinatórias da ciências económicas, sempre estas vestindo-se como videntes (e, como tal, bem pagas). Pois agora, o generalizado estertor do modelo de “contrato social” entre o nacionalismo das massas xenófobas e corporativas (a “esquerda”) e o internacionalismo do capital financeiro globalizado e cosmopolita (a “direita”) provoca a ira dos que acreditavam no controle científico-totalitário do futuro, das sociedades. E da natureza. Pois, afinal?!, não só a economia se torce em desavindos haveres como a própria natureza se atreve a desobedecer, a tremer. A solução torna-se democraticamente simples, prendem-se os analistas. E queimar-se-ão os sismógrafos, se réplicas houver.

 

Tal como em tempos (ou mesmo hoje, e nada longe daqui) se apedrejam os fazedores de chuva incompetentes, pois impotentes face à seca. Ou se degolavam os maus oráculos, enganados por futuros diversos dos anunciados. Realmente “não há nada de novo sob o sol”, como se lê na Bíblia, previsão, essa sim, completamente certeira, a da continuidade da “natureza humana” no seu estuporado rame-rame.

 

Neste caso, na Itália do renascimento, lá se renova o populismo demagógico, obscurantista. Sob a capa democrática da separação dos poderes, da autonomia jurídica. Montesquieu dever-se-ia torcer. De asco.

 

Maputo: são cada vez mais frequentes as falhas de electricidade. Fosse eu dotado de talentos para o negócio abriria uma representação de uma marca de geradores, funcionais e acessíveis. Como sou só oráculo, vidente, é por este meu curandeirismo que sinto no ar, hum …, os espíritos dizem-me …, “vão comprar um gerador, que isto vai piorar”. Pois é notório que o crescente uso da energia eléctrica pela população (em absoluto, uma coisa muito boa) está a sobreesforçar as capacidades de fornecimento e/ou distribuição da EDM. O estouro está a ouvir-se.

 

Riscos: pouco haverá mais elogiável do que os bem-sucedidos que arriscam sair do seu conforto do sofá e entram no mato, em busca de si, de bocados de si que sejam. E nesse mato se picam (feijão-macaco que seja), se perdem, se resmungam, tropeçam. Na Kulungwana (na estação dos CFM) está a exposição “Viagens”, um dueto de Sitoe e Carmen Muianga. Sou franco, Sitoe deveria ali estar só. Artista de créditos no figurativo apaziguador, localizado, gostado e apreciado, entendeu-se inquieto. E entrou em “viagens”, a querer novos rumos. Posso resmungar com ele, que nem todos os caminhos dessas “Viagens” (instalação, 2012, 76 sacos de plástico com areia) têm que ser rectos e simétricos, e até espero que não o sejam. Mas é sempre muito bom, e repito-me, e contra o senso comum, ver gente a “entrar no mato”. E encontrá-la, suja, inchada, esfomeada, com novidades como as que Sitoe fez lá, bem escondido. Vale a pena ir à estação para cobiçar um sem/título de 2012, propriedade do artista. E prever, oráculo que sou hoje, que Sitoe continuará viagens, por caminhos pouco certeiros. Apetecíveis, por isso mesmo.

 

Xitimela: esta semana ficou pronto o museu dos caminhos-de-ferro, na estação dos CFM, lá na baixa. Adivinho que sou, prevejo também que iremos “bichar” para entrar. Pois não é todos os dias, nem todos os anos, que se inaugura um museu em Maputo.

 

Multiculturalismo: a entrega da HCB à sociedade moçambicana foi um acto de superior importância económica. E de suprema importância política e identitária, tanto que ficou inscrita na historiografia oficial dos dois países envolvidos como “reversão”, um termo aqui mitográfico, a sublinhar o quão importante momento foi esse (e não o deveria ter sido nos políticos do meu país Portugal, assim eles demonstrando nessa minudência a sua repugnante mediocridade, escandalosamente exemplificada pelo então presidente da assembleia Gama, aqui em Maputo ecoando a ideológica “reversão” enquanto visitava e elogiava o empresário do Maputo chópingue e o convidava a investir em Portugal).

