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No seguimento do seu belo painel de actividades a Kulungwana (na estação dos CFM de Maputo) organizará no próximo dia 20 de Fevereiro, quinta-feira, às 18 horas, uma dupla actividade recordando Ricardo Rangel. Inaugura uma exposição de fotografias suas (que se poderá visitar até 9 de Março), dita "Uma História - Mil Estorias".

 

E apresenta um livro colectivo dedicado à obra do fotógrafo, "Ricardo Rangel: Insubmisso e Generoso", o qual brotou de um encontro que lhe foi dedicado, realizado em Julho de 2012 (e que aqui referi), agregando textos então apresentados e alguns outros.

 

Recordo que tive o prazer de participar nesse encontro. O texto da minha comunicação ficou fora desta publicação, excessivamente coloquial para a integrar, uma coisa de ocasião que seria agora redundante - e Rangel implicava imenso com as redundâncias, como o mostrou no seu delicioso livro "Foto-jornalismo ou Foto-confusionismo", uma pérola de ironia pedagógica infelizmente algo esquecida.

 

De qualquer modo, para quem tiver curiosidade, e como aperitivo para o livro que aí vem (e para a exposição), aqui deixo a ligação para esse meu texto-homenagem ao grande Rangel, dedicado à sua longa reportagem sobre a então rua Major Araújo (hoje Bagamoyo), a sede do bas-fond da cidade de então: "A Lente Pertinente: Ricardo Rangel no "Pão Nosso de Cada Noite".

 

Até dia 20, dia para lembrar, um bocado mais do que o habitual, o grande Ricardo Rangel.

 

 

publicado às 14:14

Sobre Ricardo Rangel

por jpt, em 02.10.12

 

 

Um texto que não é de blog. Sobre o livro "Pão Nosso de Cada Noite" de Ricardo Rangel e ao qual chamei "A Lente Pertinente". Fica aqui a ligação disponível para quem tiver interesse/paciência.

 

jpt

publicado às 11:29

Regressar a Rangel

por jpt, em 12.07.12

O meu texto para a edição de ontem do "Canal de Moçambique" 

 

Regressar a Rangel

 

Aproveito esta coluna para anunciar a realização de um colóquio sobre a obra de Ricardo Rangel, que decorrerá na tarde da próxima terça-feira 17 de Julho, nas instalações do Centro Cultural Brasil – Moçambique (o “velho” CEB, nome do qual me custa apartar, por força do hábito, conservador que fiquei, e das boas memórias que me evoca, desses tempos do milénio passado em que cheguei a Maputo).

 

O colóquio que aqui divulgo é uma organização conjunta do próprio CCBM e da Associação Kulungwana. E inscreve-se num ciclo já longo de actividades que têm vindo a visitar a obra do fotógrafo, que a activa Kulungwana realiza. Estou aqui a saudar esse esforço. Sabemos bem que a tradição das homenagens, sonoras e luzidias, aquando do passamento das personalidades se costuma associar ao posterior lento e consistente esquecimento das suas obras. O que através da Kulungwana se tem proposto é evitar esse parco destino, através do constante recordar e reflectir sobre o que fez Rangel. E nisso também o seu transporte para novas gerações, estas vivendo outros contextos sociais e, também, outros contextos de produção, manipulação, divulgação e publicação da(s) imagem(ns).

 

O que se procurará fazer na próxima tarde de 17 de Julho não é (mais) uma homenagem mas sim produzir um feixe de conversas que enquadrem Rangel, a sua acção e o contexto da sua produção. Um enquadramento que intenta estabelecer uma visão crítica, analítica, dos modos como Rangel se transformou num ícone do país. Melhor dizendo, como se tornou ícone do projecto de país, o moldou por via do modo como olhou o real que o envolvia.

 

É muito interessante na actualidade olhar para o conjunto alargado, e tão disponível seja em livros seja nesse universo das redes sociais, de fotografias do tempo colonial. Os temas, as personagens, os tiques, os modos, o conteúdo dessa universo iconográfico e como ele desvenda as características comuns dos olhares que premiam os botões das câmeras fotográficas. Amadoras ou profissionais. Também por isso é tão interessante regressar ao Ricardo Rangel, à especificidade do seu olhar de então, consciente, consistente, ardente. Único no seu meio.

