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África do Sul: xenofobia?

por jpt, em 20.04.15

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Uma polícia tenta apagar um homem atacado em Reiger Park, Boksburg. Fotografia de Shayne Robinson, The Star

 

Zwelithini, o chefe não-eleito zulu, assenta na falta de democraticidade do seu estatuto simbólico, a sua desnecessidade de votos, a sua "liberdade" para opinar. Critica a "preguiça" dos seus compatriotas, a sua aversão ao trabalho e à disciplina (onde já li isto?) e apela à partida dos estrangeiros - cada tribo no seu território, dir-se-ia noutros tempos. O discurso está aqui gravado e transcrito. Foi o pequeno rastilho suficiente para esta onda criminosa de ataques aos estrangeiros africanos na África do Sul, a vaga de terror submergindo os mais desapossados dos desapossados.

 

As continuidades históricas são vigorosas. Independentemente da cor da pele dos mandantes e dos seus sipaios. Há muitos itens sociológicos para indexar na explicação disto tudo. Entre eles conviria não esquecer a cleptocratização da "governância" da "esquerda" sul-africana. 

 

Há quem insista, com punhos de renda, em chamar a isto xenofobia. Não uso o termo. É racismo. Para esta gente (mandantes e sipaios) há duas raças no mundo: "eles" e os "outros". Depende do momento sobre quem (a "raça") escarram o ódio que os faz sobreviver.

 

 

 

publicado às 10:15

As quotas para as raças no Brasil

por jpt, em 19.05.12
 Na sequência deste meu postal deixo estas declarações do reconhecido académico Milton Santos, que encontrei através de Alberto Lyra. Em cinco minutos está o fundamental.jpt

publicado às 04:22

As quotas para as raças

por jpt, em 05.05.12

Esta semana no Brasil foram introduzidas quotas por "raças" na gestão do acesso às universidades públicas. "É lá com eles", brasileiros, poder-se-á dizer. Americanos que são, será a ambição de se tornarem gringos, digo eu. E presumo que venham a navegar no mar do "onedropismo", tão querido aos seus vizinhos. Enfim, que se poderá esperar do gigante colonial?

Sobre a infecção da quotização não vale a pena argumentar. Ela, e a doença mental racial que a causa, está diagnosticada neste belo "A Persistência da Raça. Ensaios Antropológicos Sobre o Brasil e a África Austral", do antropólogo brasileiro Peter Fry (Rio de Janeiro, Civilização Editora, 2005).

Entretanto, a "presidenta" (mais os seus bispos da IURD), enquanto vai mimando os seus "pretinhos", continua a f..., perdão, a rebentar a floresta. E os índios.

Saravá ...

jpt

publicado às 06:31

O Racismo das Esquerdas Europeias

por jpt, em 16.04.12

Durante décadas os países europeus regularam as suas relações com os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), inserindo-as no eixo da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a sempre dita "cooperação para o desenvolvimento". Consagrando essa metodologia estabeleceram-se sucessivamente acordos: "Acordo de Yaoundé", "Convenção de Lomé" e o actual Acordo de Cotonou. Neles se codificam as relações económicas internacionais (consideradas "privilegiadas") e as formas explícitas de "ajuda" desenvolvimentista.

Articuladas com esses pacotes de "benefícios" e de "ajudas sectoriais" foram-se estabelecendo modalidades determinadas, respeitantes às formas de organização política, de organização estatal, das finanças públicas, da estrutura económica, dos países "receptores". Chamou-se a isso, grosso modo, condicionalidade política, na qual a "good governance" (que a iliteracia tecnocrática portuguesa vem transformando em "boa governância") veio nos últimos anos a adquirir particular importância.

Ou seja, para que se mantenham determinados quadros considerados positivos de acesso aos mercados europeus e para que se possam receber fluxos económicos de índole desenvolvimentista, os países receptores tiveram que se adaptar a um quadro estrutural económico-político-jurídico e a um conjunto de procedimentos, regularmente vistoriados. Grosso modo, é isto a tal "condicionalidade política", sempre exigindo a tal "boa governância". É neste quadro que reside o esqueleto da cooperação "Europa" (UE) - ACP, aqueles que em tempos idos eram chamados "países em vias de desenvolvimento".

