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A estreia de Sónia Sultuane como curadora de exposições, uma colectiva de fotografia dedicada à verdadeira materialidade da mulher. Cinco fotógrafos a partir da próxima quinta-feira, na Associação Kulungwana. A ver vamos.

 

jpt

publicado às 14:25

 

O tempo passa. Amanhã no Museu Nacional de Arte acontece a inauguração da 4ª edição (bienal) da Exposição de Arte Contemporânea, agora já tradicional organização do MUVART (Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique), movimento que é ele próprio o mais relevante acontecimento das artes plásticas que ocorreu no país na última década. Ainda não fui ver o que se preparou nesta "Rotura e Desconversão", darei eco a partir de amanhã.

 

Adenda: a nota informativa da organização

 

O Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique – MUVART, uma associação de artistas contemporâneos de Moçambique e o TUNDURO – Festival Internacional de Artes, apresenta a exposição internacional de Arte Contemporânea no Museu Nacional de arte.


A exposição “Rotura e Desconversão” reúne 17 artistas de 6 países do programa do MUVART “Expo Arte Contemporânea Moçambique” existe há 6 anos, com carácter de uma bienal. Este evento, pretende sensibilizar, teorizar, e estimular a produção da arte contemporânea através da sua circulação dentro e fora do pais. É a IV edição e tem como objectivo, a troca de experiências entre os artistas participantes, a circulação das produções actuais, possibilitando deste modo o conhecimento, a informação e debate sobre a arte contemporânea.


Através do trabalho dos artistas aqui apresentados, a exposição da conhecer os contornos que a arte contemporânea está a tomar em Moçambique. Estes trabalhos estão virados para uma arte transnacional e dialogam com universos multiculturais. Os artistas têm vindo a abrir mão de opções estéticas, matrizes nacionalistas e narrativas sócio-político-cultural, escolhendo um percurso individual e subjectivo na produção das artes visuais. Estes mesmos artistas procuram e encontram seus pares em outras geografias de matriz cultural diferente.


De Moçambique estão presentes os artistas, Sónia Sultuane, Maimuna Adam, Gemuce e Marcos Muthewuye, membros do MUVART, que questionam a dinâmica da produção artística e a sua teorização em Moçambique. Os artistas Titos Mabota, Gonçalo Mabunda, Branquinho, Fornasini, Vinno Mussagi e Famós representam uma parte da produção artística que consideramos significativa no panorama actual da arte no país e internacionalmente. Do Brasil vêm as artistas Isa Bandeira e Vera de Albuquerque com a actividade artística na cidade de São Paulo, trabalham com diferentes suportes de arte. A artista Soledad Johansen do Chile, vive e trabalha na cidade de Maputo e desenvolve actualmente um projecto intitulado “Corpos Flexíveis”. O artista Fred Morim de Angola vive e trabalha na cidade Maputo e apresenta trabalhos no âmbito do projecto “Mundo 100 Valores”. Dos Estados Unidos da América estão presentes os artistas Evans Plummer e Mike Bancroft que trabalham num projecto onde questionam mecanismos e espaços de circulação da arte pública e de Portugal o artista Jorge Rocha com o projecto de “Culinária expansiva” que usa a Web como suporte da sua obra de arte.


jpt

publicado às 19:44

Interessante iniciativa, esta transposição para sítio informático da exposição colectiva Intersecções, que integra obras de Ídasse, Malangatana, Chichorro entre outros, uma iniciativa do Consulado-Geral de Portugal em Maputo (av. Mao-Tsé-Tung). Inaugurada há já um mês estará visitável até amanhã, domingo dia eleitoral. Mais uma boa acção da actual cônsul, Graça Gonçalves Pereira.