 

Participarei nesse colóquio, algo que muito me agrada pelo encanto que sempre tive pelo Ricardo Rangel . E pelas suas fotografias. Nesse dia o seu companheiro e colega Calane da Silva (que falará em casa, pois director do CCBM) falará dos ambiente de formação e acção de Rangel, “A geração de Ricardo Rangel” e o José Mota Lopes abordará a forma como Rangel foi sendo recebido no seu tempo (“Ricardo Rangel nos textos dos seus contemporâneos”). O seu colega Rui Assubuji abordará por dentro a obra (“RR – uma visão crítica da sua arte”) e o Nelson Saúte tem por tema “O foto-jornalismo, ontem e hoje”, procurando as continuidades e as transformações nos objectivos e efeitos. Algo fundamental, num mundo dos mídia em tamanha transformação. O académico americano Drew Thompson, que prepara um doutoramento sobre a história da fotografia moçambicana, falará sobre “Ricardo Rangel como ícone na produção da história de Moçambique” e eu atrever-me-ei a falar do magistral “Pão Nosso de Cada Noite”, essa pérola que continuo a considerar como representação máxima do olhar do … antropólogo.

 

Espero que a casa, o auditório do CCBM, encha. Para debatermos Rangel. E, por isso e através dele, debatermos a vida e o mundo. E que no fim, já bocas secas de tanto opinar e contra-opinar, possamos sair. E ir passear na baixa. Até terça!

 

jpt

publicado às 02:22

Ricardo Rangel em Maputo

por jpt, em 08.07.12

 

Ricardo Rangel, "Apetecido Quintal de Caniço". Fotografia publicada em "Pão Nosso de Cada Noite"

COLÓQUIO SOBRE A OBRA DE RICARDO RANGEL

 17 de Julho de 2012, 14.30 H.

Centro Cultural Brasil-Moçambique

 

A organização deste colóquio decorre de uma articulação entre a Associação Kulungwana e o Centro Cultural Brasil-Moçambique. A moderação será de José Luís Cabaço.

 

Uma boa forma de estar com Rangel e a sua memória. Enquadrando a sua obra, discutindo-a. Não se trata de uma homenagem, muito mais de uma longa conversa com e sobre.

 

Programa

14.30.  Abertura:

 

14. 45. Raul Calane da Silva: "A geração de Ricardo Rangel"; 

José Mota Lopes: "Ricardo Rangel nos textos dos seus contemporâneos"

(Debate)

 

15.55. Rui Assubuji: "Ricardo Rangel - uma visão crítica da sua arte"; 

Nelson Saúte: "Foto-jornalismo, ontem e hoje"

(Debate)

 

17.00. Drew Thompson: "Iconocity of Ricardo Rangel and the production of Mozambican history";  

José Teixeira: "O "Pão Nosso de Cada Noite": ousadia datada ou tema actual?".

(Debate)

 

18.00. Encerramento e convívio.

 

Depois, quem sabe?, poder-se-á fazer um passeio a propósito do Ricardo Rangel. Espero que sim, será o dia.

 

jpt

publicado às 09:30

Ranjazz

por jpt, em 09.03.12

 

Ontem fomos , eu e o JPT, finalmente juntos em technicolour e ao vivo em Maputo. Chegámos com um ligeiro atraso mas a ocasião pedia comparência. Foi inaugurada a exposição “Ricardo Rangel e o Jazz”, um conjunto de retratos do jazz – de Miles Davis a Mário Laginha. A preto e branco e com o cunho rangelista. O local é a Galeria Kulungwana, lá em baixo nos CFM, logo a seguir ao restaurante-bar mais bonito do hemisfério sul – o Kampfumo.Mesmo ao lado seguiu-se um dos melhores concertos jazz a que assisti ultimamente. Maputo Jazz de sua graça consta de um sortido de músicos fabulosos sob a batuta do professor Orlando da Conceição – mano velho versado nestas lides. A eles juntou-se primeiro a voz de Irina, moçambicana cheia de swing e dona de uma voz para a qual não encontro adjectivos adequados. Depois foi a vez da Elinna, que veio da Finlândia para nos encantar com o seu canto e a sua dança.A noite estava amena, a lua ainda ia cheia e o vento aquietou-se para que nada perturbasse o ambiente. Os amigos, recentes e mais antigos, eram muitos e reinava a boa disposição. Os aperitivos foram fartos, variados e gostosos. O único senão? Não havia chamussas. (Ou chamuças, vá!)ALPS: sim eu sei que a foto está toda desfocada, não tem qualidade iada-dada-dada, mas foi o que consegui. Lá diz o povo: quem dá o que tem .... fica sem nada

publicado às 20:36

Ricardo Rangel e o Jazz

por jpt, em 06.03.12

Na próxima quinta-feira, 8 de Março, abre na Kulungwana (estação dos CFM) a exposição "Ricardo Rangel e o Jazz", seguindo-se o tradicional convívio (e nestas coisas sempre me lembro do próprio RR a ironizar nas constantes inaugurações em que nos encontrávamos, resmungando de sorriso aberto com o "mesmismo", isso de sermos sempre os mesmos). Será mais uma das iniciativas que essa associação/galeria está a realizar desde o ano passado para recordar o fotógrafo.

