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Maria Barroso

por mvf, em 07.07.15

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Morreu Maria Barroso. Conheci de raspão em meia dúzia de ocasiões, foi sempre muito simpática comigo mas não posso dizer mais do que isto. Sobre a sua vida pública tratam os jornais e a sua orientação ideológico-partidária pouco me interessa porque, pelo que  alguns amigos que a conheceram de perto sempre me disseram (e do pouco que vi), era uma Senhora, uma Amiga fiel como devem ser os Amigos e Mulher de enorme capacidade, o que ultrapassa, ou deve fazer ultrapassar, diferenças políticas. Fiz este retrato na apresentação da candidatura de Elísio Summavielle a presidente da Câmara Municipal de Mafra, um indefectível de Maria de Jesus Barroso, que aqui lhe exaltava as qualidades com uma energia extraordinária para o que imagino ser possível em idade avançada. Tenho algum orgulho neste retrato, um bom momento se me perdoam a imodéstia, que fica para eles, os seus Amigos, sobretudo para eles, como memória futura das pessoas relevantes  que nos vão passando pela vida.

publicado às 17:58
modificado por jpt a 12/8/15 às 10:55

As cartas anónimas

por jpt, em 06.01.04
Aqui longe vejo o meu país indignado, remoendo cartas anónimas e discutindo-lhe o estatuto, como se não fossem lixo. Até arma política as imaginam, arremessada contra a actual oposição. Com a sageza que lhe é natural Francisco José Viegas encerra no Aviz qualquer discussão sobre a matéria.

Mas antes vi uma perspicaz abordagem histórica de Helena Matos, nada do agrado de Vital Moreira no Causa Nossa, colocando o cerne na recepção das cartas e seu tratamento: “A questão do destinatário é crucial quando se trata de cartas anónimas. É o destinatário e não o remetente quem define a fronteira entre a dignidade e o aviltamento quando se trata de cartas anónimas...É [nele] que muda a natureza das cartas anónimas quando se trata de ditaduras ou democracias. É no destinatário que se inicia o processo de separação entre o que é apenas um reflexo do ódio e da maldade e o que é a expressão de um problema...”

Já que se apelou à história então surjo com a etnografia. Um episódio recente, tempos em que a oposição era poder, a querer-se prova de que estas tralhas e seus agentes não têm partidos. Mas têm outras coisas.

Há alguns anos trabalhei em Moçambique com um grupo de professores portugueses. Por razões várias, talvez mais logísticas que outras, neles grassava a inimizade. Fui de antemão avisado da regular emissão de cartas anónimas vituperando personalidades e comportamentos, e cujos detalhes denotavam uma autoria interna ao contingente. Logo recebi a primeira carta, e depois outras. Algumas fingindo um português básico de quasi-iletrado local, outras nem tanto. Comunicava-as aos visados, num quase jocoso “olhe, lá veio mais uma carta” que se cria e queria apaziguador de uma gente sempre receosa de que uma má imagem assim construída significasse a não renovação de contratos, esta sempre decidida com a tradicional subjectividade lisboeta, tão tortuosa é ela. Se os visados as queriam ler faziam-no. E depois cloaca abaixo.

Entretanto uma nova direcção da tutela surgiu. Emanação pura de segmentos intra-partidários, praxis socialista oblige. E foi então que recebi uma comunicação oficial, o célebre "telegrama", contendo cópia de duas páginas elaborando sobre a vida pessoal de uma das professoras, entre as quais lembro ser denunciada a sua frequência da esplanada do Hotel Polana.

Carta anónima assim tornada elemento de arquivo, no seu dossier pessoal. E espalhada pelos diferentes serviços do ministério da tutela (e quem se nega a ler uma tralha destas?), assim aspergindo a senhora da universal dúvida, pois é radical o mandamento de que “não há fumo sem fogo” e as mais inócuas afirmações feitas acusações são sempre catalizadoras das imaginações.

Espantosa era ainda a instrução que acompanhava a cópia: “Queira comentar afirmações”. Lembro ainda a minha sucessão de pragas acompanhando a questão muda “mas porque raio não telefonaram?”, de modo a que se evitasse toda aquela sujidade assim tornada pública.

Hoje sei o quão enganado estava. Eram tempos em que, talvez preguiçoso, seguia o Kypling de "Prefiro pensar sempre o melhor das pessoas... é uma atitude que poupa muitos aborrecimentos", e tomei o acontecido como um erro, a inexperiência de académicos recém-chegados à gestão da coisa pública, ao comando de pessoas.

Sei hoje que não é assim, é algo muito mais profundo, que essa manipulação das anónimas atoardas é uma estratégia de gestão. Que uma carta anónima é apenas o cume da utilização da delação e da maledicência como mecanismos de controle e de avaliação profissional em instituições desprovidas de veras estratégias formais (burocráticas) para os realizar. Porque lhes faltam as competências e os objectivos. E assim, nessa total irracionalidade por vezes surda por vezes gritada, legitimando as práticas nepotistas no seio da administração. Por isso quando Helena Matos diz “É no destinatário que muda a natureza das cartas anónimas quando se trata de ditaduras ou democracias.” é fundamental lembrar que não são estes dois pólos, que vivemos numa democracia polvilhada de ditaduras parcelares, gânglios que acoitam e reproduzem as lógicas patrimonialistas e até étnicas (aí chamam-lhe regionalismo) que vão suportando o exercício do(s) poder(es).

A carta anónima é um corolário. Arma não de partidos mas sim de um processo de ademocratização. Amoral. E como tal muito mais perigosas, profundas, estruturais, do que este triste episódio aparenta. Pois agora explodem no reino da justiça. Referindo até, mas não sujando, o Presidente, símbolo e cidadão estimável (e do qual sou eleitor). E alguns dos seus pares, talvez sujando alguns, injustamente.Mas não posso deixar de lembrar todos esses que assim vivem e se reproduzem. Hoje por certo muito indignados com a aleivosia que tocou os respectivos patronos. Mas firmes, convictos, das suas práticas, prontos para o regresso que ambicionam.

Uma pequena nota final: a tal professora não viu o seu contrato renovado. Outros, em similares circunstâncias, ficaram.

publicado às 20:02


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