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(N)Uma feijoada de lulas

por jpt, em 15.07.15

 

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É o 14 de Julho mas não francesamos. De manhã estupefacto-me e iro-me com mais uma dolorosa tenaz burocrática, a verdadeira malevolência em formato impessoal. E logo decido que é a última vez, desisto aqui. Sigo para almoço, com duas amigas já de longa data, coisas de partilharmos Maputo. Uma por lá, agora há já década e meia, outra já cá depois de décadas fora do país. É ela que nos presenteia com uma opípara feijoada de lulas, saborosíssima. Eu voraz, elas senhoras. Falamos, nós ambos, os por cá, esmagados. A nossa amiga dizendo-nos talvez exagerados, propondo-nos outro olhar. Nós a lembrar-nos do quantas vezes teremos dito isso ao longo dos anos a outros então já torna-viagem. Mas agora a resmungarmos minudências, incapacitados. São estas que mais me ferem, a lembrar-me dos quantos dos nossos serões d'antes, passados a resmungarmos e analisarmos, com paixão e veemência, as majorências, aquilo do mundo. Mas agora assim, nós tão mais menos. Já não sei se sou eu se a dona da casa que nos resume, mas é como sendo nós um coro: "Este país não é para velhos!", e já o somos. Como três pratos da feijoada de lulas. Depois, um pouco depois, bebo uma água das pedras, velho gasto que estou. E fico a matutar, o quanto preciso eu de passar a beber "soda water"´. Não há outra via.

publicado às 00:54

Sócrates, a prisão e o Benfica

por mvf, em 17.01.15

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 A comunicação social dá conta que José Sócrates mantém uma luta feroz com o regulamentado na cadeia de Évora, estabelecimento onde é mais conhecido por 44, coisa que não lhe será estranha pois apelido de familia é coisa que nunca utilizou numa simpática proximidade, num tu-cá-tu-lá, numa, ainda que limitada, intimidade com o cidadão que decerto ao venerável leitor destas diatribes não escapou.

O caso agora relatado é algo complexo, de alcance jurídico-político-social duvidoso para incautos como este Vosso criado. Ao que se vai sabendo o 44 entrou para a choça com umas botas de cano, ao que parece curto - um tipo de calçado a que outros que não os eruditos jornalistas chamariam prosaicamente botins - mas os responsáveis da cadeia não querem saber disso para nada e proíbem o elegante e sofisticado recluso de as calçar, estabelecendo uma diferença entre as boutiques da Rodeo Drive ( Los Angeles) e o cárcere eborense que entendem, algo exageradamente, não ser uma colónia de férias. Por outro lado e muito bem, os advogados do 44, presumo que a pedido do próprio, pretendem que o seu constituinte enfie os delicados pés onde muito bem lhe apetecer e sem restrições. Não é conhecida a argumentação para a modificação da medida inibidora de uma das mais amplas liberdades individuais, ou seja, calçar-se a gosto, a contento do 44, mas a capacidade extrema até agora patenteada pelos causídicos por ele contratados leva-nos a ter a maior confiança na forma como irão descalçar esta bota, ou melhor, este par de botas, sabendo-se já que apresentarão a breve trecho um recurso junto da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que espera ter efeitos suspensivos sobre a utilização dos chanatos.