E para além do convívio acontecerá um espectáculo de jazz no bar-restaurante imediatamente ao lado - inaugurado há anos como "Chez Rangel", o seu último grande projecto, para além do constante Centro de Formação Fotográfica que acompanhou até à morte, então uma casa de jazz que levou o seu nome e a sua direcção musical. E vai ser bonito não só regressar e descobrir as fotografias que durante décadas dedicou aos músicos mas também regressar, por um dia, à memória desse clube de jazz, ao sorriso imenso que o RR sempre lá plantou, naquele entusiasmo de quem cumpria um sonho e se divertia imenso com isso.

Pouco sei do espectáculo que acontecerá e de restantes actividades que rodeiam a exposição mas ouvi rumores que José Duarte estará presente, vindo de Portugal para a ocasião. Para falar? Para coordenar? A ver vamos. Na quinta-feira, a partir daquela hora das 18.jpt

publicado às 00:53

Uma Cesta de Natal

por jpt, em 14.12.11
 

[Este é o texto de hoje no Canal de Moçambique]

Mês de Natal, também festa de família num país tão multi-religioso. Festa nas cidades, pelo menos para os que não adversos ao “universo cristão”, que Natal no campo é bem outra coisa. Festa para cristãos, por crença e hábito ancestral, e de outras confissões, por salutar convívio com usos que lhes foram alheios. De consumo excessivo, coisa de ritual. Pois momento de sacrifício, de oferendas, de dissipar para vir a (re)colher num futuro que venha.

Durante o mês vamos partilhando as “Boas Festas” com conhecidos ou desconhecidos, assim querendo-as para todos. No dia juntam-se as famílias, às vezes até nelas acolhendo amigos, esses assim anunciados como parentes, espirituais. Come-se e bebe-se em demasia, e nisso em cada casa conforme o que se pode. Para isso preparam-se as coisas do costume, que se a mesa deve ser farta o possível este não é momento de inovações. Pois em cada sítio comer-se-á diferente mas todos têm “aquilo que deve ser” o dia.

Trocam-se dádivas, as prendas, no dizer e confirmar que “somos família, somos dos nossos” e nisso até se estendem, a esses amigos então ali e mesmo a outros, visitados para a ocasião, num afinal “és como família”. Trocam-se prendas e sentimentos, sem sentimentalismo. É altura em que mesmo os mais empedernidos gostam de ser ofertados, de serem assim lembrados. Convocados.

Alguns ofertam os mais pobres, forma de dizer que todos são parentes ou que o deveriam ser nesta humanidade. Talvez por isso tão acertados vão aqueles que dizem que o Natal deveria ser todos os dias. Os religiosos vão à missa. E nisso falam com os antepassados, é dia de (também) os evocar. E, até, de os invocar.

Assim comungamos, “estamos juntos”. Tréguas nas zangas, intervalo no individualismo, hesitações no puro egoísmo. Para continuarmos a ser. E na esperança que por todo este excesso, de coisas e sentimentos partilhados, venhamos a ter e a ser mais. Até este ateu, que escreve, sente assim os dias. Mesmo que depois siga, sei-o bem, na sua concha. Imóvel.

Nesta altura, imigrante longe da família, festas assim dolorosamente amputadas, partilho a minha imaginada cesta de Natal, aquelas oferendas que escolheria, tivesse eu o dinheiro e a gente para ofertar. Alguns lerão e resmungarão que o povo não tem dinheiro para isto, que agrido a pobreza alheia. Outros dirão que faço publicidade, deverei estar a ser pago. Sejam, sff, natalícios, suspendam a má-vontade. Partilho gostos, apenas. Então é assim a minha imaginada cesta de Natal, 10 prendas:

Um livro, “Sangue Negro” de Noémia de Sousa, reeditado este ano pela Marimbique. E alguém poderá ler, alto, algo como se canção de Natal: “Dia a dia / o pulso à roda de tudo / se aperta mais e mais … /Dia a dia, grades e grades se forjam / tapando o sol de toda a gente. / Dia a dia / do fundo da noite em que nos estorcemos / mais e mais se sente / a certeza radiosa de uma esperança …”.

