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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
(O meu texto de hoje no "Canal de Moçambique")
Viva Zimba!
Sérgio Zimba é um dos cartoonistas mais queridos e lidos no país. Isso é comprovado pela sua já extensa bibliografia, pelo menos 8 livros publicados nas últimas duas décadas - “Riso Pela Paz” [1993], “Lágrimas de Riso” [1995], “Mafenha” [1999], “Declaração Universal dos Direitos Humanos” [2005], “Ri Amor” [2006], “Introdução do Metical da Nova Família” [2007] e agora este “As Camisinhas” [2011]. Um percurso que o mostra já veterano mas que também assinala a sua popularidade, tão vincado é num mercado editorial tão escasso.
A sua obra expressa-se por um traço algo rude, um desenho agreste, a conter um humor quantas vezes brejeiro, sem medo de si próprio nem requebros de quem se mascarar do que não é nem do que quer ser. Um tom popular, firme, um riso quantas vezes ríspido, desencantado, no qual se mistura o “atrevido”, cheio de alusões e explícitos sexuais, a uma candura (e nesta muito se revelará o próprio autor, uma gentileza de pessoa).
Nesta mescla, quotidianas “comédias de costumes” condensadas em singulares imagens, Zimba vem desmontando os estereótipos do novo-riquismo maputense (universal?), mas também desvendando, pelo sorriso visceral que decerto conquista a compreensão que procura, os trejeitos da vivência urbana e suburbana. Surge com uma eficiência implacável, a acutilância do riso esventrando as “públicas virtudes” de todos nós. Talvez por isso o gosto “burguês”, “catequizado”, o olha algo de soslaio. E decerto que por isso, pela impiedosa refracção deste mundo que nele habita, tão aceite é ele pelo seu público leitor – quem nunca viu as suas ilustrações fotocopiadas e afixadas nas paredes em empresas ou repartições públicas, consagrando uma adesão generalizada à sua “cosmologia”?
Mas não é só uma crítica social, há também no autor tem uma visão política cáustica, denotando um homem algo descomprometido e também livre de um olhar mais programático (que na sua arte terá como arquétipo nacional a figura “Xiconhoca”), ou mesmo panfletário, estes quantas vezes auto-censores e inibidores do próprio humor.
Nele encontro ainda dois traços fundamentais: numa sociedade que, em termos de expressão pública, é muito puritana, Zimba joga com o sexo, dá-nos um quotidiano em que este é força motriz, como na realidade o é apesar de todos os moralismos inibitórios. E onde é também, e quantas vezes, relação de poder.
E mais ainda, Zimba escapa-se ao espartilho do português, é (provavelmente) o único homem da comunicação escrita que aqui usa de modo constante, e cúmplice, a associação do português com outra(s) língua(s). E este seu multilinguismo é uma suprema vantagem, uma qualidade a vincar. A este propósito penso que é sempre necessário recordar George Steiner, um dos últimos “mestres do pensamento”: “… ser poliglota é uma riqueza ilimitada: é uma janela aberta que me permite olhar múltiplas paisagens!”, algo tão voluntariamente esquecido na urbe moçambicana. Com Zimba não, as múltiplas paisagens, com pessoas que são idiomáticas, são expressas! Para mim, e tantos outros, algo de vigoroso se perderá nas traduções com que polvilha as suas ilustrações. Não faz mal, antes assim, pois é um mundo nada asséptico que nos traz, o da riqueza da complexidade, do tal idiomático. Neste fluir há dias em que ele me parece ser, no âmbito da escrita, o grande olhar moçambicano sobre o real.
O que tão óbvio surge neste seu último livro, dedicado à campanha para o tão necessário uso dos preservativos. O seu contributo ético para a cidadania. E que surge sem moralismos. Vão ler e comprovar.
Viva Zimba!
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Em adenda para o blog deixo algumas reproduções, que julgo bem ilustradoras (sendo que a última, já velha de 13 anos, me é particularmente querida).
Sérgio Zimba, "As Camisinhas" (2011)
Sérgio Zimba, "As Camisinhas", 2011
Sérgio Zimba, "Mafenha", 1999
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