Grande sustentáculo desta política de "cooperação" desenvolvimentista foi a pluralidade das configurações da esquerda europeia. Por razões económicas e de geoestratégia, pois claro que também ligadas à "política real". Mas muito por ideologia da igualdade (ou, concedo que em casos, da equidade) internacional, e por adesão a um conjunto de valores, considerados "civilizacionais", de bondade indiscutível. E por antinomia à herança dos efeitos perversos do colonialismo, intentando uma espécie de "reversão" de riqueza. Para além de uma concepção diferente da "direita" europeia, esta muito menos crente nas possibilidades de desenvolvimento/racionalização através de intervenções inter-estatais, mais advogando as virtudes da interacção económica (a tal coisa da "mão invisível" metafísica). Por isso ao longo das décadas se assistiu, e também em Portugal, a um regular discurso insistindo na necessidade de cumprir os objectivos ocidentais para a "ajuda", muito mais presente nos contextos políticos de "esquerda" - e também estes muito mais a base sociológica dos agentes de desenvolvimento, funcionários ou ong's.

Os desenvolvimentos actuais na União Europeia, as novas configurações jurídicas internas (agora discute-se o Tratado Orçamental) serão muito discutíveis e analisáveis. Mas o que surge óbvio é que não é mais do que o alargar (e enfatizar) ao contexto europeu dos procedimentos havidos durante décadas com os chamados ACP. O que está em cima da mesa é a exigência de uma condicionalidade política explícita, talvez mais rigorosa, e, também, da introdução da exigência interna de uma "boa governância". Independentemente da bondade efectiva destes termos, e conteúdos que lhes estão associados, o processo actual é uma recuperação para os países europeus dos procedimentos e valores que regulam as relações com este exterior: a "ajuda" (fluxos financeiros e abertura de mercados) exige soberania relativa, quadro institucional e processual próprio e regular vistoria.

Por isso tão interessante é assistir à recusa e/ou mal-estar das plurais esquerdas (até a ridícula, porque "apenas agora", refutação da semântica do termo "ajuda") com este processo. O que tudo isto demonstra é que para este enorme complexo político-ideológico as "soberanias" (ou o que entendem por isso) dos povos europeus são mais intocáveis, blindáveis, do que as dos outros. O fundo ideológico é óbvio: há quem possa pensar que isto é um evolucionismo, nascido da ideia de que os outros países (ACP) ainda não estão em estado de se gerirem por absoluto, precisam deste tipo de tutela (igualzinho ao velho argumento de que os povos colonizados não estavam prontos para as independências). Mas não é isso. É apenas a ideia de que os nós-europeus devemos ter mais soberania do que eles-outros. De que o que propomos e defendemos para os outros não serve para nós-próprios.

No meu tempo, dantes, a isto chamava-se, pura e simplesmente, racismo. Agora, pelas tais evoluções semânticas, chama-se "indignismo".

jpt

publicado às 13:16

A etnia portuguesa

por jpt, em 21.10.11

 

No meu e-mail do blog (maschamba@) recebo um inquérito sobre Atitudes da População Portuguesa em relação à Homoparentalidade (famílias de pais e mães homossexuais), destinado à realização de uma tese de doutoramento em Psicologia Aplicada na Universidade da Beira Interior e no Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Resmungo um pouco, isto é algo "spam", não conheço o remetente, vasculhou endereços de blogs para aqui chegar. Mas é uma tese de doutoramento, vou responder - apesar do tema, nítido surfar da moda, como diria Thomas Kuhn se escrevesse hoje. Tese de causa, tese com causa. O primeiro passo para tese sem causa. Universidade Pública a dar tutela. O Bloco de Esquerda (a mais o Jugular) a legitimarem-se via juris de academia.

 

Preconceito meu? Vamos ver, vou responder ao inquérito. Pede os nossos dados: qual o meu género?. Respondo. Qual a minha sexualidade? Heterossexual, Bissexual, outra, gay, lésbica? Notam alguma coisa? O inquérito assume de imediato a linguagem política. Homossexual, heterossexual, bissexual, outra? Nada disso, o tom é o do assumir a linguagem política, os termos reclamados, o investigador pergunta o povo mas não pergunta o (santificado) objecto. Tralha, tutelada por qualquer Doutor da universidade pública.

 

Chateia-me muito? Não, é apenas um doutorando de psicologia a fazer pela vida, se engajado ou não é questão dele. Sigo.