Um saco de castanha de caju. A castanha é a minha paixão. Compro-a (sacos de 180 meticais) nas vendedoras do mercado do peixe, e nunca me arrependi.

 

O single “Caranguejo”, de Stewart Sukuma. Porque alegra. E porque o cantor nos vem dando entretenimento denso, juntando a tradição urbana com a moderna qualidade de produção, sem facilitismo. Se há indústria musical aqui é Stewart.

Um frasco de mel, por exemplo daquele de Boane, que ainda não é uma compota química.

Uma aguardente Aloe, produzida no Mossuril. Que tal um intervalo no culto dos “rótulos vermelhos” ou “negros”? Esta destilação da aloe vera, célebre planta dita miraculosa merece atenção. Não curará os excessos alcoólicos mas animará o convívio.

Olhando o que vem do Mossuril junto o licor de jambalao (Jamba Brandy), para beber fresco e partilhar com as senhoras. E esqueça-se a Amarula, esse leite condensado bem publicitado, sff.

Uma fotografia de Ricardo Rangel. No ciclo de actividades que o homenageia já houve a exposição “Rangel e as crianças”, na galeria Kulungwana (estação dos CFM). Por 3000 meticais (imenso para a maioria, mas acessível à burguesia natalícia) pode-se ter uma das fotos com que Rangel retratou e imaginou Moçambique. A dar a alguém a quem se quer dizer algo especial.

Um conjunto de seis frascos de condimentos (300 meticais). Eu compro os do restaurante Petisco (no Hoyo-Hoyo), excelente fabrico caseiro, e proponho uma mescla de achar de limão, chutney de limão e tâmara, chutney de manga, miscut de tendlim, miscut de manga e kassaundi de manga.

Um queijo de Chimoio, até amanteigável, ou até mesmo do apicantado. Bem mais saboroso do que os sintéticos que chegam da vizinhança ou dos básicos e caríssimos portugueses que aportam a Maputo.

Outro disco, o “Timbila Ta Venâncio – Ao vivo no Teatro África”, o apenas segundo disco do enorme Venâncio Mbande, gravado este ano. Bom som, boa produção, uma selecção de 11 significativas músicas. Se tantas loas tem a música de timbila então é obrigatório levar o disco para casa dos parentes. Sem discursos, só para gozar a vivacidade e a riqueza, feitas alegria.

Desejo a todos um Natal “saborosamente moçambicano”.

jpt

publicado às 16:34

Com a lente no olhar

por jpt, em 28.10.11

 Foto tirada daqui: http://artephotographica.blogspot.com/2009/06/ricardo-rangel-1924-2009.html

[Foto daqui]

 

Exposiçao de fotografias de Ricardo Rangel

Kulungwana - Estaçao central dos CFM, 03 Novembro, 18:00 - 27 Novembro

 

Uma história, mil estórias

 

Muitas das suas das fotografias têm uma história contada por Rangel ou pelos seus amigos. Por isso, esta exposição é como que uma história onde se reúnem e contam e se podem imaginar e criar mil estórias à volta de uma fogueira.Só vou contar aqui uma das histórias, que corre o mundo e que demonstra o espírito heróico de Ricardo Rangel. É a história de uma fotografia e que regista a história de um menino a quem chamavam “o oito” porque tinha uma marca na testa com a forma de um 8 deitado:

 

 

Um dia, Ricardo Rangel soube que um criador de gado colonialista tinha marcado o seu jovem guardador de gado com o ferro em brasa, que usava para marcar o seu gado, por ele ter perdido um dos seus bois. Então, Rangel foi para Changalane e procurou o jovem durante dois dias até finalmente o encontrar. Fotografou-o. O patrão do menino queria dar-lhe um tiro, mas Rangel, armado com a sua máquina fotográfica, não teve medo das armas do patrão daquele menino.Como Ricardo Rangel disse, a fotografia foi sempre sua arma para defender, dignificar e eternizar o povo.

 

AL

publicado às 19:08

 

[Fotografia de Ricardo Rangel, Tempo, nº 4, Outubro de 1970]

 

Alexandre Pomar recorda os números iniciais da revista Tempo (Setembro e Outubro de 1970) mostrando esta e outras duas fotografias de Ricardo Rangel, aí publicadas.

 

(e a propósito desta pequena memória de Júlio Resende em Moçambique será de visitar os textos dedicados ao pintor que Alexandre Pomar recorda).