 

Agora, 5 anos passados (já!) Beira e Maputo acolheram concertos organizados pela empresa para celebrar o aniversário, um bonito gesto. Estive no momento público do passado 1 de Novembro. A “Johannesburg Festival Orchestra”, um esquema musical ligeiro, apropriado ao tom festivo pretendido, apresentando quatro músicas moçambicanas que vêm desenvolvendo carreiras na aqui excêntrica “música clássica”: Stella Mendonça (voz, soprano), Sónia Mocumbi (voz, alto), Linda Paulino (instrumentista, contrabaixo), Kika Materula (instrumentista, oboé). Um programa agradável, também adequado a celebrar as quatro artistas nacionais, uma espécie de “greatest hits” com trechos de Bach, Vivaldi, Handel, Rossini, Mozart, Strauss, Verdi, Vanhal, e fomos para casa com um bis de “Belle nuit, ô nuit d’amour”, um sorriso de simpatia. Não é todos os dias por cá. Multiculturalismo, se se quiser chamar assim. Coisa boa.

 

Eu levei também sorriso, duplo, com o excesso de multiculturalismo. A HCB comemorou-se e foi mecenas, e a gente agradece. Mas aquilo que de passar os filmes de publicidade institucional (empresarial) enquanto a orquestra toca e as cantoras cantam não é exactamente necessário. Nem o tom adequado, há outras formas. Não que venha mal ao mundo. Mas isto de ouvir tocar o célebre “Danúbio Azul” de Strauss enquanto por detrás da orquestra o ecrã gigante mostra o filme da “responsabilidade social” da HCB ficar-me-á na memória, do inusitado que é. Ali a valsa percorrida e por trás os gigantescos bocejos dos hipopótamos residentes na albufeira, os enormes lagartos seus vizinhos, a passarada. E como se dançava, lá por Tete, com vibrante energia,o “nyau” (um must, para qualquer antropólogo como eu, em particular com aquela banda sonora). Cinismo sarcástico o meu? Nada disso. E, para que não me digam malevolente, os meus dons divinatórios apontam que daqui a cinco anos, na década da “reversão” da HCB o concerto clássico (talvez então, sonhemos, com uma sinfónica) não haverá filmes durante … talvez antes, talvez depois. Talvez nem isso. Que isto da elegância, sendo multicultural, ensina-se. Até aos do taco.

 

jpt

publicado às 09:19

A poesia e o acordo ortográfico

por jpt, em 19.10.12

 

Nelson Saúte neste seu recentíssimo "Livro do Norte e outros poemas" (edição Marimbique) distribui os poemas por cinco "livros". Andando pelo "Livro Terceiro", onde mais lírico surge, encontro este 

 

O espetador arrebatado


Duas insofismáveis pernas

incapazes de esclarecer o arrebatado espetador

que se enleva nos avatares da dança

na irremedimível geografia da sala.


E hesito. Saúte de súbito brejeiro, até mesmo perdido na charneca do mau-gosto? Ou, logo logo depreendo, apenas um poeta vitimizado, graficamente amputado, seu pobre corpo escanhoado pelo austero bisturi "lusófono"?

 

jpt

publicado às 11:26

Na próxima sexta-feira, dia 12 de Outubro, entre as 17.30 e as 19.30, no Hotel Polana serão apresentados dois livros de Nelson Saúte, publicados pela editora Marimbique. O novo "Livro do Norte e outros poemas" e a edição moçambicana de "Rio dos Bons Sinais" (que foi publicado em 2008 em Portugal e no Brasil, como aqui então referi), uma colecta de 10 contos.

Momento para ir buscar os livros, na próxima sexta-feira. Até porque, de notar, fontes bem informadas me avisam de que: a) não haverá discursos (fan-tás-ti-co); b) haverá "chamussas e etc." Até lá!

jpt

publicado às 11:23

O sítio PNET Literatura

por jpt, em 23.09.12
 

O Vitor Coelho da Silva administra a rede PNET, a qual tem integra várias iniciativas, entre as quais o PNET Moçambique, um agregador de blogs moçambicanos e sobre Moçambique no qual juntei largas centenas de exemplares (está algo desactualizado, e talvez seja assunto a merecer alguma atenção). É também no servidor informático da rede PNET que este ma-schamba está aboletado, num pavilhão de caça algo distante da casa senhorial.