 

Depois vêm mais algumas perguntas para nos identificar o perfil, "tipo". Deparo com esta: "Qual é a sua nacionalidade"? Respondo, portuguesa. Depois: "No caso de ter outra origem étnica que não a Portuguesa, indique qual." Vacilo, que é isso de etnia portuguesa? Que posso eu dizer a este académico do bloco de esquerda, engajado, que é leitor de blogs e neles recolhe emails, sobre a etnia portuguesa? Lamentar, avisar, que está num processo de formação? O homem está num doutoramento, já construíu o mundo dele, o racismo dele, o engajamento dele. E que posso dizer ao "doutores" do ISPA e da UBI que não só acolhem estes projectos a la carte e os protegem. Que posso dizer a este herdeiro da "nação" portuguesa e aos seus mestres? Que são racistas (que o são)? Modistas (que o são)? Um mercenarismo académico em vestes mais-ou-menos bloquistas (leiam-se os termos das inúmeras perguntas para se perceber o que é a produção do viés). Acima de tudo o que se pode dizer é que na ânsia da crista da onda são ridículos. Ridiculamente ignorantes. E no engajamento, sempre intolerante, completa e vergonhosamente racistas.

 

Esses mesmos, os da minha "etnia portuguesa". Acampados na universidade pública. A fazerem política. (O inquérito fascisto-bloquista não tem identificado os tutores do projecto de doutoramento. Muito provavelmente, idade oblige, já membros da maçonaria socialista. Coisas da etnia "académica" gauchiste). 

 

jpt

publicado às 11:00

O Presidente do Brasil reservara quatro dias no final do seu périplo por vários países. Dias a gastar na África do Sul, no intuito de assistir à final do campeonato do mundo de futebol - uma vitória bem bonita, ainda para mais inscrita no belo e competente esforço de afirmar o Brasil como pólo sul-sul. Entretanto a selecção holandesa veio alterar os planos de Lula da Silva. A Holanda, país onde abundam homens louros e de olhos azuis. Esses mesmo de que o execrável racista Lula não gosta. Ganda Schneider! O que me ri. Não do Brasil, kaká e isso. Mas do melão do alcazar, ah isso sim!

jpt

publicado às 18:34

Sandro Pertini

por jpt, em 17.06.10
Em 1982 foi o mais apaixonante mundial que vi. Em tempos de uma única estação televisiva (e muito a preto-e-branco), sem imaginarmos um futuro de parabólicas e canais por cabo. Nem ainda computadores pessoais e internets. O conhecimento da actualidade era muito (muitíssimo) menor. Também por isso aquele Brasil chegado à Europa tanto encantou: Cerezzo, Falcão, Sócrates ("o Doutor" - era dentista) e Zico irromperam diante dos espantados e logo apaixonados adeptos - surpresas que hoje, no ecrã global e constante, já não são possíveis. A tudo isso se juntou o toque de drama épico, a derrota dos "heróis", semi-divinos, diante de uma alegre Itália.Era uma Itália peculiar, com o letal "menino de ouro" Paolo Rossi vindo de uma suspensão por corrupção (vendiam jogos) e um guarda-redes quarentão (Dino Zoff, que nos preparava para o nosso Carlos Lopes, outro quarentão que chegaria à lenda olímpica dois anos depois). E foi essa equipa, que jogava imenso, que foi ganhar a final diante da Alemanha - para satisfação de todos, suspeito que até dos próprios brasileiros. A Alemanha então campeã europeia que se apresentava já sem o jovem Bernd Shuster, aquele que há pouco foi treinador do Real Madrid, o qual era um jogador maravilhoso, que me lembre uma mistura entre nº6 e nº8 que ganhava as bolas e as metia (à distância) onde queria, assim fazendo jogar. Mas era peculiar, aos vinte anos foi para o Barcelona e desistiu da selecção - sempre o associei a Boris Becker no grupo dos alemães ilustrados, o Becker que mais tarde (nos) avisou para não se dar as olimpíadas de 2000 à Alemanha tamanha a onda de nacionalismo racista que os seus patrícios navegavam. A equipa alemã de 1982 era a de Rummenigge - agora presidente do Bayern Munique -, esse que avisou em Espanha que era o filho que todas as mães alemães gostariam de ter: "alto, louro e de olhos azuis". Para mal dos intelectuais anti-futebol (a brigada da alienação) a vitória de Scirea, Zoff, Altobelli, Conti, Rossi, do grande Antognoni foi então a vitória da estética na bola mas também a derrota da barbárie pseudo-ariana, essa então bem mais fresca do que hoje.Também por isso tudo muito me lembro da simpatia, generalizada - e mesmo ainda durante o jogo -, para com aquele velhinho aos pulos na tribuna real. Nesse tempo o conhecimento não vinha na rapidez de um clic e não sabíamos ainda do perfil rijo e combativo de Sandro Pertini, o velhíssimo presidente da Itália de então - e que nos parecia o genuíno Matusalém. Esse que encantou o mundo com os seus saltos com os golos, a sua alegria vivamente genuína, esquecido da contenção dos protocolos, ali ao lado do rei anfitrião, de Havelange e de um qualquer chanceler alto, louro e de olhos azuis. E ainda me lembro do eufórico Pertini, enquanto os jogadores passavam a colher a Taça e as medalhas, a limpar o fornilho do cachimbo e logo a oferecê-lo a Enzo Bearzot, o treinador campeão. Dádiva de homem para homem, um pouco da sua alma ali, como qualquer fumador de imediato percebe(u).É um pouco por tudo isto, por eu próprio já ser quase tão velho como Pertini então era, que ao ver este "marketing" Sul-Sul tanto se me torce o nariz. Não acredito que seja mais algo do que trabalho de assessoria. E não tenho eu olhos azuis e cabelos louros, como aqueles de quem este vuvuzeleiro não gosta. Assim se dizendo um Rummenigge de hoje. Soprando-se. Só.jpt