 

jpt

publicado às 22:21

Revisitar Rangel

por jpt, em 04.06.10
Na Kulungwana (na estação dos CFM) inaugura a 10 de Junho (18 h.) uma retrospectiva de Ricardo Rangel, "Revisitar Rangel" que estará exposta até 15 de Julho. Teremos mais de um mês para matar saudades ...jpt

publicado às 00:15

Fotografias de vida

por jpt, em 01.12.09

Sergio Niassa

[Sérgio Santimano, Macalange, Niassa oriental, 2001]

Todos teremos imagens de vida. E nessas, talvez, fotografias de vida. Esta é uma das fotografias da minha vida. Ao revê-la exposta, agora na Bienal TDM 2009, logo a paixão disse "presente". É paixão, não tem qualquer argumentação que a ancore. "Bigger than life" dizia-se do cinema quando ele o era, "Deeper than life" direi eu desta "(Mulher de) Macalange" encontrada no seu quotidiano percurso ao celeiro pelo Sérgio Santimano.

A fotografia moçambicana produziu alguns símbolos - e nesse sentido produziu a nação, construíu a identidade por via simbólica. Para cada era haverá um ou outro ícone particular: "os lavabos" e o "ferro em brasa" de Ricardo Rangel, o "banho dos soldados" de Kok Nam (que abaixo deixo), são fotos que considero particularmente relevantes. E se Rangel foi um grande reporter-narrador de Moçambique já a Kok Nam vejo-o, fundamentalmente, como um pintor de ícones - algo que obrigará à recolha da sua obra em livro, o que tarda -, bem adequado à época do seu apogeu fotógrafo, a do voluntarismo pós-independência.

Kok Banho

[Kok Nam, "Sem título, Rio Révue, Manica, 1981". Reproduzida em Bruno Z'Graggen, Grant Lee Neunburg (orgs.) Iluminando Vidas. Ricardo Rangel e a Fotografia Moçambicana, Christoph Merian Verlag, 2002]

Ricardo Ferro em Brasa

[Ricardo Rangel, (rapaz marcado com ferro). Reproduzida em Ricardo Rangel Fotógrafo, Éditions de l'Oeil, 2004]

Ricardo Lavabos

[Ricardo Rangel, "Casas de Banho. Onde só o negro podia ser criado e só o branco era um homem, Lourenço Marques, 1957". Reproduzida em Bruno Z'Graggen, Grant Lee Neunburg (orgs.) Iluminando Vidas. Ricardo Rangel e a Fotografia Moçambicana, Christoph Merian Verlag, 2002]

Mas para mim, indivíduo aqui imigrado, há 3 fotografias moçambicanas que me são cruciais, que me construíram a auto-imagem, meio auto-reconhecimento, meio auto-embelezamento: uma "Aldeia Comunal" de Kok Nam (que vi na sua exposição individual da Photofesta, e da qual nunca consegui recuperar), a crucial "Apetecido Quintal de Caniço" de Rangel - as quais reproduzo abaixo -, e esta "Macalange". Um trio que faz o "meu" Moçambique. Ou melhor, me faz em Moçambique.

kok Nam.jpg

 

Ricardo Apetecido Quintal de Caniço

[Ricardo Rangel, "Apetecido Quintal de Caniço". Reproduzida em Ricardo Rangel, Pão Nosso de Cada Noite, Marimbique, 2004]

A (Mulher de)"Macalange" de Sérgio Santimano pertence a uma exposição individual dedicada à província do Niassa, que tem sido apresentada de forma itinerante. E está reproduzida - é apenas assim que a possuo - no livro "Terra Incógnita", publicado na Suécia em 2006, contendo fotografias de Sérgio Santimano e textos de Albino Magaia, Luís Carlos Patraquim, Bosse Hammarstrom, Henning Mankell

 Sergio Niassa Capa

É fruto de um longo trabalho de pesquisa, repetidas viagens à província. Um projecto possibilitado pelo apoio da "cooperação" sueca, penso que inscrito num esforço de testemunhar o papel desenvolvimentista que esta teve (e penso ainda ter) na província - o que marcará o livro, que tem como ponto fraco algum excesso de imagens (algumas pobres páginas com oito fotos cada), talvez no intuito de mostrar trabalho. Do patrocinador, do fotógrafo.

Mas esse é ponto fraco. De resto o livro é bem apetecível. Pois se "Fotografar é assumir uma responsabilidade. As imagens que ficam para trás são rastos importantes para o futuro." (Mankell) o que Santimano deixa, responsavelmente, não é apenas um conjunto de postais sobre a beleza natural do Niassa (ainda que aqui e ali ela surja, avassaladora). É o mundo humano, feito do camponês, como o espantoso "homem emergindo do rio, que não é Narciso" (Patraquim?). Mas também, e nisso rompendo com  o constante e atávico olhar exoticizador dos fotógrafos em bolandas, com um mergulho no trabalho industrial do Niassa, de trazer a sua densidade, beleza. Essa a "responsabilidade" do Sérgio Santimano, a de afastar sem hesitação a folclorização. Do Niassa, do mundo. E, só assim, de o representar.