Não é nosso hábito brincar com assuntos delicados e sérios e estamos convictos que este é um combate digno de um homem que esteve tantos anos à frente do país com tão bons resultados como se tem provado  - esqueçamos por ora alguns deslizes menores como o aeroporto de Beja, já que no tocante ao processo do futuro aeroporto/ trapalhada da Ota é preferível passar um pano com Sonasol não vá alguém lembrar-se de pedir ao Costa de Lisboa neste ano em que pretende chegar aos comandos do governo da gasta Pátria, que explique a cerrada defesa da extravagante e cara solução numa posição que com a Câmara no regaço rapidamente abandonou..., as auto-estradas e estradas transformadas em scuts do interior do país que os automobilistas, teimosos como muitos e ingratos como poucos, insistem em não utilizar com a frequência esperada, alegando ser demasiado barato o pagamento por cada meia-dúzia dequilómetros desconfiando assim da qualidade da generosa oferta e preferindo utilizar as velhas estradas municipais que, apesar da falta de conservação, dão para os gastos, ou os mais de 150 milhões oferecidos a consultores sobre a viabilidade  do TGV  que ao não entrar nos carris evitou que mais 11 mil milhões de Euros fossem ao ar segundo o  insuspeitoTribunal de Contas... A talhe de foice, lembremos o que se gastou nos 10 - estádios - 10 (!) de futebol para o EURO 2004 do nosso contentamento e suas acessibilidades, responsabilidade directa do governo de António Guterres e do seu dilecto ministro que tutelava o desporto, o eminente Engenheiro José Sócrates. Essas contas, caladas, que puseram a corda ao pescoço de tantas autarquias deviam agora ser lembradas bem como o homem que segundo o 44 liderou todo o processo de candidatura à realização do evento, o Sr. Carlos Cruz, também ele preso. Na sua visão, como a de quase todos os presos e condenados de Portugal, uma injustiça, uma perseguição pessoal rotulada, também ela, como infame. Devia mesmo, e dando crédito a destacados membros da sociedade lusa (não confundir com a SLN, valendo o éne como negócios ou negociatas, do BPN), pensar-se em eliminar a Justiça ou, pelo menos, limitar-lhe a  daninha actuação quando agarra quem não devia, destabilizando interesses privados que são muitos deles públicos. Não chegando a esses extremos, a nossa proposta também aponta no sentido de deixar em paz e sossego os mais "poderosos" entrando com humildade por um postigo semiótico. Altere-se ligeiramente o que se entende geralmente como símbolo da Justiça, melhorando-lhe a imagem. Deste modo, voltar-se-ia atrás, aos tempos da Grécia pré-FMI/Tróica e a estatueta de Thémis (ou de Diké) destaparia os olhos para melhor ver as iniquidades que se vão praticando ou, numa versão mais rebuscada, trocar a conhecida venda (significante: tratar todos por igual, sem distinção, com imparcialidade) por um avental, uma espécie de manto diáfano à la Eça que se arranja em qualquer loja e que tapasse as vergonhas (entenda-se vergonhas como partes pudibundas).

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 A deriva já vai longa e não tem o estimado frequentador deste estaminé mais tempo a perder, roído que está de curiosidade e minado na sua infinita paciência. Aqui vai o que falta:

Aqui há uns dias o Sócrates recebeu uma visita de um seu correlegionário, desta feita não do Partido Socialista mas do Sport Lisboa & Benfica. Falamos do tão famoso como extraordinário "Barbas" que se tirou de trabalhos e foi visitar o 44. Para lhe alegrar a forçada estada levou como oferta um cachecol e um édredão da colectividade desportiva de que ambos são ferverosos adeptos. Acontece que o regulamento de uma cadeia pode ser diverso das congéneres mas, como se vê nas séries televisas policiais americanas, um cachecol pode tornar-se em perigoso adereço, servindo, por exemplo, para um gajo em desespero se enforcar, ser enforcado ou enforcar alguém. Assim sendo, talvez o 44 devesse agradecer o cuidado que com ele e com os seus companheiros de infortúnio vão tendo lá na choça eborense, magnífico exemplar do género que aqui há anos enquanto primeiro-ministro requalificou para melhor receber criminosos de outra estirpe, gente de outro gabarito, que não a do vulgar assaltante de beira de estrada, do pequeno traficante ou do típico carteirista da baixa lisboeta. Por vezes discutimos regulamentos sem conhecer os seus fundamentos. Como mero temos que a vetusta penitenciária de Lisboa (E.P.L.) não permite a entrega de uvas aos presos. Incrédulos perguntamo-nos a razão do que parece ridiculo mas afinal não mais é a pretensçao de evitar que o detento mais industrioso transforme o apreciado fruto em vinho, podendo com isso levar a estados de embriaguez mais adequados em discotecas e bares do que em casas de reclusão. Como este há outros exemplos regulamentados que sugerem haver alguma atenção à tensão que naturalmente existe numa cadeia, precavendo males maiores.