publicado às 08:36

Nestes últimos dias no ma-schamba tem-se falado mais de colonialismo do que nos anteriores seis anos que as nossas courelas já levam. Muito, mas não só, a propósito do livro de memórias de Isabela Figueiredo (que, vê-se, mexeu na colmeia. Advertidamente, acho). Livro que a jornalista Vanessa Rato aventa ser um momento fulcral na história intelectual portuguesa, anunciando o advento (ou a possibilidade) de um pensamento pós-colonial em Portugal. Talvez por isso, pela percepção ou sensação desse episódio único, tanto aqui têm falado os bloguistas, os comentadores (os residentes e não só) e, até, alguns outros bloguistas que para cá têm feito ligações (mais ou menos abonatórias). Dando-me, ao fim destas semanas, a sensação de já ter os cromos opinativos todos (e isto sem sentido pejorativo), os mais fáceis e os mais difíceis. A caderneta completa! Mas fui compreendendo o meu erro. Pois se a continuidade (muito bem-vinda) de comentários me levou a desconfiar desse sucesso, demonstrando afinal a incompletude, foi a tal referência à actual emergência da reflexão "pós-colonial" em Portugal que me fez entender o meu erro. Pois, e por arrastamento, por analogia ou homofonia, se se quiser, isto levou-me a perceber esta questão no seio do pensamento pós-moderno.

 

Tento explicar-me. Sou um homem do tempo das cadernetas de cromos, essas "grandes narrativas" conclusivas, com princípio, meio e fim, conclusivas e argumentáveis. Ainda que algo incompetente no assunto, reconheço, pois apenas completei as colecções "Mundial de 1974" - no qual Johan Cruyff e sua Laranja Mecânica foram injustiçados pela vil Alemanha -,

 

[imagem encontrada no Santa Nostalgia]

 

e uma esplêndida e mui expressiva "História de Portugal", da qual guardo ainda memórias muito vivas, constantes, em particular dos cromos da muito dumeziliana Deuladeu Martins botando pão muralhas fora, dos cotos de Navas de Tolosa, do pavoroso e zarolho (Dumézil também?) Geraldo Sem-Pavor ao assalto em Évora, do entalado Martim Moniz ali às portas de Lisboa, e claro que do Nosso Senhor Jesus Cristo planando nos céus da Batalha de Ourique abençoando Afonso Henriques, seus homens e, obviamente, todo o Portugal que aí vinha. Para além do último e destacado cromo, o alusivo ao Presidente do Conselho, Professor Marcello Caetano, que Deus tivesse na Sua santa guarda.

 

[imagem encontrada no Pena e Espada]

 

Ora o que ultimamente me tem revelado a minha filha é que o paradigma "cromo" faleceu. A grande narrativa terminável, conclusiva, a encerrar de modo contíguo em apropriada caderneta, é coisa do passado. Deparamo-nos hoje com uma versão diversa, uma contínua actividade de troca, inacabável, dos stickers. Seja em versão Hannah  Montana seja nos "fofos". Sendo que os rapazes [lá está, a vil ideologia de género a moldar as jovens mentes, a discipliná-los para os papéis sociais a que aderirão julgando-os naturais] têm uma panóplia de viçosos super-heróis para fruirem da mesma actividade.

