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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Quando em 1994 Michel Petrucciani me permitiu dois dedos de conversa e um par de retratos nos bastidores do Tivoli para um recital único em Lisboa, questionei-me como seria possível um homem com as suas características dominar um piano de cauda, um grande piano, da forma que tantas vezes tinha ouvido em gravações. Michel, o pianista, parece ter-se preocupado mais com a sua música do que com as limitações causadas pela Osteogenensis Imperfecta, uma doença óssea, que lhe impediu um crescimento que se diria, sem perconceitos, normal. Suponho que o esforço físico para levar a cabo a tarefa era enorme (e quantos concertos daria anualmente pelo mundo fora?), o talento, ou melhor, o virtuosismo, suplantava-o e se a primeira impressão levantava dúvidas - Michel foi levado ao colo e sentado por um assistente - os primeiros acordes encarregaram-se de as dissipar. Foi um concerto a solo inesquecível nesse fim de tarde alfacinha. Na memória ficou a música e no arquivo algumas imagens, duas das quais deixo aqui para enfeitar o texto.
Michel Petrucciani morreu aos 37 anos e com ele morreu um gigante.
Ficam para apreciação as interpretações a solo de "Caravan" e "In a Sentimental Mood" e uma composição sua, o balanceado "Cantabile" que me põe sempre a abanar o esqueleto, acompanhado pelo mestre vassoureiro Steve Gadd na bateria e Anthony Jackson no baixo.
Jean "Toots" Thielemans, um belga com uma grande gaita, ou se preferirem para evitar trocadilhos, harmónica, disse que vai deixar de tocar. Ele lá sabe e estas vontades não se discutem, sobretudo com um homem que nasceu em 1922. Deixa imenso material gravado para deleite da rapaziada. Tive a sorte de ver dois concertos do velho gaiteiro, um deles no Jazzmania em 1987, um bar em Copacabana que já não existe, com um quase imberbe apesar da barba Fred Hersh ao piano e mais uma malta a compôr o ramalhete. Muito whisky, muito Jazz. A propósito dessa noitada carioca, Thielemans é um apaixonado conhecedor da música brasileira e gravou em 1969 com Elis Regina "Aquarela" (Wave, Aquarela do Brasil, O Barquinho, Canto de Ossanhá, são alguns dos temas do disco) e já nos 90 lançou "The Brasil Project" com a malta local. A lista é estrelada: Milton, Lins, Castro-Neves, Eliane Elias entre outros numa leitura de vários compositores brasileiros. Devo dizer que prefiro o 2º volume (1993) em que se pode ouvir "Retrato em Branco e Preto" de Chico Buarque, "Papel Marché" de João Bosco, "Linda" de Caetano, "Samba de uma Nota Só" de T. Jobim ou "Samba de Orfeu" de Luiz Bonfá, curiosamente também nascido em 1922.
"Toots" é, ou era?, um exímio guitarrista que assobiava melhor que qualquer canário e "Blusette", composição sua, trouxe-lhe a fama. Ficam duas interpretações, uma com a guitarra e o assobio ao vivo no Budokan e a outra com a gaita de beiços como dantes se chamava ao instrumento. Fica ainda uma historieta acerca de John Lennon e uma versão notável de "Imagine".
Da discografia gosto muito de:
"Blues for Flirter" ( uma gravação algo obscura de 1961 em que "Toots" toca guitarra e piano e não na gaita, com edição em CD da Gitanes-Jazz Productions na colecção "Jazz in Paris")
"Live" e "Live 2" - 1976
"For my Lady" (com o trio de Shirley Horn) - 1995
"One More for the Road" (um disco com temas de Harold Arlem e com vários convidados) - 2006
Ray Bryant, nascido em Filadélfia na véspera de Natal de 1931, não é tão (re)conhecido como devia. Nos 50's acompanhou Charlie Parker, Miles Davis, Lester Young, foi pianista de Carmen McRae, gravou com Coleman Hawkins e Roy Eldrige, mudou-se depois para Nova Iorque, onde morreu em 2011, e aí tocou com Sonny Rollins ou Charlie Shavers até montar o seu próprio trio. O homem mistura vários estilos e manda muito balanço. Gosto muito de ouvir Bryant a solo e a fazer "blues", mas não passa de coisa minha. Fiquem com "Little Susie", uma composição do próprio Ray Bryant, um bem mexido "In a Mellow Tone", velho "standard" de Ellington, e "Slow Freight", Bryant à desgarrada com Junior Mance, homem de Chicago - quatro mãos e dois pianos , que isto cada um com o seu é que é bonito e não gostamos de misturas... - acompanhados por Bob Cranshaw, contrabaixista de confiança de Rollins e Grady Tate na bateria.
Sugestões:
A solo:
"Alone with the Blues",1958
"Montreux '77", 1977
Em trio:
"Blue Moods" (Rufus Reid - contrabaixo, Freddie Waits - bateria, 1989)
"Through the Years" (Rufus Reid - contrabaixo, Grady Tate - bateria, 2 discos comemorativos dos 60 anos do pianista, 1992)
E o ma-schamba não larga o perú e continua natalício. Desta vez deixo a Jane Monheit fazer as honras da casa e mostrar como se deseja um Feliz Natal ...
Adolph Johannes Brand nasceu na Cidade do Cabo e foi, ainda é, um dos pioneiros do Jazz sul-africano. O enorme pianista, antes conhecido por Dollar Brand, exila-se na Suíça em 1962, escapando ao "apartheid" e pouco tempo depois converte-se ao Islão, mudando o nome para Abdullah Ibrahim.
Diz-se que é o melhor pequeno filme de Jazz. Não sei se é mas ainda não vi melhor.
Siga a dança e a dançarina que encanta enquanto canta!
"Pretos & Brancos", uma nova série dedicada ao Jazz, estreia hoje no ma-schamba, numa antecipação forçada pelos acontecimentos preocupantes em Moçambique.
Abre o piano de Bill Evans em "Peace Piece", enquanto o trompete de Chet Baker - acompanhado por David Friedman (vibrafone), Buster Williams (contrabaixo) e Joe Chambers (bateria) - nos traz "Peace", um tema composto por Horace Silver, cujo pai era cabo-verdeano. Não havendo duas sem três, acaba-se esta emissão com "Maputo", uma composição do pianista Marcus Miller, tocada em quarteto formado por David Sanborn (sax alto), Bob James (piano), James Genus (contrabaixo) e Steve Gadd (bateria) durante o North Sea Jazz Festival em Roterdão já em 2013.
Peace Piece
Peace
Maputo