Adenda: esta exposição foi também objecto da realização de um blog, o Intersecções.

publicado às 03:47

...

por jpt, em 01.08.09
Vai um homem na rua para encontrar um amigo, que o segura, mão no braço e, entusiasmado, lhe lê
JazzVejo renderes-te a esse desejotocando notas musicais espirituais,em gestos angelicais,vejo em ti um corpo celestial,bebo em ti o gosto da músicafazes-me sonhar,mas que música será esta?virá da tua mão? um simples mortal?quem será mesmo o autor?talvez, quem sabe,um emprestador da mão e da voz de Deus.[Sónia Sultuane, No Cola da Lua, edição da autora, 2009]

publicado às 10:52

"Nada é por acaso"

por jpt, em 19.02.09

A Sónia Sultuane enviou-me este texto. E eu grato fico: pelo texto, pelo retrato da miséria urbana e da gerontofobia actual. E pelo espelhar da minha indiferença. Vil.

"Nada é por acaso"

Primeiro resolvi não escrever sobre o assunto mesmo que o meu querido amigo Gemuce tivesse sugerido, penso que ele sugeriu que partilhasse com todos essa experiência para ajudar-mo-nos a repensar nos valores da vida, principalmente penso que a minha angústia no episódio que lhe contei e que aqui vos contarei também, lhe levou a tal sugestão que hoje também muito lhe agradeço.

Depois de dois acontecimentos tão relacionados e marcantes, não consegui mais passar ao lado do assunto. Desde já não sou melhor que nenhum de vós, simplesmente estava no lugar certo na hora certa.

Por volta das 11:00 horas de domingo saí de casa. Ao chegar à entrada do prédio olhei à volta como habitualmente, qual o meu espanto, vejo um homem do lado oposto a minha rua deitado no chão com um pau nas mãos a tentar-se levantar mas sem grandes resultados pois escorregava-lhe o pau, olhei para aquilo e de imediato chamei o guarda para ajudá-lo, o guarda disse-me: "senhora não vou, desculpe, pois quem atirou esse homem aí foi a polícia, ele antes estava do lado oposto ao Ministério do Interior, deve estar bêbado, e foi a policia que o trouxe para aqui." Fiquei tipo, ok, é domingo quem sabe pode ser um bêbado mesmo. Fiquei com a consciência tranquila pois tinha-me preocupado e tentado ajudar.

Regressei a casa por volta das 13:00h e vi que o homem continuava na mesma luta agonizante tentado levantar-se pensei, puxa um bêbado por muito bêbado conseguiria ao menos mexer-se, virar-se ou mesmo sentar-se, e o que me transtornou foi olhar e ver que o homem estava com o rosto para cima, como quem estivesse a tentar guardar o ar que respirava. Fiquei tão irritada e sinceramente chocada com aquilo que fui direitinho à polícia do Ministério do Interior, por sorte quem estava a porta a falar com os polícias de serviço era o chefe de serviço (sei lá se é assim que se diz). Expliquei que tinha saído umas horas antes e tinha visto aquele pobre desgraçado a tentar levantar-se e que o guarda tinha-me informado que foi a polícia que ali o tinha deixado, por isso exigia como cidadã que a polícia fosse comigo até junto ao homem para ver o que se passava, pois era sua obrigação defender e proteger os cidadãos.

Lá o chefe disse-me "ok, vamos lá." Quando chegámos ao pé do homem este disse-nos logo "por favor ajudem-me a levantar, não tenho mais forças, não sou maluco, não estou nem sou bêbado, só tenho muita fome e já não aguento mais, pois não como há três dias". Foi como um golpe que levei no estômago, senti-me pequena, horrorizada, olhei para aquele homem e digo-vos é algo horrível ver alguém a morrer à fome, a boca dele estava seca, a pele parecia morta, os olhos estavam - sei lá - meio esbranquiçados, parecia um morto só que falava, horrível, claro que fiz de tudo para que aquele homem voltasse a ganhar forças, dei-lhe de comer, de beber, e assumi o compromisso de lhe ajudar uma vez por semana (mas o que será isso de dar de comer a uma pessoa uma vez por semana, se eu como vinte e tal vezes por semana).