 

[imagem encontrada aqui]

 

[imagem encontrada aqui]

 

Nesta incessante troca de itens não se vislumbra conclusão, não estão eles numerados nem catalogados. Nem são arrumáveis por predeterminada ordem, cada coleccionador(a) preenche e repreenche criativamente os múltiplos suportes (livros, pastas, cadernos, folhas, paredes, frigoríficos, sei lá) que vai escolhendo. O limite, conceptual e estético, seria o céu não fosse tudo isto ser mediado, entenda-se reprimido, pelas bolsas (aliás, cartões de crédito) paterno-maternais [a tal ideologia de género que sobrevaloriza o termos "paternais" tem que ser combatida]. Estamos diante de uma corrente total de dádivas, sem objectivo nem finalidade para além delas próprias. Barro para um novo (pós-moderno? pós-colonial?) ensaio sobre o dom, com toda a certeza.

 

Assim esclarecido (actualizado) pela minha filha regresso ao blog e à temática colonial, e mais descansado. Que penso eu, bloguista aqui fundador e que nada tenho falado do colonialismo, do que para aqui se vai dizendo? (o colonialismo ou não, o racismo ou não, o Eusébio ou não, o Monstro Sagrado ou não?, o electricista da Matola ou não, o que os portugueses deixaram ou não, o Bloco de Esquerda ou não, etc. ou não?). Não posso achar, nem resumir. Não porque me faltem cromos na caderneta. Mas porque ela, afinal, não existe. Apenas posso, agora (desde Dezembro de 2009) que parece que começou o pensamento pós-colonial em Portugal, aproveitar para meter uns stickers (versão "fofos") na porta do frigorífico e uns outros no blog. Para o blog seguem estes, nada raros:

 

 

Num texto de 1936 George Orwell (autor muito simpático a largo espectro de leitores) escreveu. "Here was I, the white man with his gun, standing in front of the unarmed native crowd - seemingly the leading actor of the piece; but in reality I was only an absurd puppet pushed to and fro by will of those yellow faces behind. I perceived in this moment that when the white man turns tyrant it is his own freedom that he destroys. He becomes a sort of hollow, posing dummy, the conventionalized figure of a sahib. For it is the condition of his rule that he shall spend his life in trying to impress the "natives", and so in every crisis he has got to do what "natives" expect of him. He wears a mask, and his face grows to fit it." (George Orwell, "Shooting an Elephant", 1936, Inside The Whale and Other Essays, Penguin Books, p. 95). Repito, é um texto de 1936.

 

 

Entretanto na página Facebook de um prezada colega encontrei este filme que de imediato me fez lembrar este livro, comprado recentemente na Livraria Sá da Costa (ao Chiado, Lisboa) pela quantia de 0,5 euros.

 

[Aimé Césaire, Discurso Sobre o Colonialismo, Sá da Costa, 1978. Tradução de Noémia de Sousa, prefácio de Mário de Andrade]

 

Podemos hoje olhar para o livro, na realidade um panfleto com todas as características desse tipo de documento, publicado originalmente em 1955 (e retomando um texto de 1950), com grande distância. Césaire era ainda membro do Partido Comunista Francês, explicitamente crente na filosofia de história comunista (e o panfleto termina com uma profissão de fé típica, hoje anquilosada), a qual até contradiz parte do argumento multilinear que defende (as "possibilidades" de desenvolvimento que imagina). Defende o afrocentrismo de Cheikh Anta Diop (que não será ele próprio reactivo?), hesita (apesar de tudo) na refutação radical do conceito de filosofia bantu do padre Tempels,  mi(s)tifica o comunitarismo das sociedades africanas ante-coloniais ("Eram sociedades democráticas, sempre. Eram sociedades cooperativas, sociedades fraternais." (27), e chega a pontapear Marco Polo como exemplo do colonialismo. Mas se não o lermos anacronicamente (como ele o fez ao pobre de Marco Polo) encontramos um diagnóstico acutilante. É só escolher para citar. Escolho dois trechos: um, porque muito orwelliano, e porque vem a propósito do que aqui (ma-schamba) vem sendo dito: "Será preciso estudar, primeiro, como a colonização se esmera em descivilizar o colonizador, em embrutecê-lo, na verdadeira acepção da palavra, em degradá-lo ..." (17) "...a colonização desumaniza, repito, mesmo o homem mais civilizado; que a acção colonial, a empresa colonial, a empresa colonial, a conquista colonial, fundada sobre o desprezo pelo homem indígena e justificada por todo esse desprezo, tende, inevitavelmente, a modificar quem a empreende (...) É esta acção, este ricochete da colonização, que importava assinalar." (24).

