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A IURD no poder

por jpt, em 04.03.12

As coisas que se sabem lendo blogs. Por exemplo, que neste governo brasileiro da presidente (e morra quem se renda ao imbecil "presidenta") Dilma Rousseff, o ministro das Pescas é Marcelo Crivela, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho do líder máximo da seita, Edir Macedo. Teria piada saber o que disto acham alguns conhecidos tão ciosos do PTismo. Não falo daquela dita esquerda portuguesa (sempre vociferando contra a igreja católica - ainda que pouco atenta à sua versão agência exorcizadora, pois questão pouco dada às agendas da moda, único interesse daquelas vãs mentes), já incapaz de se aguentar na cabotagem fluvial. Mas mais o que disto pensarão alguns amigos vizinhos, tão irados com as milagrices iurdescas no país mas tão pró-PT, in-Lula ou pós-Lula ...

Sem rodeios, sem bacocos relativismos, como pensar a articulação com um poder nacional onde um bispo da IURD é ministro?

jpt

publicado às 21:33

Uma delícia, isto de assistir a uma exibição de rua de um grupo de capoeira em plena 24 de Julho, defronte ao ícone Piripiri. Daria pano para mangas, isto dos jovens burgueses* maputenses aderirem à capoeira (é um verdadeiro movimento cultural, nesta década), um processo acarinhado por instâncias estatais brasileiras, também ideológico - em recente visita um mestre brasileiro conciliava grupos desavindos lembrando-lhes que a luta era "contra o colono". E também interessante porque outros, e muitos há, ritmos de dança "percussionada" endógenos não são urbanizados. O que não é estranho, nem apenas típico daqui. Apenas se pode notar.

Para que os puristas não se excitam convém lembrar que nessas nessas danças colectivas, ditas muitas vezes "batuques", também há o "rumba" ou o "tango", e tantas outras importadas (pelo menos assim imaginadas). Portanto, não valerá a pena apelar a essências de antanho. Apenas sorrir. (E os miúdos mexem-se, muito e bem, que é o mais importante).

*José Pacheco Pereira - que tive como (excelente) professor - acaba de botar, hoje mesmo, que só os marxistas é que usam "pequena burguesia". É certo que já passaram quase três décadas desde que dele fui aluno. Mas "embatuco" (claro, os batuques da capoeira estavam a tocar). Tenho que chamar "classe média" à pequena burguesia moçambicana? Francamente ...

jpt

publicado às 03:13

[Lula, então presidente do Brasil, em visita a Moçambique]

 

Sobre o anunciado projecto de cedência de 6 milhões de hectares a agricultores brasileiros para desenvolverem plantações de produtos comerciais aqui transcrevo um interessante texto de Beluce Belucci, "economista, doutor em história econômica pela USP. Trabalhou mais de 12 anos em Moçambique, onde coordenou projetos agro-industriais na região de Niassa, Cabo Delgado e Nampula, após a independência em 1975, no ministério da Agricultura e no Banco de Desenvolvimento. Foi diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro."

 

Esta terra ainda vai cumprir seu ideal publicado em 16/08/2011

 

Por Beluce Bellucci

 

A manchete do primeiro caderno da Folha de S. Paulo de 14/08/2011 “Moçambique oferece ao Brasil área de 3 Sergipes”, para o plantio de soja, algodão e milho a agricultores brasileiros com experiência no cerrado, parece trazer uma grande novidade e oportunidade aos capitais e empreendedores brasílicos. A longa matéria no caderno de economia expõe que estas terras estão localizadas nas províncias de Nampula, Niassa, Cabo Delgado e Zambézia, situadas ao norte daquele país. No mesmo artigo, um consultor indaga, arrogante e desrespeitosamente, “Quem vai tomar conta da África? Chinês, europeu ou americano? O brasileiro que tem conhecimento do cerrado”, responde ele apressadamente. A intenção explicita de colonização nesta passagem não foi contestada pelo jornal ao longo do artigo.

 

Pela matéria, fazendeiros brasileiros afoitos descobrem que em Moçambique existe “um Mato Grosso” inteiro para ser produzido, e 40 deles (não haverá um Ali?) se “apressam” a no próximo mês visitarem o país. O ministro da agricultura moçambicano revela que as terras poderão ser cedidas por 50 anos, renováveis por mais 50, ao preço módico de R$27,00 por hectare/ano.