De repente porque não somos perfeitos aparece aquela dúvida, e fiz-lhe aquela pergunta: como é possível, um senhor com a sua idade" (aparenta 70 e poucos anos), que já não anda como deve ser, porque anda aqui na rua a pedir, não tem filhos, família...? e este disse-me: "tenho mas não querem saber de mim, por isso eu as sextas-feiras venho pedir, infelizmente nesta sexta-feira ninguém deu-me nada para comer, então fui para a Catedral esperava que recebesse alguma coisa pois no domingo de manhã, depois da missa, às vezes recebemos qualquer coisa, mas hoje também não consegui nada". Fiquei destroçada, o termo correcto dilacerada, a verdade dói muito principalmente quando é nua e crua, (A minha rua é imensamente movimentada principalmente aos domingos, porque as pessoas vão à missa, ao bazar do povo, sinceramente nem vou fazer comentários, ou melhor julgar os outros, mas posso ao menos dizer, que mundo é este? “quando dentro da cidade de cimento” já se morre a fome!)

Estou a partilhar isto tudo porque, temos sempre dúvidas, do género, esses pedintes são bêbados, são isto e aquilo, mas nem sempre será verdade, nada é por acaso neste mundo, ontem estranhamente (por razões profissionais, tive que ir a um lar de idosos) e fiquei transtornada mais uma vez, pois a Madre contou-me que muitas famílias vão lá deixar os “velhos” pois já não os querem, eu vi com os meus olhos, negros, brancos, mestiços, familiares de ricos, de pobres, todos eles ali (Deus me proteja para que um filho meu não me faça isso).

Por isso hoje acredito neste pobre homem, agradeço profundamente a Deus por me ter feito olhar para o senhor Salomão e por me ter levado até este lar de idosos.

No lar ainda ouvi histórias belíssimas sobre os idosos, fiquei com desejo de registá-las. Ironicamente conheci uma das modistas mais famosas de Lourenço Marques que fazia o enxoval para os bebés, hoje tem perto de 90 e tal anos, mora lá também, com uma cabeça fresquíssima, quantos bebés hoje homens e mulheres essa senhora vestiu com as suas mãos. Peço-vos a cada um de vós que ajudem, pois nessa idade estes "velhos" são novamente bebés, dependem muitas vezes de nós para estarem vivos,

Penso que “Nada acontece por acaso” pois hoje tenho muita vontade de ajudar, mesmo que seja por vontade repentina, mas espero que aconteçam todos os dias vontades repentinas entre muitos de nós pois só assim a vida, a solidariedade e o amor andarão.

Queria muito fazer um desafio as pessoas de boa vontade, pois vi algo que me marcou tremendamente nesta minha visita ao lar dos idosos, quando estava por lá a fazer a visita duas das idosas se queixaram à Madre, pedindo ajuda para arranjar qualquer coisa para atenuar o contacto dos braços com o ferro das cadeiras de rodas, são pessoas que vivem nas cadeiras para o resto da vida, portanto o contacto e o uso é permanente, vê-se o gasto dos braços e dos pés. Fiquei a pensar puxa talvez como artistas pudéssemos ajudar, claro que não temos dinheiro para comprar cadeiras, nem vamos por ai, temos que ajudar naquilo que está ao nosso alcance, quem sabe restaurá-las com um pouco de esponja e cola, ou sei lá, mas fazermos alguma coisa, podíamos ir lá um dia ajudar a pôr óleo nos carrinhos nas camas, dar uma pintura, pois são camas de ferro, quem sabe pessoal, aqui envio o desafio, mas não penso que devêssemos fazer essa informação aparecer nos media, não deveremos penso eu usar o sofrimento dos outros para nosso benefício. Também sei que não vamos salvar o mundo, mas podemos verdadeiramente ajudar a quem precisa se estivermos de coração aberto Deus nos deu o dom de sermos artistas, a arte, também é para ajudar o próximo, pensem nisso.