Com tudo isto não se pretende retirar qualquer mérito ao Papillon do Largo do Rato na sua luta incessante contra o estado da Justiça e no qual não terá reparado nos 6 anos de chefia do Governo. Perseguido agora como benfiquista que é, depois de o ter caçado como político como muitas vozes declaram e não como criminoso comum que a mesma Justiça entende ser. Qualquer dia ainda o perseguem como Testemunha de Jeová ou coisa assim...

Caramba! Perseguição política e também desportiva não está ao alcance de todos e inquieta o mais pacato contribuinte. Solidário que tento ser, entendo que todo o preso deve ter o direito a usar com orgulho e pundonor o cachecol do Benfica.

Força nas canetas Zé, nem que seja na esferográfica vermelha com que mandaste à merda todo um jornal numa das tuas missivas. A luta continua!

 

Post-scriptum:

a foto que ilustra o postal mostra interesses comuns entre Vale e Azevedo e José Sócrates aquando do Euro 2004 e não me altera minimamente  a infundada certeza que se trata de inocentes. 

publicado às 19:30

Reescrever a história

por jpt, em 22.04.14

 

 

Recebo por correio electrónico o que já vi nas redes sociais. Um texto "ir à Assembleia comemorar o quê, 40 anos depois?", escrito por Carlos Matos Gomes, militar também escritor, autor entre outros livros do conhecido "Nó Cego", sobre a sempre aqui recordada Operação Nó Górdio, um dos últimos espasmos militares portugueses na guerra colonial.

 

Ao ler um texto destes fico arrepiado, não por alguém o escrever, que há gente para tudo, mas pela sua difusão (e que amigos mo enviem, embrulhado em exclamativos elogiosos, como se concordando). Aos meus, que ecoam isto (e aplaudem), posso lembrar aqueles 3 "d"s de que se falou há quarenta anos: a "d"escolonização (que aconteceu - e não é aqui que vou discutir a semântica do termo); o "d"esenvolvimento (cuja essência é a incompletude e a realidade a sua não linearidade, factores que não podem apagar o quanto Portugal mudou); a "d"emocracia (aquele cinzento sistema, sempre imperfeito, mas que existe). É isso que me apetece dizer, repito, aos "meus" que se deliciam com as atoardas que julgam conjunturalmente úteis, como se estas sejam panaceias para a azia.

 

Para o "militar de Abril" escritor, que assim vergonhosamente bota, seria bom que alguém lhe dissesse "estamos a comemorar a paz, pá", a ver se se lhe aclara a tão selectiva memória. Apenas mais um a reescrever a história, julgando tal útil para o dia de hoje. Um negrume sublinhado por provir de quem tanto veio a escrever sobre a tola guerra.

 

publicado às 11:44

 

Desde 2011 que recebi imensos pedidos de informação de compatriotas desejando trabalhar em Moçambique. Não terei sido útil à esmagadora maioria, por vezes terei parecido antipático, mas sempre procurei seguir a máxima de nunca menosprezar quem necessita de procurar trabalho. Por compatriotismo mas também porque se houve algo em que Marx acertou foi no "Proletários de todo o mundo uni-vos!", mesmo que agora tenhamos colarinhos brancos e os capatazes sejam "doutores" das administrações públicas. No meu perfil da rede social Academia.edu tenho deixado textos antigos, aqueles que não cabem em blog pois nele não se justificam. Lembrei-me agora do texto mais pessoal que já escrevi, apesar da retórica quase-académica. Tem onze anos, então um período profissional terrível para mim (mas pessoalmente glorioso). Está velho, que muito no mundo mudou. Mas fica para os compatriotas que ainda buscam trabalho algures: para isso nunca confiem no vosso Estado (e tantos ainda me falam nas possibilidades da "cooperação"). Não por causa dos políticos. Mas mesmo por causa da "administração pública". Que é gente, de corpo e (sem) alma.

 

Fica aqui a ligação para o "Antropologia de um Projecto de Cooperação. (Auto)História de Vida de um Candidato a Cooperante". É um texto meio maluco, iradíssimo. Nota-se na forma. Mas não no conteúdo, "cristalino como o cristal". Custa-me a memória de tê-lo escrito. Ainda bem que o escrevi.

publicado às 15:48

Espionagem

por jpt, em 26.10.13

 

O avanço de Obama para a presidência foi simpático, principalmente pela afronta aos preconceitos racistas, nos Estados Unidos tão misturados com o fundamentalismo cristão popularucho. Mas teve um lado oposto, mais para a minha terra, sintomático que foi da imbecilidade militante de alguma esquerda, identitarista, caída de fervores pelo obamismo. "Eu sou obamista" passou a ser um pin político, "alfinete de peito", iman de geleira, de qualquer candidato a colunista do "Público" ou de comentarista fedorento.