Também por isso, talvez por isso, toda a minha paixão por esta (Mulher de)"Macalange".

jpt

publicado às 16:07

Um texto sobre Ricardo Rangel, publicado no jornal Público.

"Ricardo Rangel, o fotógrafo que ofereceu um espelho aos moçambicanos"

Por Alexandra Prado Coelho

1924-2009

Os amigos disseram-lhe adeus ao som de Charlie Parker, como ele teria gostado. O jazz era, a seguir à fotografia, a grande paixão de Ricardo Rangel, o decano dos fotojornalistas moçambicanos, que morreu aos 85 anos. Desapareceu o homem com "um clique mágico".

Um dia, numa conversa de café, o fotojornalista moçambicano Ricardo Rangel ouviu falar de um miúdo negro que era pastor e trabalhava para um criador de gado português que, como castigo por ele ter perdido um animal, o tinha marcado na testa com o mesmo ferro em brasa que usava para marcar o gado. Rangel pegou no carro e, juntamente com Raul Alves Calane da Silva, companheiro de redacção, pôs-se a caminho para a zona de Changalane, onde lhe tinham dito que o miúdo vivia. Procurou-o durante dois dias até finalmente o encontrar. Chamavam-lhe "o oito", por causa dessa marca, em forma de oito deitado. Rangel fotografou-o - os olhos de uma tristeza infinita, e a marca do patrão gravada na testa. "O indivíduo [o português] queria dar-nos um tiro", recorda Calane da Silva, ao telefone com o P2 a partir de Maputo, a capital moçambicana, poucas horas depois do funeral do seu grande amigo e companheiro de aventuras desse tempo em que perseguiam as notícias "até às últimas consequências, mesmo com risco de vida".

Ricardo Rangel morreu no dia 11, em Maputo, aos 85 anos, na sequência de problemas cardíacos, e teve, na segunda-feira, um funeral com honras de Estado. A última despedida dos amigos foi como ele tinha pedido: "ao som de Charlie Parker", conta Calane da Silva. "O Ricardo tinha um clique mágico", continua o amigo. "Estava sempre com os olhos atentíssimos e aliava o fotojornalismo à arte fotográfica." Gostava de sair para a rua e fotografar, mesmo sabendo que no Moçambique pré-independência a censura não iria deixar passar a grande maioria das imagens. "Ele guardava-as porque tinha o sentido da História. Ia-as recolhendo, sabendo que um dia seriam a imagem histórica do que aconteceu."Ia registando um país.

E fazia-o "com uma consciência política muito mais marcada que o resto do pessoal", sublinha ao P2 Kok Nam, outro grande nome do fotojornalismo moçambicano e companheiro de trabalho de Rangel em várias publicações. "Ele já era anticolonial nos anos 40. Teve sempre muito a noção da exploração do homem pelo homem."

A Rua Araújo

Filho de um negociante grego, Ricardo Rangel, que nasceu em 1924 na então Lourenço Marques (hoje Maputo), tinha uma mistura de sangue europeu, africano e chinês que fez dele o primeiro foto-repórter não branco a trabalhar para a imprensa moçambicana. Em 1941 foi estagiar para o laboratório de fotografia de Otílio Vasconcelos, passando depois pelo estúdio fotográfico Focus, antes de, em 1952, chegar finalmente aos jornais, tornando-se "foto-repórter" do Notícias da Tarde, onde ficou até em 1956 se mudar para o Notícias. "A fotografia sempre foi para mim uma coisa mágica e comecei no laboratório, a varrer o laboratório. Andei anos nisso", confidenciou a Luís Carlos Patraquim, numa entrevista publicada em 1991 no PÚBLICO. "Só muito mais tarde me atrevi a pegar num caixote e, mesmo assim, quase às escondidas."Era depois de terminar o trabalho e de sair da redacção que, com a "Canon a tiracolo e uma sede infinita de estar com a sua gente, rumava à grande catedral dos sacrifícios ingénuos", a Rua Araújo, na Baixa de Lourenço Marques, relata Patraquim. "No começo não sabia porque tirava certas fotos", confessa-lhe Rangel. "As pessoas diziam-me: 'Tu não és preto, porque é que andas a tirar fotografias a pretos?' Comecei a tomar consciência quando as queria publicar e a censura cortava. Nada de mendigo, o gajo todo roto a pedir, o polícia a algemar o 'indígena'. Tirei muitas fotos que sabia que nunca seriam publicadas. E guardei sempre os negativos."