Esta partilha é de um ser humano para outro ser humano, não da Sónia poeta ou da Sónia artista plástica, e cada erro que aqui encontrem peço-vos desde já desculpas, pois queria que este texto saísse conforme fui sentindo, sem alinhamento ou grandes correcções.

publicado às 11:08

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Poetisa publicada e artista plástica Sónia Sultuane apresenta a sua primeira individual, agora no "Camões", dentro de algum tempo no "Camões" da Beira: "Palavras que andam", um desenvolvimento de uma instalação que apresentou na recente oficina "Muyehlekete", ocorrida em Abril no Museu Nacional de Arte.

 

Ora foi exactamente nessa oficina que a artista apresentou o seu trabalho plástico que mais me interessou: a instalação "Más-línguas", uma série fotográfica sobre seu texto realizada conjuntamente com Mónica Miranda, onde com arreganho pontapeou a imagem hiper-lírica que a acompanha, construída sobre a sua poesia e a interacção que vem realizando desta com as expressões visuais. Foi um momento cujo vigor e radical auto-questionamento excitou a curiosidade para esta sua primeira aventura a solo.

 

O risco é louvável e o resultado colheu agrado geral. Mais, dizem-me que agita as consciências do meio local. Fá-lo-á com certeza até porque uma individual do género é ainda aqui raridade, mais ainda quando de alguém que não é consagrado - no caso até sendo uma "amadora" (no elevado sentido da palavra).

 

Ou incompreendo ou Sónia Sultuane propõe-nos uma adesão ao conjunto, uma conjugação que apela a uma fruição estética explicitamente intelectual. Bem para além da consideração peça-a-peça - esse um registo no qual uma obra como

 

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["Sou Poesia", 2007, fotografias]

 

dificilmente sobreviveria. Pois se aparenta um jogo, até irónico, uma auto-"pin-upização" da poetisa plástica, essa aventura com múltiplos sentidos não surge nos passos seguintes da exposição, assim desiludindo as intenções analíticas, desnudando-se superficial.

 

Para mais - e a artista é inocente dessa intenção - a sua apresentação (por Calane da Silva, com concordância geral) invocou-lhe, como se antepassadas, outras figuras femininas do meio artístico moçambicano de meados de XX, desde então tutelares e entretanto ideologicamente apreendidas no processo de construção identitária nacional. O que, se não implica uma comparação valorativa imediata, incorre na valorização (na proposta para o a posteriori) do pacote de ideário veículado pelo meio artístico a que Sónia Sultuane vem pertencendo, e o qual me parece sumarizado nesta individual.

 

É neste registo que o resultado me é desconfortável, não só pelos trabalhos apresentados mas também pelas leituras alheias que adivinho em formação. Pois o conjunto sublinha questões que algumas das iniciativas da arte actual local me vêm suscitando.

 

A exposição tem o cunho da encomenda - é um desafio ao abrigo do "Ano do Multiculturalismo" (Ano Europeu do Diálogo Intercultural), algo porventura potenciado pela aparente tutela de um curador português, Pedro Campos. É legítima a opção da artista de não se interrogar sobre o que se lhe propõe como temática - encarando-a talvez como um mero "guarda-chuva". Mas isso implica que o produto final não se esgota na visão pessoal do artista, de um momento da sua experiência (auto-)biográfica (se é que isso é alguma vez possível). 

 

Assim, e para além da artista, encontro aqui a apologia plástica da ideologia actual, lisa de básica ("flat") do multiculturalismo - ainda para mais institucionalmente induzida (em evidente djanovismo aprés la lettre, ainda que adocicado pelo pacifismo das "boas intenções" nem revolucionárias nem sanguinárias dos neo-djanovs). E questiono-me quanto ao sentido da aparente irreverência estética dos novos passos da arte moçambicana e, claro, dos de Sónia Sultuane.