Enfim, dentro dessa rede desde há quatro anos que brilha o sítio PNET Literatura, coordenado pelo Luís Carmelo. Múltiplos temas, notícias, textos, artigos, filmes, uma variedade rica de colaboradores (no princípio por lá andei, na curiosa figura de "correspondente" em Maputo, um quasi-greeniano título que muito me agradava apesar de não ser especialista dessa courela. Fui, depois, substituído pelo Nelson Saúte, alguém mais adequado ao papel). O PNET Literatura é um sítio excelente, recomenda-se.

E está vivo, pois acaba de anunciar ter cruzado o milhão e meio de visitantes. Em quatro anos, actualmente com um média superior a mil visitas diárias. Sem polémicas, nem troikas nem futebol. Para ler (sobre) literatura. Excelente, e parabéns ao Luís Carmelo, e a todos os seus colaboradores. E ao Vítor Coelho da Silva.

E também os meus votos de sucessos futuros (ou seja, muitas vendas) para o Tertúlia de e-books (mas porque razão os portugueses não dizem "livros-e" em vez deste apaneleirado e-books, que se vai tornando habitual?), um novo projecto da Rede PNET, que cruza com o PNET Literatura.

jpt

publicado às 09:57

Chega-me o último número da "Índico" (série III, nº 15, Set/Outubro 2012), a revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique que o Nelson Saúte tem vindo a produzir nos últimos anos, nisso fazendo um belo trabalho (eu sou suspeito, pois de vez em quando meto um texto, mas parece-me pacífico elogiar a revista).

Neste último número 3 destinos moçambicanos, tão belamente fotografados que aguçam a esperança da viagem: Mecúfi, Songo, monte Mecula (MVF será que ainda temos estofo para metermos uma mochila às costas e ir pelo país?, eu carrego-te as máquinas e tu fotografas ...). Depois um portefólio de fotografias do Funcho sobre "m'siro" (assunto que é a minha irritação de estimação, mas dá para provar que o apelo do exótico não é só estrangeiro). Como cumpre a uma revista de aviação tem destinos internacionais (Viena, Joanesburgo e Madagáscar). Um texto meu, "Kok Nam, o fotógrafo desassombrado" serve a apresentação de uma série de fotografias do Kok, uma homenagem da revista. Tem ainda um artigo sobre os murais de Malangatana, ecoando a recente publicação a eles dedicada, e um outro artigo sobre a expedição "Luanda-Maputo em bicicleta" feita por Pedro Fontes e que aqui agora realizou uma exposição fotográfica que, tal como o livro sobre os murais de Malangatana, foi coordenada pela antiga cônsul de Portugal em Maputo, Graça Gonçalves Pereira.

Uma bela revista, com o tom de revista de bordo. E apetitosa para os amantes do país e para os dele curiosos. Será pois de recordar todos os que têm interesse no país que a L.A.M. apresenta no seu sítio electrónico todas as 14 anteriores edições da III série da Índico (e esta última entrará no "sítio" quando for publicado o próximo número), e fá-lo de uma forma cuidada e pormenorizada. Basta entrar para ler (e ver). Não apenas informo. Recomendo.

jpt

publicado às 11:12

 

O dia está feio, e frio. E assim já se sabe que o apelo das escalfetas se impõe, sempre. Ainda assim será de convocar os vizinhos: hoje às 18 horas, no Kulugwana (estação dos CFM), há o lançamento da reedição do "Sangue Negro" de Noémia de Sousa, uma iniciativa da Marimbique (e, como tal, do Nelson Saúte, avatar editor), por ocasião do que seria o 80º aniversário da poetisa (fundacional).

 

Será de lembrar, sem rodeios, que tirando alguns escassos indefectíveis a sua poesia está algo esquecida. Mais uma razão para a gente se esquecer do frio de hoje (ou arranjar agasalho) e ir até à baixa, no fim da tarde. Ouvir, ler, até comprar. Até logo.

 

Para os visitantes aqui deixo o identitário "Bayete".

 

BAYETE

para Rui Knopfli


Ergueste uma capela e ensinaste-me a temer a Deus e a ti.

Vendeste-me o algodão da minha machamba

pelo dobro do preço por que mo compraste,

estabeleceste-me tuas leis e minha linha de conduta foi por ti traçada.