Mais tarde as fotos da Rua Araújo transformar-se-iam num livro, O Pão Nosso de Cada Noite, e eternizariam as prostitutas de calções curtos e penteados elaborados que nos anos 60 e 70 trabalhavam nos bares Texas ou Casablanca. "A Rua Araújo era impublicável", conta Rangel nessa entrevista. "Muitas das minhas chapas ficaram nas redacções por onde andei, mas o que, ao longo da década de 60, fui fixando da minha rua, esse é material que me pertence."Entre as prostitutas, os marinheiros e os noctívagos da Rua Araújo misturavam-se muitos pides, recorda Calane da Silva. E durante anos Rangel fotografou-os. Depois do 25 de Abril, Calane escreveu uma grande reportagem sobre eles, e publicaram as imagens. "Pusemos os homens com os nomes em baixo e tudo."

A paixão pelo jazz.

Entre os anos 60 e 64, Rangel foi chefe da secção de fotografia do recém-fundado A Tribuna. E, em 1970, com outros jornalistas, entre os quais o colega fotojornalista Kok Nam, lançou-se na aventura da revista Tempo, a primeira a cores em Moçambique. Kok Nam lembra-se da última página chamada Objectiva, "que seria como que o editorial dos repórteres fotográficos", e do peso que a fotografia conquistou na altura. Mas lembra-se também como na Tribuna Rangel "fez grandes reportagens nos subúrbios, quando ninguém pegava nos subúrbios", e como, apesar de "não ser um fotógrafo oficial", fotografou três chefes de Estado depois da independência. "Viveu tudo, deixou uma grande obra, deixou a história de Moçambique registada."Foi nos anos 60 que José Luís Cabaço começou a ter um contacto mais intenso com ele. "Partilhávamos visões sobre o colonialismo e pertencíamos ao mesmo grupo", conta ao P2. Mas foi depois da independência, na época em que Cabaço se tornou ministro da Informação, que "a amizade se consolidou", e quando decidiu criar "o Domingo [em 1981], que era um jornal muito gráfico, muito ligado à vida quotidiana", o ministro achou que "a pessoa óbvia" para o dirigir era Rangel. "Era a primeira vez que um fotógrafo assumia a direcção de um jornal", sublinha. Mas Rangel era muito mais do que um grande fotógrafo, afirma Cabaço. "Deu-nos uma grande lição de alegria de viver, amor pela vida e pelas pessoas e grande indignação com as injustiças." Amava a fotografia e amava profundamente o jazz. "O jazz tinha raízes na afirmação africana, na ideia do negro como sujeito musical, e é um elemento fundamental para compreender as várias dimensões através das quais Rangel vivia o seu nacionalismo", explica o antigo ministro. Até à chegada de Rangel, "a fotografia em Moçambique era a do colono, e o colonizado aparecia como complemento". Ele "traz o colonizado para sujeito do processo de registo, na sua dimensão de dominado e explorado", e assim torna-se "um construtor privilegiado do imaginário anticolonial". Era nas imagens dele que o novo país se podia finalmente ver ao espelho.

E esse espelho mostrava as injustiças, mas mostrava também outras realidades. Calane da Silva lembra-se de uma imagem que Rangel mostrou na primeira exposição que fez em Moçambique, em 1957, e que mais tarde lhe ofereceu: um casal português, brancos de meia idade, transportando cimento à cabeça, enquanto constroem a sua casa, lado a lado com dois operários moçambicanos. Uma imagem a dizer que "os colonos também podem ser gente como nós". Quando, em 1971, Rangel foi enviado a Portugal para cobrir o primeiro festival de jazz de Cascais, voltou também cheio de fotografias que mostravam as peixeiras portuguesas, e as mulheres de trouxas à cabeça, para mostrar que afinal as diferenças entre um mundo e o outro não eram assim tão grandes. "Era também uma pedagogia", explica Calane da Silva.