 

E escolho outro trecho dedicado a alguns dos comentadores. O autor segue Lévi-Strauss e Leiris (então figuras centrais no pensamento antropológico em francês), adversários da ideia de supremacia cultural (e seu corolário, a ideologia do "progresso) - coisa que, sessenta anos depois continua a não entrar na cabeça de muito boa gente, uns porque acham que ele (progresso) é muito bom e entendível, outros porque confundem isto com um tal de "relativismo". Disse Césaire (repito, traduzido por Noémia de Sousa, introduzido por Mário de Andrade e publicado em Portugal pela Sá da Costa em 1978, e vendido em finais de 2009 no centro de Lisboa por 0,5 euros):

 

"Falam-me de progresso, de "realizações", de doenças curadas, de níveis de vida elevados acima de si próprios. Eu, eu falo de sociedades esvaziadas de si próprias, de culturas espezinhadas, de instituições minadas, de terras confiscadas, de religiões assassinadas, de magnificiências artísticas aniquiladas, de extraordinárias possibilidades suprimidas. Lançam-me à cara factos, estatísticas, quilometragens de estradas, de canais, de caminhos de ferro. Mas eu falo de ... milhões de homens arrancados aos seus deuses, à sua terra, aos seus hábitos, à sua vida, à vida, à dança, à sabedoria. Falo de milhões de homens a quem inculcaram sabiamente o medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a genuflexão, o desespero, o servilismo. Lançam-me em cheio aos olhos toneladas de algodão ou de cacau exportado, hectares de oliveiras ou de vinhas plantadas. Mas eu falo ... de economias adaptadas à condição do homem indígena desorganizadas, de culturas de subsistência destruídas, de subalimentação instalada, de desenvolvimento agrícola orientado unicamente para benefícios das metrópoles, de rapinas de produtos, de rapinas de matérias-primas. (...) Falam-me de civilização, eu falo de proletarização e de mistificação." (26)


Tenho mais stickers. Este é um muito wallersteiniano trabalho sobre a economia colonial.

 

[Carlos Fortuna, O Fio da Meada. O Algodão de Moçambique, Portugal e a Economia-Mundo (1860-1960), Afrontamento, 1993]


Cola bem ao texto anterior, pois o que aqui se trata é da ligação profunda da economia da cultura forçada de plantas comerciais em África e do processo de industrialização português (metropolitano). Para alguns poderá servir para deixar de fazer uma história especulativa, contra-factual, essa do "Ah, se Marcello tivesse actuado... Ah, se Salazar tivesse tido outra visão". Sim, podiam ter tido. Mas não tiveram pois "é(era) a economia, estúpido!". [Já agora, dá para colaborar no entendimento sobre a indústria portuguesa no seio da União Europeia ...] Servirá, acima de tudo, para compreender que Portugal era um país colonial, não um país com colónias.

 

 

[Lídia Jorge, A Costa dos Murmúrios, Círculo de Leitores, 1988]

 

Voltando à primeira forma, essa de ver quem e como eram os colonos inseridos no pacote "sistémico". Há um quarto de século a escritora Lídia Jorge, que veio a tornar-se figura importante na ficção portuguesa, escreveu este romance passado na Beira colonial. Traçou um quadro complexo da sociedade colonial de então, da (ir)relação havida com o mundo colonizado, um meio até contraditório (veja-se a evolução da personagem protagonista, Eva-Evita), assim influenciando as mentes dos portugueses (metropolitanos ou residentes), numa flutuação das concepções. Contrariamente ao que os blogodesenhadores actuais muito gostam não incidiu particularmente sobre "as conas das negras" (a burguesia é sempre espantável) mas encetou o livro com a célebre paisagem dos múltiplos carregamentos de cadáveres de negros, envenenados por álcool metílico, e dos discursos e sensações gerados sobre isso. Um pastel bem mais impressionável, e significante, para os menos espantáveis, diga-se.