 

À revelia do real Obama, "Obama" é, olhando Portugal, um símbolo do vazio intelectual da primeira década de XXI. Lembro-me disso agora, quando se sabe que os EUA andam espiando tudo e todos, uma série de políticos aliados, etc. O que diriam os democráticos identitaristas, os teclistas do eixo BE-PS, se o presidente americano fosse Bush, pai, filho ou irmão? Sendo este devem estar a alisar os posters, lá nos quartos adolescentes. Retardados.

 

E os outros continuam a lê-los. E a rir-se das piadinhas na TV. Retardados?

publicado às 05:01

O tempo não volta para trás

por mvf, em 19.10.13

O tempo desta vida parou para António Mourão. 
António Mourão, nome artístico de António Manuel Dias Pequerrucho, enorme cantador de Fado, saltou para a ribalta quando no teatro Maria Vitória entrou na revista (à portuguesa) "E Viva o Velho" com o que veio a ser o seu maior êxito "Ó Tempo Volta para Trás" e um dos grandes sucessos de sempre da música feita em Portugal e ao contráro do que a agência Lusa lançou e alguns orgão de comunicação por arrasto e preguiça noticiaram - devem ter ido beber a essa fonte fidedigna que é a Wikipédia..., "Ó Tempo Volta para Tás" não é da autoria de António Mourão e sim da dupla Manuel Paião e Eduardo Damas. Enfim, o rigor é o que se vai sabendo... Siga a marcha: Mourão começou o percurso profissional pela mão da fadistíssima Argentina Santos no "Parreirinha de Alfama", passou pelo Casino Estoril e actuou diversas vezes no estrangeiro, estando tão à vontade na interpretação de fados clássicos ou fados-canção, como no folclore ou  ainda em temas da música dita ligeira. À disposição no tubo estão sucessos com "Chiquita Morena", "Mãe", "Meu Nome é Ninguém", "Uma tarde em Salvaterra", uma óptima versão de "A Noite" ou "Estranha Contradição". Ficam aqui registos destas últimas composições e, obviamente de "Ó Tempo Volta para Trás" com a orquestra de Jorge Costa Pinto a acompanhar, numa singela homenagem, infelizmente póstuma, ao cantador que, apesar da enorme aceitação do público, passou de estrela a fascista e reaccionário após o 25 de Abril, já que a malta fixando-se no refrão que é também o título conhecido, já nem ouvia o resto da letra, achando que era um apelo à contra-revolução e um sinal para retomar o curso interrompido da longa noite fascista... Bom, mas nesses tempos revolucionários o Fado, por mais explicações que se tentem para tamanha estupidez, foi considerado uma forma artística nacional-salazarenta, fascizóide e portanto retrógrada, uma canção maldita, com Amália e Mourão, apontados como principais vozes subversivas da doutrina, enquanto Carlos do Carmo rapidamente se despegava das ridículas noções, ficando conhecido aquando do seu mal conseguido restauro capilar e com enorme graça, como o "Capachinho Vermelho. Aliás, o Fado, que agora é incensado por muitos dos que o apedrejaram num conhecido hábito de trocar a casaca conforme o vento lhe dá nas abas -, foi a par de Camões e do Gama das Descobertas, enfiado no mesmo saco bafiento da longa noite fascista. 

