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Num grupo memorialista-bairrista do facebook reencontro hoje esta deliciosa (e tribal) memória, um texto já com 28 anos do Paulo Varela Gomes sobre uma "rua" dos Olivais, um tempo e uma fauna que conheci mais-que-bem. (Re)ler será para alguns, poucos, uma revisita. E para outros, se o quiserem, um pouco da Lisboa dos inícios de 1980s. Aqui deixo a ligação, pois há alguns anos foi reproduzido no blog Olivesaria: "Ideias de Rua" de Paulo Varela Gomes

Tudo derrapou, como então disse o Tiago? Estar-se-ia "perto do fim"?

publicado às 15:42

A "crise" e as "deslocalizações"

por jpt, em 30.11.10

Abaixo, e já há uns tempos, deixei uma palestra do académico britânico e marxista David Harvey, sobre a crise geral. Quem a tenha visto, e é bem interessante, poderá reparar o que acontece à argumentação quando Harvey chega à questão da actual deslocalização do capital, sempre vista como o mal dos males. O que nos diz o geógrafo britânico? Tal como tantos outros invectiva o neo-liberalismo, que a permite, insurgindo-se contra a ausência de controle (de fixação) do capital. "Não há algemas no capital", protesta. E explicando isso aponta o caso da Índia (é o exemplo que escolhe, e não nos poderá surpreender a particular atenção de um britânico nas actuais passadas do velho Raj). Pois Harvey, tal como tantos outros, quando chega a esta faceta da problemática sai abruptamente da economia, esquece-se da sociologia e restringe-se à moral. Tão analítico é em tudo o que é anterior (e a animação do filme é interessantíssima) mas suspende-se neste ponto. Para ele o que é relevante no actual processo económico na Índia - e por arrastamento de outros contextos nacionais - é a explosão de bilionários [entenda-se, o cristo-marxismo pune moralmente a riqueza]. Nada mais. Nem uma palavra sobre todas as outras transformações na Índia, ou nos países que vivem situações similares. E nem uma única sobre o que provocava a assimetria nacional de acesso ao capital. Sobre o processo histórico daquilo a que podemos chamar, glosando um teórico porventura lido pelos harveys deste mundo, "acumulação moderna de capital".

 

Há algum tempo Paulo Varela Gomes, prestigiado intelectual português que tive o prazer de conhecer na minha juventude, escreve esta "Declaração". Foi publicada no jornal Público (23.10.2010) e deixo-a aqui numa transcrição num blog pois as ligações aos jornais são muito breves. PVG propõe aos seus patrícios a desobediência civil-financeira em protesto contra o empobrecimento (pauperização? proletarização?) a que estão votados. O interesse do texto é o facto de também ele (no fundo como todos os que navegam nestas áreas) se amputa, uma autofagia intelectual. A insurreição de PVG é como a de Harvey, contra os Estados europeus (no caso de PVG contra o Estado português) por não serem capazes de aprisionar o capital nas suas fronteiras, de serem porosos, assim provocando o empobrecimento dos trabalhadores europeus, a crise do "estado social" (expressão muito em voga nos últimos meses) por via da deslocalização de capital. Harvey ainda resmunga contra a explosão de bilionários indianos mas PVG nem refere o assunto das mudanças exo-ocidentais.

No caso de PVG ele aponta um caso doloroso do seu empobrecimento, deixou de comprar livros. Compreendo-o perfeitamente, há algum tempo que passo pelo mesmo, o salário que ganho não me permite comprar livros e isso - mesmo que em absoluto não seja dramático - choca com uma concepção de vida, de consumo. O "ethos" e o "pathos" académico posto em causa, a interrupção da volúpia do afagar novas capas, do êxtase do folhear é bem pior do que o "coito interrompido".

