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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Em 1984, quando a troika se chamava FMI e Vítor Gaspar era insultado como Ernâni Lopes, foi o 10º aniversário da revolução. Eu e alguns amigos, entusiasmados no fim da idade "teen", fomos às comemorações. Saímos dos Olivais e dirigimo-nos à Aula Magna onde decorria o evento anunciado. Fomos recebidos à porta por um até atrapalhado segurança civil, que faríamos nós ali, meia dúzia de cabeludos e desarranjados jovens? Não que nos tenha barrado, apenas nos acompanhou. Lá dentro algumas dezenas de dignitários assistiam às cerimónias oficiais, nós ouvimos um pouco da conferência de Jean Daniel, que por acaso era um bocado lido lá em casa (e julgo que nas casas dos meus amigos), entreolhámo-nos desiludidos, e lá saímos, imagino agora que na direcção de alguma tasca do Bairro Alto ou do Cais do Sodré. Também nesse primeira década as comemorações foram ditas "envergonhadas" pelos mais militantes. Também nessa altura resmungavam esses que, ainda para mais com o FMI à solta, as coisas não tinham melhorado, que a "revolução" tinha sido traída, etc e tal.
Em 1994, nos vinte anos, eu estava na África do Sul, há meses a trabalhar nas eleições que levaram Mandela ao poder. Não atentei, claro, no aniversário da data, ofuscado pelo fabuloso momento que vivi. Mas quando voltei a Portugal lá encontrei o fim do período de Cavaco Silva, era a era do "buzinão", das críticas ao poder, e de Abrunhosa a surfar o descontentamento e a ser o exemplo-mor da "geração rasca". Eram tempos de desafogo mas eram constantes as referências à ademocraticidade do país, por definição a reclamação da traição ao 25 de Abril, como poderia Cavaco (acusado de Pide ou delator) ser poder num país democrático?
Em 2004, nos trinta anos, já blogava, e torna-se mais fácil ir "até lá" a recordar. Também aí se queixavam os militantes "proprietários" e os militares "patronos" de que o 25 de Abril havia sido traído, que o poder não era "democrático". Já havia "crise", convém não deixar os portugueses esquecerem-se disso, e também as comemorações eram ditas envergonhadas: foi o tempo daquela espúria querela, tinha sido o 25 de Abril uma "evolução" ou uma "revolução"?
Agora, já nos quarenta anos, e como sobre tanta coisa em Portugal, nada de novo se afirma. Lá vêm os queixumes, irrealistas, de sempre, a retórica vã, nada mais do que as reclamações de terratenentes pelas courelas simbólicas que, afinal, não lhes pertencem.
Pois é reprise. Em cada década (e lá no meio) vêm os "democratas" dizer que não se vive em verdadeira democracia, que "não foi para isto" que se fez (que fizeram) a "revolução", que há uma traição ao 25 de Abril. E vão sempre juntando que as comemorações não são o suficiente. Que os comemoradores não são legítimos e veros democratas (ainda que tenham sido eleitos). Junta-se-lhe a isto o coro, deles e dos indignados, dantes das mesas de café, agora dos teclados internéticos, a berrar que o povo não vive melhor, que nada mudou, que não há liberdade.
Entretanto, o "povo" segue, protestando em democracia, votando em democracia, e nem tanto concordando e votando em tais vozeares. Sabe-se lá por que motivos discordará de tais ardores.
Voltarei ao assunto dentro de uma década (espero, que não rebente[mos] antes), quando vierem os mesmos queixumes. Entretanto deixo a música que mais me significa o 25 de Abril, ainda que seja posterior.
Um amigo, o único tipo no mundo que um dia me meteu em karaokices (ainda que em regime "grupo coral"), acaba de me pedir (e a outros) uma lista das canções portuguesas "assim dos 80s/90s" que me tenham sido marcantes (e ainda sejam, acho), um projecto dele. E-mail respondido de rajada e fico-me a pensar "ora aqui está um bom post, ainda para mais na era do "partilhar" facebookiano". Segue o impulso. E, como concordámos na troca final de e-mails, "um tipo podia continuar ..."
Lamento uma ausência, não encontro traço do Herman José a cantar "Tirem-me da garagem". Algum gentil leitor me poderá ajudar?
"sacola às costas, cantante na mão"
"hoje soube-me a nada ..."
e os amigos da (minha) rua, claro
jpt