 

                                                               

                                                               A Noite 

                                                               

 

 

                                                               Estranha Contradição

Ó Tempo Volta para Trás

 

 

publicado às 20:18

Rêgo pr'á Coina, já!

por mvf, em 18.09.13
Não é minha intenção influenciar qualquer sentido de voto, indicar uma prefeência, mas simplesmente mostrar que os independentes, à custa sabe-se lá de quê, conseguem o seu lugar nesta luta geralmente assente no sistema partidário. Não é, portanto, um manifesto de apoio particular a esta candidata, sendo certo que acarinho a vontade, apreciando sinceramente, que a simpática Coina tenha alguém que defenda a sua saúde, educação e qualidade, que pugne pelo seu bem-estar, momentos de lazer e saneamento. Eis pois, as linhas mestras que Virgínia Rêgo quer implementar na Coina.
A Coina merece!

publicado às 11:53

Quero ver Portugal na CEE

por mvf, em 22.03.13

Fiz esta fotografia por volta de 86, com um Soares anunciando a entrada na então CEE como se de um vulgar detergente se tratasse e como se fosse ele o único responsável pelo processo. Talvez o caso não fosse para menos, a felicidade do sonho europeu, leia-se o dinheiro que entraria a rodos ( e não seria preciso contabilidade organizada para justificar os gastos... ), resolvia o estado em que Portugal se encontrava, passados que eram uma dúzia de anos sobre a revolução de 25 de Abril de 1974, um PREC - que agora alguns querem à viva força recuperar como um tempo de felicidade e progresso, embotando a memória de outros tantos que são, afinal, muito mais - uma saída atabalhoada e, muitas vezes trágica, dos territórios ultramarinos que passou de exemplar a " foi a possível", duas entradas do FMI pela porta grande da Portela de Sacavém que hoje parece ser episódio apagado dos responsáveis da altura (Mário Soares é um e o primeiro) e dos seguidistas dos aparelhos partidários dominantes, se preferirmos podemos sem dificuldade pensar em blocos centralizados com matizes alaranjadas e rosadas, ou Soares & Cavaco Limitada e suas versões subsequentes, com mais ou menos embirrações dos dois (porra mais os gajos que juntos somam nos cargos que foram ocupando quase tantos anos como o Matusalém!), o facto é que andaram de línguas entrelaçadas dentro das respectivas bocas anos a fio. Certo é que foram tempos eufóricos aqueles que se seguiram à entrada na CEE e mais ainda com a entrada na moeda única, o agora desiquilibrado e a caminho de ser enjeitado €uro... Não foi exclusivo português e foi uma festa de que a vilanagem não se fartou. Enfim, está à vista de Lisboa a Nicósia, de Madrid a Atenas e a ver vamos se de Paris a Budapeste com abastecimento de jornada no discreto Luxemburgo, que parece não existir como lugar de repouso de capitais variados, o verniz homogeneizado europeu não estala de vez. Entretanto o inglês lá continua com a sua livre libra e manda o resto às urtigas que a Velha Albion não vai em cantilenas. Curioso notar que os antigos e secos eurocépticos floriram, andam felizes e esfregam as manápulas de contentamento pela eventual razão antecipada que apregoaram, ou seja, que a coisa não ia porque não podia funcionar, esquecendo-se que a verificar-se o esfumar da organização, um bocado do céu lhes pode cair em cima das cabeças, os não-crentes na Europa unida, da Esquerda que faz tempo não (o)usa dizer-se extrema pois já não defende a ditadura do proletariado a céu aberto como o não faz com outros estandartes esfarrapados, desajustados do discurso em pleno séc. XXI, século sem ideologias, e da Direita, que já a não há Ultra a não ser em estádios de futebol e bairros relativamente típicos e/ ou suburbanos de muitas cidades dos 27 - é o que se supõe e seria bom não haver grandes distracções... -, uma Direita que também ela se moldou mas que, no fundo se não rendeu, igualmente aos encantos de Bruxelas, saltam das respectivas tocas ou covis ( à escolha o termo consoante pareça mais adequado) numa sagração primaveril que, não espantando, entristece. Depois há ainda os que consoante o vento fazem como a Maria: vão com as outras. Foram europeístas convictos, tornar-se-ão anti-UE se tiver que ser, dirão tranquilamente que sempre questionaram a ideia europeia mas nunca exteriorizando as dúvidas porque não venha o demo tecê-las e porque é sempre bom dizer que sim à titi (agradeço ao velho Eça esta relíquia que me serve de bengala), foram até federalistas num tempo que se pensou ser esse o caminho, aplaudiram de pé, e portanto com entusiasmo, Maastricht e o Tratado de Lisboa mesmo sem entenderem porra nenhuma, aliás como eu, e sentados nas últimas filas das salas que frequentam com acesso garantido por filiação partidária e salário vindo do erário público, pois um dia, ai que esse dia tarda mas não falha, estarão os até agora anónimos, prontos e diligentes na linha da frente dos destinos dos seus países, cidades, vilas , aldeias ou qualquer merda que lhes garanta um penacho que lhes enfeite os cornos e lhes disfarce as fuças mal desenhadas e que se lixe o resto que um poleiro, normalizado como o das galinhas poedeiras segundo normas da UE, é o que interessa e, na verdade, esta gente sem préstimo conhecido não vê para além dos seus amados líderes que sonham substituir quando chegar a hora. A esses, chamam-se com injustiça evidente, lambe-botas, carreiristas e qualquer taxista de Lisboa numa linguagem mais livre os tratará de chulos, gatunos e por aí abaixo. Uns ingratos estes taxistas, já se vê...