Construíste calabouços para lá me encerrares quando não te pagar os impostos,

deixaste morrer de fome meus filhos e meus irmãos,

e fizeste-me trabalhar dia após dia, nas tuas concessões.

Nunca me construíste uma escola, um hospital,

nunca me deste milho ou mandioca para os anos de fome.

E prostituíste minhas irmãs, e as deportaste para S. Tomé...


- Depois de tudo isto, não achas demasiado exigir-me que baixe a lança e o escudo

e, de rojo, grite à capulana vermelha e verde que me colocaste à frente dos olhos: BAYETE?

 

 

Quem tiver curiosidade para ler mais poderá encontrar uma dezena de poemas aqui.

 

jpt

publicado às 12:32

O rescaldo de 2010

por jpt, em 27.12.10

Esta coisa do rescaldo no fim do ano é um exercício, costumeiro, de arrogância insuportável. Para o fazer arma-se o indivíduo da omnisciência necessária à divindade, daquela que se apropriou do tudo acontecido na última nesga de tempo, aquela à qual os pobres, e humanos, humanos chamam "ano".  Na realidade sei lá o que se passou durante o ano, nem mesmo da minha vida - entre o distraído e o obtuso, e ainda para mais encerrado na acédia -, neste pior e maldito dos anos que agora termina, posso fazer o altaneiro resumo e elencar os piores e melhores momentos. Mas, ainda assim, trôpego vaidoso, deixo-me botar o que me fica de 2010:

 

Sobre os livros ... Na literatura que obra "a do ano"? "O Olho de Hertzog" de João Paulo Borges Coelho, pelo chorudo prémio (Leya) e pela atenção que (finalmente) convocou sobre a já extensa obra do seu autor - e que espero se possa traduzir em  ... traduções. E em leituras, deste grande escritor moçambicano. Mas também pelo "projecto" que o livro encerra, o manifesto - LM do início de XX como umbigo do mundo. Fantástico de amor, etnográfico e ideal, pela cidade. Excelente (desperdício) como utopia do país, de desautarcia, pelo desencerramento contrário à década que agora vigora.

 

Na "oratura" (é um termo que abomino, referindo-se a literatura oral) uma obra de relevo [e aqui tão rara], "Fábulas de Cabo Delgado", recolha sistematizada por Gianfranco Gandolfo (uma das figuras do ano) e retrabalhadas por António Cabrita (idem). Sou muito pouco simpático a este tipo de fixação (e formatação) das narrativas populares mas o trabalho está muito bem conseguido - resultante da sonolência generalizada esta fixação da literatura popular em língua maconde não teve discussão, nem de especialistas nem de jornalistas nem de "proprietários" (diga-se que obras já bem anteriores do género, de Lourenço do Rosário e Luís Filipe Pereira, também não provocaram discussão crítica). Gandolfo esteve ainda (um grande ano para este trabalhador silencioso) na produção do livro e da exposição Matias Ntundo. Gravuras 1982-2010, um dos acontecimentos em livro e em exposição do ano (esta na Fortaleza de Maputo), central no domínio das artes plásticas. António Cabrita (figura crucial no meio cultural actual em Maputo) esteve ainda noutros eventos, dos quais destaco o excelente (apesar da pobre impressão) "Kok Nam. O Homem Por Detrás da Câmara", com sua entrevista e organização. Obra crucial. E que espero seja antecâmara de um verdadeiro álbum sobre a obra do Kok, a quem alguma apressada miopia continua a reduzir a um mestre de reportagem, coisa que efectivamente ele não é. Sendo muito mais.

 

E o "Com as Mãos", do Luís Abélard. O Luís foi-se embora, cruel e devastadoramente cedo, mas deixou este seu encantado olhar sobre quem com as mãos nos encanta o mundo. Aqui. Inultrapassável livro. Textos dos melhores conhecedores de arte em Moçambique. E fotografias de 24 dos artistas moçambicanos.

 

No cinema João Ribeiro apresentou um filme, que não vi por razões de saúde. Decerto chegará o momento. Importante entender que a sua possibilidade brotou da inflexão dos financiamentos da União Europeia ao cinema africano. Nos últimos anos os caminhos esconsos (ditos lóbis, até com direito a acordo ortográfico) têm vindo a direccionar estes recursos para o cinema afro-francófono. No penúltimo processo o afro-lusófono foi alvo de vários financiamentos (o que já não aconteceu, dizem-me, neste último concurso), algo possível por razões de pressão política. A ver se tal caminho de financiamento continuará a ser percorrido.