[Adelino Serras Pires & Fiona Claire Capstick, The Winds of Havoc, St. Martin's Press, 2001]

 

Um belíssimo sticker é este, a propósito de sabermos das memórias, dos interstícios do mundo colonial. São as memórias de Serras Pires (que têm edição portuguesa, presumo que na Europa-América), homem do mundo, de relativas posses, uma personagem bem conhecida, com a característica de serem muitíssimo legíveis (a co-autora, Fiona Capstick é uma profissional da escrita). Colono filho de colono, Serras Pires teve (e ainda tem) uma vida cheia, figura carismática. [Para os adeptos da caça este é um livro incontornável]. Muito interessante a forma como aqui se explicita, sistemática e conscientemente, a visão benéfica da África colonial, e de como no livro se subentende, e entende, as particulares modalidades de relacionamento (por um lado sistémico, por outro lado pessoalizado) de relacionamento com os africanos "originários", como agora se diz. Mas traz também as flutuações de relacionamento intra-mundo colonial - são recorrentes e profundas as críticas à governação colonial, aos mandarins metropolitanos, ao BNU (a finança todo-poderosa) e, excelente, "aos a sul do Save" (questão que largas décadas depois, e com tão diferentes actores, ainda se coloca). Um episódio marcou-me na leitura do livro - o pai Serras Pires, velho colono inaugural na região do Guro adoece, já idoso, ao fim de trinta anos na região. Tem que ser evacuado de urgência mas não sobreviverá à viagem de carro até à Beira. É então necessário evacuá-lo de avião mas não há pista de aterragem no Guro. Será construída durante uma noite, por mobilização popular. Cabe a história no modelo? Explica o colonialismo? Se sim, cristalizamo-la e embandeiramo-la? Se não, censuramo-la?

 

São os meus stickers. Do após-colonialismo. Quanto aos do pós-colonialismo, não tenho grande curiosidade. Valem-me tanto como a tralha avulsa da "vocação milenar" ou da "gesta pátria". Ou menos, que nem lhes acho interesse museológico. E estes stickers, e mais alguns que meti na porta do frigorífico (aka, geleira), valem-me para os próximos tempos. Daqui a seis anos, se ainda houver ma-schamba, volto a botar sobre colonialismo e após-colonialismo. Mas não, espero (que a esclerose não me ataque), sobre o pós-colonialismo.

 

jpt

publicado às 03:03

O repugnante presidente do Brasil resolveu a questão teórica da crise internacional. A causa está malevolência dos "brancos de olhos azuis" disse, enquanto recebia o "branco de olhos verdes" Gordon Brown, primeiro-ministro britânico. O racismo, moralmente abjecto e intelectualmente ignorante e obscurantista, está lá.

Nada mais do que a expressão de um racismo recorrente, constantemente surgido e afirmado nesta década inicial daquele que será também um século de racismo, um racismo revanchista.

Em termos portugueses é interessante, ainda que absolutamente secundário, ver a recepção destas palavras: uma pesquisa lula+brancos+olhos+azuis+blog produz uma enormidade de entradas mas não em Portugal (não a posso dizer completa, mas não surgem no google). Imagino que Gordon Brown tivesse explicado a crise do Brasil (constante, diga-se) pelo excesso de mulatos do país (nada que nunca tivesse sido escrito) e seria um coro irado das vestais bloguísticas. Isto não é apenas a tonta e desonesta militância "de esquerda" (Lula é "de esquerda", segundo a topologia dominante). Este é um puro racismo, o do "nós, brancos superiores, já não somos racistas" enquanto se vai compreendendo o racismo na boca dos "outros, de múltiplas e misturadas cores", submersos ainda no atavismo racista, no subdesenvolvimento (aka estado atrasado) intelectual.

Nos teclados moçambicanos? Um lamentável silêncio é o que a minha diagonal permite ler.

Por enquanto vou dando graças aos genes pelos meus olhos castanhos. Ainda que branco ...

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publicado às 10:53

Política na África Austral

por jpt, em 17.07.08

A propósito de um ciclo eleitoral que incluía Botswana, Namíbia, Moçambique e Zimbabué aqui escrevi em 31 de Outubro de 2004:

 

"Em todos estes processos eleitorais se aplicará o código eleitoral adoptado pelos países da SADC, subscrito neste último Agosto na cimeira das Maurícias. Um tratado endógeno, a implicar profunda aceitação e aplicação, para lá das pressões internacionais. Um processo regional histórico. Um privilégio de assistir a tão rico período."

 

Era uma elipse irónica? Já não me lembro. Mas olhando o desde então pode-se, em triste sorriso, considerar que o pós-colonialismo ainda aí está, substrato. Abrindo brechas geracionais - Botswana, Zâmbia. Mas resistente ainda.