Mas o que ninguém gosta de recordar é que falamos de "ethos" e de "pathos" académicos de um determinado contexto, assente numa histórica manipulação e concentração dos recursos [por exemplo, quando é que os académicos moçambicanos tiveram rendimentos suficientes para brotar uma cultura profissional bibliófila e bibliofágica?]. O eixo de entendimento é o mesmo. Em Harvey ou em PVG a transferência de capital para o "terceiro mundo" é um mal, pois gera diferenciação social e até riqueza (Harvey) e pune o trabalho ocidental (PVG). Não há uma palavra sobre o facto da anterior deslocalização que favorecia algum trabalho ocidental em detrimento de outro (a Siemens, a Renault, a Toyota em Portugal, p.ex.) ou do acordo histórico que punia o trabalho do "terceiro mundo" através da sua exclusão radical da sua industrialização, por via da perenidade da "localização" do capital, por via da exclusão racial. Ou seja, por via de um "compromisso histórico" assente na exclusão racial.

A ideologia castafioresca, o "vejo-me tão revolucionário e tão analítico neste espelho", morre assim. Pela tecla. Onde borbulham as mais coloniais concepções do mundo. Amputadas, repito, daquele "pós" que tanto as sossegava e legitimava.

jpt

publicado às 15:38

Em Goa

por jpt, em 25.01.08

boas memórias (e já longínquas) têm de Paulo Varela Gomes agora ecoadas no Ana de Amsterdam. Ainda bem. E ainda bem que têm eco.

publicado às 18:04

Textos para ler

por jpt, em 19.09.07

Uma crítica a "Campo de Trânsito" de João Paulo Borges Coelho, assinada por Teresa Sá Couto. Um livro de que se tem falado bem menos do que esperei.

 

Sobre a apresentação na Ilha da exposição "A Ilha de Moçambique a Preto e Cor", de Luís Abelard e Sérgio Santimano, no 2+2=5.

 

Paulo Varela Gomes sobre os Olivais, um texto no Blitz de 1985.

publicado às 06:21

Sobre o incêndio português. Ouvi ontem na RTP Marcelo Rebelo de Sousa referir um artigo de Paulo Varela Gomes. Chamou-me a atenção, não vejo o PVG há cerca de 15 anos e não o leio desde que fechou o Cristovão de Moura. Coisas da distância. E do tempo a passar.

Hoje recebo-o no e-mail, a este "Os incêndios do regime", um envio colectivo de um tal "então é assim" (como abomino estas coisas anónimas): Aqui o deixo, para meu registo, e para quem não tenha passado pelo ditoso jornal.

[E se calhar é ele o destinatário da interessante entrada (também) sobre o "independentismo fanático" que o WR deixou no Forum Comunitário. Esse decerto que de gentes desiludidas. Mas as quais não se desiludem com o que "está na cara"].

Os incêndios do regimePaulo Varela Gomes(Público, 11-08-05)

O território português que está a arder - que arde há vários anos - não é um território abstracto, caído do céu aos trambolhões: é o território criado pelo regime democrático instalado em Portugal desde as eleições de 1976 (a III República Portuguesa). Está a arder por causa daquilo que o regime fez, por culpa dos responsáveis do regime e dos eleitores que votaram neles.