 

Cabe inicialmente perguntar: será esse negócio uma grande novidade? e trará tanta oportunidade quanto a noticia faz parecer? O desconhecimento dos brasileiros que procuram o empreendimento reflete o desconhecimento histórico que o Brasil tem da África e faz jus ao conhecimento dos que a divulgam. Não compete encontrar aqui as razões por que “tão boa oferta” somente agora chega ao Brasil nem tão pouco saber quem está por trás desse affaire. Interesses seguramente devem existir dos dois lados, o africano e o brasileiro.

 

Mas a quem pode NÃO interessar esse projeto?

 

A região em questão possui vegetação diversa onde vivem cerca de 12 milhões de pessoas organizadas em sociedades com histórias, línguas, culturas e formação social próprias. Estão lá os macuas, os macondes, os nyanjas, os chuabos e outros. Foi o principal palco da guerra de libertação nacional de 1964 a 1975, e nos anos 80 da guerra de desestabilização levada a cabo pela África do Sul e pela Renamo. É uma população de resistência e luta. E o que dizem do modelo desse projeto? Que impacto terá sobre essa população? O que pensam outras instituições locais? Quem efetivamente ganha e quem perde produzindo nesse modelo na região? Não falemos em aumento de PIB ou da exportação, mas em nível de vida, em ganhos palpáveis, matérias e imaterias da população.

 

A experiência que os fazendeiros brasileiros dizem ter no cerrado, e o jornal repete, é de produção técnica, não de relações sociais de produção. Ela não inclui a experiência no trato com as sociedades africanas, aliás, neste quesito perdemos para todos os outros concorrentes. O brasileiro não conhece e quase não sabe andar na África, pouco se interessou pelo continente, seguramente pelo complexo de culpa da escravidão. Foi preciso uma lei, a no. 10.639 de 9/2/2003, para introduzir essa temática nas escolas brasileiras. Só recentemente expandiu suas representações diplomáticas e vem ampliando a cooperação e presença, pese a demanda, interesse e simpatia que os africanos dirigiam ao nosso país. Mas enquanto ficamos ao longo do último século com retórica e boas intenções face aos africanos, pouco fizemos e conhecemos. Em três décadas de presença na África os chineses se tornaram os maiores parceiros do continente. Antes dos fazendeiros e homens de negócios estiveram os estudiosos, os diplomatas, os estrategistas. Desenvolveram planos de longo prazo e não chamaram as regiões de Shanxi ou de Sergipe. Conheceram a história e respeitaram a soberania dos Estados e seus povos. Muito pode-se criticar sobre a presença chinesa na África, menos que seja aventureira.

 

A “novidade”

 

Todos afirmam que a África é hoje um continente subdesenvolvido, isto é, com carências alimentares, na habitação, na saúde, na educação, na capacidade produtiva, mas por quê? Como chegou a se subdesenvolver? Deixemos de lado o tráfico de escravos que mutilou sociedades por mais de três séculos (período que a força de trabalho africana era arrastada a produzir nas fazendas brasileiras – possivelmente em terras dos antepassados dos 40 fazendeiros) e nos aproximemos do século 20. O que fizeram os europeus, franceses, ingleses, portugueses e belgas na África? O que foi e como foi o colonialismo africano senão um fenômeno do século 20? Não foram lá essas metrópoles para civilizar e levar deus aos africanos? Não foram lá levar a civilização e ensinar-lhes como e o que produzir e consumir? E muito produziram... Mas como fizeram?

 

A colonização levada a cabo pelas potências foram entregues a companhias concessionárias (majestáticas ou à charte na França), que recebiam grandes concessões de terra em troca de pagamento de taxas ao estado colonial, na obrigação de produzirem, e para tal podiam explorar e gerir as populações residentes. Umas desenvolveram a agricultura de exportação (para as metrópoles que viviam a revolução industrial), e até integraram regiões com estradas e ferrovias para escoamento. Outras dedicaram-se à exportação de trabalhadores para as minas dos países vizinhos (caso da Companhia do Niassa). Muito se produziu e se exportou. Criaram-se fortunas com o amendoim, o copra, o algodão, o sisal, o café, o tabaco, a madeira... E onde estão estas riquezas? Nos palácios, estradas e infraestruturas africanas? No sistema de educação, saúde e no nível de alimentação da população negra? O povo africano trabalhou nesse século sob a batuta colonial. Produziu muito no sistema de concessão que agora se quer renovar, e foi esse modelo o que subdesenvolveu a África, trazendo para os africanos a miséria que vivem hoje. E é esse o modelo que agora se quer repetir. Antes dele os povos estavam em melhor situação que após.