 

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["Walking Words", 2008; Ferro, Arame, Letras em Pasta de Papel]

 

"Palavras que andam" e que portanto dialogam, "palavras andantes" que multissignificam e pacificamente se traduzem, intercomunicam, matéria-prima da comunhão, ainda para mais no "inglês universal"? Será esse o teor da(s) instalação(ões) dominante(s)? - já agora, surpreendentemente modificadas por acção do pessoal técnico do instituição acolhedora, pequeno episódio que não traduz  apenas alguma insensibilidade de quem o comete. Pois afirma as relações de poder institucional sobre o artista. E que este incompreende, ao pensar-se vítima particular e/ou atribuindo o facto a in-competência/des-conhecimento alheio, uma individualização, uma "pessoalização", que assim atomiza o estruturante.

 

Perdendo assim o artista a visão do que é, afinal, item condicionante da sua actividade, tanto no que lhe baliza as temáticas como no que lhe secundariza as iniciativas. Tanto na acção dos especialistas (as críticas, as encomendas, as "curadorias") como dos não-especialistas (a alimentação dos egos, os apoios mecenáticos, as "asneiras"). Porventura o incidente, aparente minudência, "natural" para quem anda (ou andou) nisto das exposições [em tempos eu terei feito asneiras similares, friso, não estou numa deriva "denuncionista"], pôs a nu as armadilhas do projecto ideológico a que Sultuane foi aderida.

 

Ou seja "Palavras que andam" são, afinal, "palavras que se mudam", na sua des-autorização?

 

[Sei que a referência aos factos "privados", não publicitados, surge sempre como deselegante, inapropriada, até antipática. Mas estou certo de que é a compreensão "etnográfica" dos eventos, artísticos neste caso, extensiva e intensiva, que permite a sua real elucidação. E que é exactamente por isso que o silêncio sobre eles é exigido pelas "normas de conduta", "de boa-educação". E que o seu ocasional expressar é intelectualmente desvalorizado pela sua redução a "má-língua".]

 

Em suma, nesta "Palavras que andam" encontro afirmada a naturalidade da pacificidade dialogante. E logo me lembro, em paráfrase, da célebre frase: "com as palavras nos entendemos, com as palavras nos desentendemos".* Assim significando que andar com palavras é uma coisa, comunhão é bem outra, e que esta é alimentada até mais pelo silêncio. Esse silêncio que o aparente palavrear produz. E esconde.

 

soniasultuanemandala.jpg ["Mandala poética", 2008, Prato de cerâmica, tinta acrílica, marcador permanente]

 

soniasultuaneterco.jpg ["Misbaha/Tashib" (Terço), 2008, Esferovite, Tinta metálica de água, fio de nylon]

 

É neste registo que a proposta de conjugação de abordagens religiosas, sua mera justaposição, - esteticamente apetitosa, em particular o "Terço" -, a confluência das obras acima reproduzidas, me é antipática. Não por negar a óbvia autonomia da artista em reflectir-se e ao seu processo de constituição espiritual.  E também não por a reduzir a uma importação do "new age" "lá de fora". Mas porque a entendo como uma visão acrítica da compita religiosa - nos contextos pessoais, não me estou a referir aos "conflitos geoestratégicos" que nos enchem ecrãs e jornais. Uma confluência de linhas religiosas que será, na actualidade, o grande fenómeno ideal, o grande conflito pessoal, do real circundante, nacional - o grande palco da questão "multicultural". A qual é dirimida em termos muito próprios, em que as espiritualidades (e seus espíritos) tanto confluem como conflituam em cada um dos crentes.. E que nesta placidez, de legitimação aparentemente autobiográfica mas também de cariz ideológico, se apaga.

 

Entenda-se, não exijo da artista (ou de qualquer outro) que reflicta sobre o "social", contemporâneo ou passado ou futuro, que saia do seu "eu" real ou onírico. Mas se a(s) artista(s) me diz(em) que é sobre esse "nós" que reflecte(m), que procura(m) ilustrar mesmo que por indução ...