 

Estou crente que, a haver obamismo, crescerá. Ressuscitando a múmia. Mesmo que apesar de Obama (haverá Obama? para além do afro-Obama, vera jarra de Pandora?) - aliás, estou crente que XXI será o século do racismo. "Luzes"? Absolutamente fundidas na demagogia populista. De todas as cores.

publicado às 16:34

...

por jpt, em 24.03.08

O André tem falado pouco mas continua a falar bem.

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publicado às 00:28

Mero racismo

por jpt, em 04.11.07

Há uns anos tirei daqui o elo a um blog português muito respeitável (e com gente respeitável) por causa da uma boca anti-semita por lá mandada e nunca auto-lamentada. Agora ecoam por aí coisas ("tese"?, aquilo?) bem piores, peroradas em blogs de sítios bem diferentes. O energúmeno em causa, eminência intelectual que foi acolhido em grande no grão-bloguismo português [a(lguma) direita portuguesa não é menos estúpida do que a(lguma) esquerda portuguesa] e então saudado no seu racismo óbvio [a escravatura, no fim de contas, tinha sido boa para os africanos de então, foi tema must à altura], pelos vistos continua perorar. Não vale comentários lá - daqui retiro o elo para a cloaca assim habitada. E, claro, p... que p... os bloguistas do blog "Portugal Contemporâneo".

publicado às 22:45

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por jpt, em 11.06.07


No Noticias da semana passada esta perola de "correctismo". Em tempos bem se buscou, via antropologia fisica, toda estra tralha purista. Hoje, de mapeamento do genoma armados, la vem os essencialismos racicos de novo. E se antes branquear a raca era objectivo hoje negrar a raca sera um must. A operacao "intelectual" nao sera a mesma - pois se antes os preconceitos se casavam com a ignorancia efectiva hoje os mesmos preconceitos vao viuvos. Parvos mesmos.

E os africanos na America continuam. Porque muito se quer "visibiliza-los" surgem, tao inteligentemente, despojados da quase evidencia. Sao americanos (brasileiros). O pensar correcto nao sera muito mais do que isto, o pensar como antes mas pior.

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publicado às 13:02

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por jpt, em 11.06.07


No Noticias da semana passada esta perola de "correctismo". Em tempos bem se buscou, via antropologia fisica, toda estra tralha purista. Hoje, de mapeamento do genoma armados, la vem os essencialismos racicos de novo. E se antes branquear a raca era objectivo hoje negrar a raca sera um must. A operacao "intelectual" nao sera a mesma - pois se antes os preconceitos se casavam com a ignorancia efectiva hoje os mesmos preconceitos vao viuvos. Parvos mesmos.

E os africanos na America continuam. Porque muito se quer "visibiliza-los" surgem, tao inteligentemente, despojados da quase evidencia. Sao americanos (brasileiros). O pensar correcto nao sera muito mais do que isto, o pensar como antes mas pior.

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publicado às 13:02

A clarividência de Peter Fry

por jpt, em 17.04.07

"Depois da minha saída do Zimbabue, em 1993, a crença em raças assumiu a forma de um racismo governamental pouco disfarçado. O presidente Mugabe tomara atitudes fortemente xenófobas, sobretudo em relação à Grã-Bretanha. Ao abrir a Feira de Livros em Harare em 1993, lançou a sua primeira ofensiva. Referindo-se a um stand de livros organizado pelo movimento homossexual (Gays and Lesbians of Zimbabwe - GALZ), xingou os homossexuais de "pior que porcos" e acusou os colonialistas de terem trazido esse "mal" para a África. Em seguida, iniciou uma "reforma agraria" que consistiu na expulsão dos brancos das suas fazendas. Nisso ele foi abordado por bandos de soi-disant (antigos combatentes da guerra da independência - muitos nasceram depois do fim da guerra, em 1980), que expulsaram fisicamente os brancos das suas fazendas ...

 

A maioria dos analistas da situação em Zimbabue sugere que Mugabe jogou a carta da raça (played the race card) como uma tatica cínica para se manter no poder. Não penso da mesma maneira. Entendo que ele, como a maioria dos zimbabuanos, acreditando em raças e na diferenca fundamental entre "africanos" e "europeus", enxerga a sociedade através do prisma da raça e interpreta o que vê em função dela."

(Peter Fry, A Persistência da Raça. Ensaios Antropológicos Sobre o Brasil e a África Austral, Rio de Janeiro, Civilização Editora, 2005, pp. 30-31)

 

(já agora)

publicado às 19:51


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