Ricardo Rangel gostava de ensinar, e várias gerações de fotógrafos moçambicanos aprenderam com ele, primeiro nos jornais, depois, a partir de 1983, no Centro de Documentação e Formação Fotográfica de Maputo, que dirigia. Sérgio Santimano, hoje a trabalhar na Suécia, foi um dos que estagiaram com ele no Domingo. E não esquece o muito que aprendeu. Não esquece, por exemplo, o dia em que, encarregue de fazer fotos para um trabalho sobre o amor, ouviu as críticas de Rangel. "'Sérgio', disse ele, 'isto não é amor. Sabes o que é fome?', perguntou. E de repente meteu a fotografia na boca e começou a comê-la. 'Sabes o que é dançar?' E, sem eu ter tempo de reagir, agarrou-me e começou a dançar. Percebi o que ele queria dizer: a fotografia não pode ser meios-termos, meio gás." Mais tarde, já depois de viver na Suécia, encontrava-se às vezes com Rangel e falava-lhe nos seus projectos fotográficos. "Ele brincava com isso. 'Tu tens sempre projectos', dizia. 'Eu nunca tive nenhum projecto. Acho que um dia também vou ter que arranjar um projecto.'

"Santimano e todos os outros que aprenderam com ele "partilham a mesma visão humanista", escreve Simon Njami, director da bienal de fotografia de Bamako, no Mali, num texto para a exposição Iluminando Vidas, que esteve na Culturgest Porto em 2004. Rangel "ensinou-lhes a importância de uma interpretação com pudor e respeito pelo semelhante, como se o tema da fotografia fosse uma maneira de criar incessantemente um auto-retrato".

publicado às 23:19

Apetecido Quintal de Caniço

por jpt, em 11.06.09

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Ricardo Rangel

publicado às 23:52

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Pioneiro do jornalismo fotográfico Moçambique, olhar único na sua mescla de paixão e ironia, há pelo menos uma década que Ricardo Rangel vem assistindo a uma sucessão de homenagens oficiais. Mais que merecidas, e duplamente pois Rangel não as troca por particular vénia, mantendo-se dono daquele tom jovial, corrosivo, que convoca os circundantes. A pensarem, nisso que lhe são decerto homenagens privadas quotidianas. Que me lembre desde que alguém em Portugal se lembrou de o condecorar como Oficial da Ordem do Infante (1998) seguiram-se a moçambicana Nanchingwea e a francesa Cavaleiro das Artes e Letras (2007). Agora a Universidade Eduardo Mondlane atribuíu-lhe o doutoramento honoris causa, coincidindo com a evocação dos seus 50 anos de actividade profissional como fotógrafo. Efeméride saudada com uma exposição retrospectiva apresentada no Centro Cultural Franco-Moçambicano, "Ricardo Rangel. História, histórias ... 50 Anos de fotojornalismo em Moçambique" – os franceses atentos a não se ficarem pela condecoração, claro -, honesta conjugação de meia centena de fotos comissariada por Marie Lelièvre e produzida pelo próprio "Franco".

Poderia esta exposição ter mais brilho? Ter originado um catálogo e texto enquadrador? Com toda a certeza, mas decerto que os meios não abundavam e essa certeza sublinha-lhe os méritos.

Mas neste cortejo particular relevo terá esta recente colectânea de textos, explicitamente deixada como "Ricardo Rangel. Homenagem de Amigos" (Ndjira, 2008), obra organizada por Ramiro Oliveira, integrando reproduções de quadros sobre suas fotografias da autoria do seu velho companheiro de há quarenta anos, o pintor José Pádua. A essas se juntam 12 textos sobre o fotógrafo, desde uma nota de Ricardo Saavedra sobre uma exposição de 1969 até ao texto de António Pinto de Abreu sobre este livro, memória de quatro décadas de olhares sobre Rangel que incluem autores como António Sopa, Calane da Silva, Luís Bernardo Honwana, Mia Couto, Nelson Saúte e outros. Gente rendida, anos a fio, a essas lentes de carinho que foram fazendo um longo "álbum de crítica aos poderes prostituintes ... [no qual] reúnes a tua consciente desobediência, teu cívico inconformismo, a tua indocilidade e a tua infracção às regras do jogo ... deles.", como disse José Craveirinha (14-15).

publicado às 11:51

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A partir de 21 de Outubro, no Franco-Moçambicano, um mês para a retrospectiva de Ricardo Rangel. A ver. E a esperar que a produção seja esmerada - digo-o pois o sítio não é bom para exposições, para além do habitual descuido nas montagens e da tradição da inexistência de materiais complementares às exposições. Num caso destes exigir-se-á um verdadeiro catálogo, ainda para mais.

É de antever que estes "50 anos" tenham surgido para serem integradas na Photofesta - infelizmente cancelada. Se assim foi será de esperar um cuidado particular, uma verdadeira produção, aquilo que Ricardo Rangel merece. Nesse caso será, indiscutivelmente, o acontecimento do ano.

publicado às 00:04


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