Ardem, em Portugal, dois tipos de território: em primeiro lugar, a floresta de madeireiro, as grandes manchas arborizadas a pinheiro e eucalipto. A floresta arde porque as temperaturas não param de subir e porque, como toda a gente sabe, está suja e mal ordenada. Não foi sempre assim: este tipo de floresta começou a crescer nos últimos 50 anos, com a destruição progressiva da agricultura tradicional, ou seja, com a expropriação dos pequenos agricultores, obrigados em primeiro lugar a recorrer à floresta pela ruína da agricultura, para, depois, perderem tudo com os incêndios e desaparecerem do mapa social do país. Também isso está na matriz da III República: ela existe para "modernizar" o país, o que também quer dizer acabar com as camadas sociais de antigamente, nomeadamente os pequenos agricultores. Em 2005, os distritos de Portalegre, Castelo Branco e Faro ardem menos que os outros e não admira: já ardeu aí muita da grande mancha florestal que podia arder, já centenas de agricultores e silvicultores das serras do Caldeirão ou de S. Mamede perderam tudo o que podiam perder.O segundo tipo de território que está a arder, em particular neste ano de 2005, é o território das matas periurbanas, características dos distritos mais feios e mais destruídos do país: os do litoral Centro e Norte. Os citadinos podem ver esse território nas imagens da televisão, a arder por detrás dos bombeiros exaustos e das mulheres desesperadas que gritam "valha-me Nossa Senhora!": é o território das casas espalhadas por todas as encostas e vales, uma aqui, outra acolá, encostadas umas às outras, sem espaço para passar um autotanque, separadas por caminhos serpenteantes, que ficaram em parte por alcatroar - é o território das oficinecas no meio de matos de restolho sujo de óleo, montanhas de papel amarelecido ao sol, garrafas de plástico rebentadas. É o território dos armazéns mais ou menos ilegais, cheios de materiais de obra, roupas, mobiliário, coisas de pirotecnia, encostados a casas ou escondidos nos eucaliptais, o território dos parques de sucata entre pinheiros, rodeados de charcos de óleo, poças de gasolina, garrafas de gás, o território dos lugares que nem aldeias são, debruados a lixeiras, paletes de madeira a apodrecer, bermas atafulhadas de papel velho, embalagens, ervas secas. É o território que os citadinos, leitores de jornais, jornalistas, ministros, nunca vêem porque só andam nas auto-estradas, o território, onde, à beira de cada estradeca, no sopé de casa encosta, convenientemente escondido dos olhares pelas silvas e os tufos espessos de arbustos, há milhares - literalmente milhares - de lixeiras clandestinas, mobília velha, garrafas de plástico, madeiras de obras (é verdade, embora poucos o saibam: o campo, em Portugal, é muito mais sujo que as cidades).

Este território foi criado, inteiramente criado, pela III República. Nasceu da conjugação entre um meio-enriquecimento das pessoas, que, 30 anos depois do 25 de Abril, não chega para lhes permitir uma verdadeira mudança de vida, e o colapso da autoridade do Estado central e local, este regime de desrespeito completo pela lei, que começa nos ministros e acaba no último dos cidadãos. É o território do incumprimento dos planos, das portarias e regulamentos camarários, o território da pequena e média corrupção, esse sangue, alma, nervo da III República.

É evidente que a tragédia dos campos e das periferias urbanas portuguesas se deve também ao aumento das temperaturas. Para isso, o regime tão-pouco oferece perspectivas. De facto, seria necessário mudar de vida para enfrentar o que aí vem, a alteração climatérica de que começamos a experimentar apenas os primeiros efeitos: por exemplo, seria necessário reordenar a paisagem, recorrendo à expropriação de casas, oficinas, armazéns, sucatas. Seria necessário proibir a plantação de eucaliptos e pinheiros. Na cidade, pensando sobretudo nas questões relativas ao consumo de energia, seria necessário pensar na mudança de horários de trabalho, fechando empresas, lojas e escolas entre o meio-dia e as cinco da tarde de Junho a Setembro, mantendo-as abertas até às oito ou nove da noite, de modo a poupar os ares condicionados - cuja factura vai subir em flecha.

Modificar os regulamentos da construção civil, de modo a impor pés-direitos mais altos, menos janelas a poente, sistemas de arrefecimento não eléctricos. Para alterações deste calibre - que são alterações quase de civilização -, seria preciso um regime muito diferente deste, um regime de dirigentes capazes de dizer a verdade, de mobilizar os cidadãos, de manter as mãos limpas.

Vivo no campo ou perto do campo, na região centro, há já alguns anos. Há três Verões que me sento a trabalhar, enquanto a cinza cai de mansinho no meu teclado, em cima dos meus livros, no chão que piso. Não tenho culpa do que é hoje este país e o regime que o representa: militei e votei sempre em partidos que apregoavam querer outro tipo de regime e deixei de militar e de votar quando vi esses partidos tornarem-se tão legitimistas como os outros. Espero um rebate de consciência política por parte destes políticos, ou o aparecimento de outros. Faço como muitos portugueses: espero por D. Sebastião, desempenho a minha profissão o melhor que posso, e penso em emigrar.

[Historiador (Podentes, concelho de Penela)]

publicado às 10:28


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