Enfim, acabo já com o relambório enfastiante, pois estamos como se sabe, se é que se sabe como é que estamos...

Fica como fecho deste mal amanhado desabafo sobre a situação em Portugal, desculpem o paroquianismo mas (ainda) é na gasta Pátria que vivo, e na Europa da União Europeia, uma delicada expressão de Ramalho Ortigão - em "Carta aberta a Sir John Bull" - sobre a Inglaterra, no dizer de Heine, uma indigesta ilha, e que me parece poder ser utilizada em âmbito mais vasto:

"Só o nojo de vomitá-la, impediu o mar de engoli-la"*

Vosso, enfadado, enjoado, lixado e cheio de sono
mvf


*cito de cor e peço desculpa à ramalhal figura por eventual falta de rigor


Foto: ©miguel valle de figueiredo, Lisboa, circa 1986

publicado às 07:22

Portugal

por jpt, em 16.03.13

 

Esta fotografia do Luís Abelard acompanha-me há anos. Desde que ele a mostrou, então vindo das cheias aqui a sul no início de XXI. É um all-in-one. Serve-me amiúde, demasiadas vezes, para entender o meu caminho. Às vezes, nem tantas, para entender o caminho alheio.

 

Serve-me agora, claro, para compreender a situação portuguesa, anunciada nos jornais, que ecoam os resultados da última avaliação externa (auditoria?). Uma desgraça: as despesas não baixam, o desemprego cresce, a recessão aumenta, e o final disto é antevisto para as calendas gregas ("mais tempo", diz-se).

 

O que os outros antes escangalharam não consegue este governo remediar. Está uma cangalhada. Nas sociedades não há a opção "reboot". Só há uma função válida: mudança.

 

Mas ... como? E com quem? 

publicado às 05:32

O Seguro expirou

por jpt, em 25.01.13

O Seguro do PS expirou. Quem o disse foi a Ovelha Dolly.

 

 