 

Não são as terras fartas que chamam a atenção dos nossos fazendeiros, mas a existência de uma mão de obra que pode trabalhar a baixíssimos salários. Isso porque ela tem acesso à terra, já que boa parte da terra ainda é comunitária, e garante a própria subsistência. Enquanto esses homens trabalham nas fazendas, suas famílias produzem nas roças tradicionais. E, tendo a subsistência garantida, são impelidos ao trabalho quase gratuito, muitas vezes à força como demonstra a história, nas áreas dos fazendeiros brancos. Ao final do processo produtivo, a exportação, o PIB, os bolsos de poucos políticos e empresários nacionais envolvidos poderão crescer, mas a população continuará vivendo basicamente das suas subsistências e cada vez mais dependente de uma sociedade que a vem dominando culturalmente, através do radio e da TV, com canais globais e religiosos universais, cada vez mais produzidos aqui mesmo na tropicália. O contexto para um novo colonialismo está preparado, e a sua repetição transformará o que foi o drama colonial numa farsa liberal. Na versão colonial do século 20 as sociedades africanas encontravam-se ainda estabelecidas e foram fortemente exploradas nessa articulação com o capitalismo colonial, que a reduziram à pobreza atual. Hoje elas encontram-se fragilizadas, desconfiadas, famintas, e reeditar tal sistema com promessas e perspectivas de que irão melhorar é uma mentira criminosa.

 

Convém observar que a mudança desse modelo de exploração para o modelo desenvolvimentista, industrializante, com início no pós Segunda Guerra facilitou as propostas nacionalistas que culminaram com as independências das colônias na década de 60. Mas este assunto merece outro artigo.

 

O risco

 

Dizem que as terras em Moçambique estão ociosas. Na verdade, estão ocupadas há séculos por populações que a cultivam com tecnologias específicas, para a sobrevivência, num sistema que exige grande reserva natural e rotação. Quando os portugueses chegaram no continente encontraram homens e mulheres saudáveis e fortes. Não eram povos subnutridos nem subdesenvolvidos, mas populações com níveis tecnológicos distintos dos colonizadores. Passados o tráfico e o colonialismo, o que restou foram populações desagregadas, famintas, subdesenvolvidas, fruto das políticas produtivistas de quem “tomou conta da região”.

 

O que nós brasileiros queremos com a África? Mandar para lá fazendeiros para remontarem um sistema já conhecido historicamente e vencido socialmente, que produz e reproduz miséria para a grande maioria e lucro para poucos? Ou temos a intenção e alguma expectativa de estabelecer uma relação de cooperação que aponte para uma sociedade onde a vida das pessoas se transformem e melhorem?

 

O embaixador moçambicano em Brasília diz que “interessa-nos ter brasileiros em Moçambique produzindo, porque temos grande deficit de alimentos”, e o projeto prevê que será preciso empregar 90% de mão de obra moçambicana. A oferta é para produzir algodão, soja e milho, entre outros, visando a exportação. Sendo o milho o único atualmente utilizado para alimento humano. A Embrapa prepara as sementes com investimentos do Estado brasileiro, e o presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão diz que “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e frete mais barato para a China”. O chefe da Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa diz: “Nessa região, metade da área é povoada por pequenos agricultores, mas a outra metade é despovoada, como existia no oeste da Bahia e em Mato Grosso nos anos 80.” O projeto oferece também isenção para a importação de equipamentos.

 

O que pretende este programa é aproveitar as terras moçambicanas, “de graça”, produzir para exportação, aproveitando-se da mão de obra barata, e a ausência de regulamentação ambiental e sindical. Entretanto, sabe-se já de início, os projetos são de capital intensivo e grande tecnologia, e vão utilizar pouca mão de obra. Os produtos não serão consumidos no país e a renda interna proveniente será a modesta soma de alguns meticais por ano, que ficará com a instituições estatais. Moçambique não é a Bahia, pois a África não é o Brasil. Mas o “Havaí é aqui” e lá.

 

Como se observa, são projetos que podem ser viáveis economicamente, mas não são sustentáveis do ponto de vista ecológico e muito menos social.

 

Ao se concretizar a proposta em análise, faremos com que o aprofundamento da relação com a África, tão querida quanto necessária, se dê por um empreendimento tipo colonial comandado por fazendeiros (e jagunços) e com a benção dos estados.

 

Por desconhecimento da história, despreparo dos envolvidos, falta de objetivos estratégicos, estrutura e planejamento do empreendimento, incluído aí o nosso Estado (pese os avanços recentes), a aventura brasileira na África, nos moldes apresentado, tem muita chance de se dedicar a ir descobrir a roda no cerrado e cair no ridículo, perder dinheiro e criar novos personagens conradianos.

 

Mas, se der certo, dará razão a uma anterior parceria entre Brasil e Moçambique, a de Chico e Rui Guerra, por demais conhecida: “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um império colonial (...), um imenso Portugal.”