 

Na imprensa dois factos. A passagem da "Índico", a revista de bordo da LAM, para a direcção de Nelson Saúte. Tendo-se tornado uma excelente revista cultural moçambicana, algo tão necessário e ansiado. E o facto do "País" publicar uma edição de sábado dedicado (quase)exclusivamente à cultura. Com valor flutuante mas muito significante que o jornal tenha feito esta opção.

 

Personagem do ano? Jorge Dias. Nos últimos anos tem sido o Curador do Museu Nacional de Arte onde constituiu com a sua directora, a excelente Julieta Massingue (pessoa única no exercício institucional), uma belíssima dupla, de sucesso, agitando e fazendo do Museu o sítio menos convencional da actual e convencional cena artística moçambicana. Entenda-se, ao contrário do que é quasi-universal, nestes últimos anos foi a grande instituição que serviu para agitar consciências e práticas artísticas no país. Este ano acolhendo (e produzindo) a Bienal do Muvart (Movimento de Arte Contemporânea em Moçambique), um passo em frente depois do relativo fracasso de há dois anos atrás, e mostrando que há caminhos percorridos (e não só "a percorrer") - ainda que a Bienal tenha sido uma realização passível de críticas, isso só significa a sua relevância. Para além da sua actividade de crítico artístico (do qual este jpt amador tantas vezes discorda) Jorge Dias apresentou ainda Transparências - muito valorizada por um excelente filme de Filipe Branquinho -, uma curiosa articulação entre a instalação programática (o corpo central) e falsa retrospectiva (antigas obras completamente reformuladas), que foi momento alto do ano na cena das artes plásticas. Agora termina o seu trabalho no Museu e segue como director da Escola de Artes Visuais (integrando a grande remodelação dos quadros estatais ligados à cultura). Se isso levanta algumas interrogações sobre que enfoque assumirá o Museu Nacional de Arte por outro deixa antever excitantes passos no ensino das artes aqui.  A ver vamos.

 

Acontecimento do ano? A construção civil em Maputo. Que virá a marcar a paisagem urbana da cidade e a auto-percepção da capital. A minha alma, se existisse, estaria em sangue.

 

jpt

publicado às 15:50

Desacordo Ortográfico

por jpt, em 13.09.10

[Reginaldo Pujol Filho (org.), Desacordo Ortográfico, Porto Alegre, Não Editora, 2009]

Colectânea com vinte textos de vinte autores, para se ver que segundo as palavras de Pujol Filho "As letras, as palavras, os sinais e as regras estão aí pra gente inventar com eles. Com acordo ou sem acordo ...". Livro desigual, claro, pois é-lhe característica. Diferentes gerações e nacionalidades (de decanos como Manoel de Barros, Luandino Vieira ou Luis Fernando Veríssimo a mais novos como Gonçalo M. Tavares ou o próprio organizador). Angolanos, brasileiros, portugueses, santomenses, e moçambicanos. Neste caso estão Rogério Manjate com "Jorogina e o Mar", e Nelson Saúte com "O Ministro de Deus" (um dos seus contos que prefiro). Doutro canto, mas também "muito cá de casa", e não só por razões avunculares, Patrícia Portela, com um trecho da sua fantástica cosmologia.

jpt

publicado às 18:45

Índico Electrónica

por jpt, em 13.09.10

Aqui referi a nova Índico, a revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique, uma nova série sob responsabilidade editorial de Nelson Saúte. E chega a informação que a revista, que vale bem a leitura, está já disponível para leitura através de edição electrónica.

jpt

publicado às 18:42

A nova Índico

por jpt, em 05.05.10

[Índico, Série III, nº.1, Maio-Junho 2010]