O cordeirinho sacrificado, uma versão proto-marxista do Agnus Dei, António José Seguro, o único que não tinha percebido que em tempos de vacas magras, continuando no registo zoológico, só os patetas se chegam à frente, e ainda o único a pensar que os socráticos estavam com ele na saúde e na doença, na pobreza e na abundância, na alegria e na tristeza, enganou-se. Claro que se enganou, está-lhe na natureza avaliar mal as evidências e as circunstâncias, malgrè tout. O espectáculo indecoroso, repentino e sem aviso embora esperado, que os socráticos vieram dar ao pedir um congresso do partido o quanto antes para apear o Tozé, depois deste, precipitado, pedir uma maioria absoluta não querendo, apesar disso, provocar eleições antecipadas (!) - e à frente de todos o clone do emigrante ex-primeiro ministro, o Dr. Silva Pereira, tão inteligente quanto sinuoso, que com os seus tiques de seminarista e cara de pudim "Boca Doce", na escuridão ou na ribalta vai manobrando o que e quantos pode, secundado em silêncio cúmplice pelo miserando Zorrinho - evitamos a piada fácil e passível de ilustração de pôr a pobre criatura a zurrar - estacionado há anos naquela ideia mal amanhada e mal copiada a que se chama 3ª via na qual ziguezagueia pensando-se o Garrincha da política, também o Vieira da Silva, cujo estrabismo fisíco e do qual não é, obviamente, responsável, não se traduz na política pois sabe bem para onde olhar, e até o brutamontes e vomitoso Lello - cheira a veneno que tresanda e cheira também à ganância pelo poder e pelo dinheiro que, aparentemente aí vem (reentrada de Portugal nos mercados, ou seja, direito a pedir mais uns milhões emprestados e a famosa por muito pedida, renegociação do pagamento da dívida...). Nada de desperdiçar a oportunidade, devem ter pensado os judas socialistas:, deita-se este abaixo, os que governam perdem as eleições autárquicas e,de seguida, as gerais, e tudo volta ao rock & roll de há uns tempos com letra (protestada) de Sócrates: "Gaste-se, gaste-se, muito e à toa".Pobre Tozé que não percebeu porra nenhuma, nem sequer como chegou a secretário-geral do PS... Podia ter perguntado ao Costa, António Costa, que lhe explicava facilmente que não se chegou à frente no último congresso, pois sabe de cor e salteado que em tempos de eminente desastre eleitoral e travessia mais ou menos prolongada de areias movediças dada a oposição interna dos "do costume" e memória popular (curta, supostamente) do pontapé no cú dado nas urnas ao seu antigo chefe, o risco de se queimar é enorme e, portanto, nada melhor que ficar com Lisboa , onde a falta de higiene pública, leia-se falta de limpeza urbana, e os disparates rodoviários não atingem o caldeirão fervente que é a luta pelo Poder. Faz lembrar um antigo reclame televiso das panelas de pressão Silampos: "...João Ratão não se queimava pois já tinha uma Silampos!".

 

 

Vossomvf

publicado às 01:43

Um imigrado, em estantes alheias

por jpt, em 05.05.11

De visita à pátria amada, estupefacto com os pátrios patrícios, feito filho refugiado em estantes alheias ...

 

 

Morte ao meio dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

 

[Ruy Belo, “Boca Bilingue” (1966)]

 

jpt

publicado às 17:07

Estantes de filho

por jpt, em 04.05.11

Feito filho em estantes alheias

 

 

 

Portugal

 

Ó Portugal, se fosses só três sílabas, 
linda vista para o mar, 
Minho verde, Algarve de cal, 
jerico rapando o espinhaço da terra, 
surdo e miudinho, 
moinho a braços com um vento 
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, 
se fosses só o sal, o sol, o sul, 
o ladino pardal, 
o manso boi coloquial, 

a rechinante sardinha, 
a desancada varina, 
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos, 
a muda queixa amendoada 
duns olhos pestanítidos, 
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, 
o ferrugento cão asmático das praias, 
o grilo engaiolado, a grila no lábio, 
o calendário na parede, o emblema na lapela, 
ó Portugal, se fosses só três sílabas 
de plástico, que era mais barato! 



Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, 
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, 
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço, 
galo que cante a cores na minha prateleira, 
alvura arrendada para o meu devaneio, 
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço. 
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, 
golpe até ao osso, fome sem entretém, 
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, 
rocim engraxado, 
feira cabisbaixa, 
meu remorso, 
meu remorso de todos nós... 

Alexandre O'Neill, 'Feira Cabisbaixa'

publicado às 23:01

Em Portugal

por jpt, em 04.05.11

Fui à terra, feito filho, e também feito já velho, em cuidados. "Que achaste?", a pergunta de sempre, no regresso ao este longe ... 

 

1.

 

Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.

Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.

Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.

No país que outrora
um conde teceu
com laranjas de oiro,
com sangue de moiro,
tudo apodreceu.

Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.

As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.

 

2.

 

Ama, estarás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?

Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde cóleras e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?

As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.

Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.

 

3.

 

Ó castelos moiros
armas e tesoiros,
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que vento de agoiro
vos apodreceu?

Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram.

Caravelas, caravelas,
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz;
e os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.

As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda, de rojo,
dançam voando, rasgando
a noite morta do povo
com as unhas, bicos de tojo.

 

4.


E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?

Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.

Ama, até quando?

Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.

Ama, estarás ouvindo?

O lume no fim
e os homens dispersos.

Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.

 

(Carlos de Oliveira, Turismo, 1942)

 

jpt

publicado às 22:46


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