 

Entretanto, um outro modelo de cooperação e investimento entre Brasil e o continente africano é possível e urgente de ser pensado. Mas temos que nos preparar internamente para isso, num escopo do que queremos para o nosso povo e das relações entre países.

 

É momento de governo, Estado, universidades, empresários, instituições públicas e privadas, como o Instituto Lula, opinarem sobre um novo modelo de parceria entre Brasil e a África, que envolvesse diferentes agentes brasileiros e africanos, inclusive os fazendeiros do cerrado, para encontrar outro ideal a ser cumprido.

 

jpt

publicado às 12:17

Lula em Moçambique

por jpt, em 15.11.10

Cada vez que aqui torço o nariz à retórica (e à cosmovisão) de Lula da Silva lá recebo os emails (mais ou menos furibundos) de cidadãos brasileiros invectivando o meu anti-brasileirismo (típico raciocínio fascista, o da mistura do país com o líder), de bloguistas retirando-me a velhíssima ligação entre-blogs (típico raciocínio fascista, por mais libertária encenação literária que construam). Concedo, alguns mais simpáticos anunciam-me que estou mal informado sobre Lula. Sim, estou mal informado sobre Lula da Silva, sobre o Brasil. Como estou mal informado sobre a Birmânia, o Chade, Marrocos, a China, a França ou a Irlanda [porque será que não usamos artigo definido com Marrocos?] e tantos outros sítios, como Portugal ou Moçambique. Também não posso botar sobre tudo aquilo?

Vem isto a propósito da visita de Lula a Moçambique, e que o ABM abaixo aborda. Aqui Lula fez uma palestra na Universidade Pedagógica, reportada no jornal O País. Independentemente de outras considerações (as declarações nestes contextos são sempre relativamente circunstanciais) o presidente brasileiro apelou ao reforço das relações entre o Brasil e África, algo que tem sido atrasado pois "... "como nós temos a nossa cabeça colonizada durante séculos, aprendemos que somos inferiores e que qualquer um que enrola a língua é melhor que nós”, disse."

E lá está, o ínvio discurso identitário, do Brasil que se vê como colonizado, dos brasileiros como colonizados, nisso projectando o seu húmus, explicando a sua realidade. Sim, fica bem na fotografia, aquando se chega aos países ex-colónias, o sedimento de uma irmandade (o gilbertofreyrismo de Brasília, nisto diverso do de Lisboa, mais cplpiano). Mas a que realidade se refere? Sobre essa auto-mitificação brasileira, do povo colonizado e vitimizado, e para quem lê francês, há um (já velho) delicioso texto do antropólogo Christian Geffray aqui. Uma falsificação histórica, agitada para enfrentar aqueles que "enrolam a língua" e nisso apenas esconder as actuais relações de poder.

Há quem pense que ser "progressista" / "desenvolvimentista" (ou até "de esquerda") é perfilhar este obscurantismo. Por mim que venha para África o investimento brasileiro. E, como prometido, que venha também a transferência de conhecimentos. Fantástico. "Enrolarei a minha língua" de satisfação. E quando começarem a dançar os obrigatórios "forró do colonizado" e o "samba do feio gringo" irei para casa, apenas enfastiado. Pois se não tenho paciência para as lusofonices no meu país porque haverei de ter para as patrioteirices dos outros, tão ou mais ordinárias? Mais ordinárias, diga-se. Pois falta-lhes, há que ser sincero, o charme discreto do gringo.

jpt

publicado às 07:00

Gilberto Gil em Maputo

por jpt, em 20.02.04

Há alguns meses Gilberto Gil esteve aqui com o presidente Lula. Esteve, totalmente informal, no Café com Letras onde Naguib e Stewart Sukuma organizaram uma bela noite para ele (e para nós todos).

 

Nessa noite Eduardo White leu um extraordinário poema escrito para ali, nada encomiástico. E orgulhou! Nessa noite Cabaço, Salimo, Stewart, Chitzondzo (?, olhem, não estou certo) e outros cantaram um pouco, ali para mostrar. Nós todos gostámos. No fim Gilberto Gil cantou umas quatro músicas, e aqueceu. E todos nós gostámos. Depois prometeu que viria cá "com mais tempo" em Março. Cantar mais.

 

Não mais se ouviu falar disso. Está-se à espera. Se vier talvez chegue mais triste ou desencantado dessas coisas de ministro. Não terá razões para tal.

 

Pois não há nada de novo neste mundo. "Same old scene" era uma música romântica quando eu era novo.

publicado às 20:13


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