Este é o primeiro número da nova série (a terceira) da Índico, a revista das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Que passou a ser editada por Nelson Saúte, o qual logo a tornou algo distinta. Se a série anterior era muito capaz, enquanto mera revista de bordo, o novo formato eleva a Índico à revista cultural moçambicana, com toda a certeza a coleccionar (assinar?, ou a ir pedir às delegações da LAM?), algo que muito faltava no país. Veja-se este primeiro número, que surge com artigos evocando o mundial de futebol que o vizinho albergará e o trigésimo aniversário da companhia, neste caso com texto de José Luís Cabaço. Mas depois, e para além de alguns textos de ocasião sobre destinos turísticos, surge o núcleo duro. Luís Bernardo Honwana revelando-se como surpreendente fotógrafo. E textos de Eduardo White, Marcelo Panguana, Mia Couto, Nelson Saúte, Paulina Chiziane, Júlio Carrilho, Ungulani Ba Ka Khosa, uma selecção nacional das letras moçambicanas. E um cuidado, sempre discutível mas cuidado, roteiro da capital. Para além de escaparates dedicados à edição livreira e musical, bem como aos ateliers de artistas plásticos.

A desejar bons mares e bons ares à Índico. Para que assim se mantenha.

jpt

publicado às 16:01

Nesta terça-feira próxima, 3 de Março, será apresentado o livro "Nascido a 12 de Agosto - uma biografia", sessão a decorrer às 17.30 no espaço Kulungwana, na estação dos CFM, Maputo. Uma edição da Marimbique (a editora de Nelson Saúte), este livro é a auto-biografia (um pouco precoce? deseja-se que ainda se venha a produzir material para mais um tomo) do jornalista Lourenço Jossias. É, e isso saúdo, mais uma obra a integrar o surto de memorialismo que vem ocorrendo em Moçambique.

publicado às 18:47

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[Nelson Saúte, Escrevedor de Destinos, Ndjira, 2008]

Mais um atrevimento de Nelson Saúte. 36 "cartas" com destinatário afixado, crónicas em forma epistolar chamou-lhes avisadamente o poeta António Pinto de Abreu, também já memória autobiográfica de Nelson Saúte, traçando diálogo com as personagens que lhe foram marcos (Nogar, Craveirinha, Knopfli - do qual foi, com Francisco Noa, aqui paladino -, Noémia de Sousa, Albino Magaia, etc.) mas também que lhe são companheiros (como p. ex. Gemuce ou Simões, artistas trazidos para o "lado de cá" do mundo das letras). Com isto traçando um quadro, bem mais polémico do que a suavidade da forma deixa entrever em primeira leitura, do que vem sendo Moçambique. Arriscando até ser (ascender a?) cartilha de acção.

publicado às 02:01

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Com este "Rio dos Bons Sinais" (edição portuguesa D. Quixote, edição brasileira Língua Geral) regressa Nelson Saúte à ficção, oito anos depois da dupla "O Apóstolo da Desgraça" (contos, 1999) e "Os Narradores da Sobrevivência" (romance, 2000). Agora dez contos, com auto-retrato incluído e uma constante atenção pelos "dramas sociais": não no sentido de desgraças mas sim no seu sentido antropológico, as cenas ritualizadas que nos permitem descobrir o pano de fundo. E é nesse registo, em particular na sua apetência pelos funerais como microscosmos da continuidade da vida, que nos deixa sem qualquer exotização a dança entre o perene e o inovado neste Moçambique. Um olhar hoje único, no desprovido de moralização. E na escrita.

 "No cemitério de Lhanguene é frequente acontecerem coisas estranhas. À volta daquele cenário sórdido de campas profanadas, jazigos arrombados, caixões rebentados, campas injuriadas, os transeuntes pisam as sepulturas, atropelam as lápides, na azáfama quotidiana daquele lugar. Uns lá estão para chorar os seus mortos, outros lá vão para vigiá-los, sondar se os infortunados eram bem-sucedidos em vida, para  os exumar na primeira noite e deixá-los desprovidos dos seus derradeiros haveres." (p. 73)

publicado às 13:42

Rio dos Bons Sinais, de Nelson Saute - ainda não editado em Moçambique -, foi incluído na lista de 50 livros passíveis de serem premiados no Prémio Portugal Telecom de Literatura Brasileiras.

Entretanto já está escolhida a lista curta de dez finalistas, na qual a obra não vem incluída.

publicado às 14:06

Nelson Saúte no Brasil a lançar "O Rio dos Bons Sinais".(notícia, capa e textos alusivos também no Risos ... e no Mãos de Moçambique)

publicado às 00:06


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