 

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["Cocktail dos Sangues", 2008, Taça de vidro, espuma, arame, pano, esponja, meia de seda]

 

Corolário de tudo isso é esta peça, "Cocktail dos Sangues", deixada como símbolo da multiculturalidade moçambicana. Não posso, olhando-a, deixar de reconhecer a presença de itens de um capital cultural muito específico, e de sorrir à sua reinvenção. É um "kitsch" proposto, um transporte, uma invasão da loja de decoração étnico-pequeno-burguesa, aqui prenhe de uma outra intenção. Mas qual intenção?

 

A de dirimir a conjugação das diferenças através da constante e malfadada metáfora do "sangue", a raça, sem mesmo a questionar. E a de afirmar a bondade da sua mistura, uma "mulatice" ideológica que é tão perniciosa ao entendimento (que não às "boas intenções") como o é a defesa da "pureza" "sanguínea/rácica": o "somos todos crioulos" que pode parecer muito bem mas que trabalha com categorias que não o são ("raças"), com metáforas  infecundas ("sangue") e se presta à tresleitura acrítica (a "mistura" enquanto tal).

 

Mais do que isso a afirmação do "cocktail de sangues" moçambicano, como se este um específico positivo, implica um desvio ao real empírico: que sociedade nacional não é hoje um "cocktail de sangues"? Mas que "sangues", que grupos, se misturam (ou batem) no shaker histórico? Num país com a multiplicidade religiosa, social, linguística como o é Moçambique, foco das migrações históricas como o foi e é, claro que houve "cocktail de sangues". Mas não são esses os sangues que aqui são decorados com fita amarela. Mais uma vez estamos na mera importação da ideologia actual, o que ali se refere - e foi verbalmente explícito na apresentação - é a mistura do "sangue" local (esse não cocktailizado, afinal) com os transoceânicos.

 

E é essa homogeneização do "africano", constante nas formas de construção nacional, "patriocêntrica", e também constante na construções transnacionais actuais, ditas do "multiculturalismo", que esta ária do "cocktail de sangues" nos traz. E mais, esquecendo, ou melhor capeando, o facto crucial, de que se há especificidade em Moçambique é o facto de que o cocktail dos sangues - esses assim identificados - ser tão reduzido. Que há tão mais aguardente e cerveja. A beber em copos largos. Tão largos como os muros entre-"sangues".

 

Na sua energia entusiasmada, na sua beleza, na sua extrema sensibilidade, na sua irredutibilidade lírica, Sónia Sultuane sumariza, simboliza e até extrema algumas das características dos movimentos inovadores na arte plástica moçambicana. É nisso apetecível. Mas também armadilhável. Apreensível. Aliás, apreendida. Como os seus colegas. A ver vamos. Se não se deixam apreender. Pelos ideólogos. E por nós, deles empregados em full ou part-time.

 

*"em português nos entendemos, em português nos desentendemos".

publicado às 17:18

Imaginar o Poetizando

por jpt, em 27.09.06
Hoje mesmo.


Nessa noite quente suada de sabor a África,
corri-te docemente, encontrei em ti o gosto de amendoim,
adocicado em açucar,
"Nogat"
o sabor de criança inocente à porta da escola,
lembras-te?
deixavas-me trincar o teu doce,
e a cada mordidela
sentia os teus lábios de mansinho,
como podia esquecer-me desse sabor,
a torrado, de cor de canela,
cor desses teus lábios adocicados,
onde hoje trinco e mordo,
à procura desse néctar,
com o mesmo gosto a "Nogat"
da nossa adolescência!


[Sónia Sultuane, Imaginar o Poetizado, Maputo, Ndjira, 2006]

A Sónia Sultuane está aqui e tem ecos bloguísticos aqui e no Blog d'Apontamentos, do Luís Ene.

publicado às 21:09

4 Esses ao café da manhã

por jpt, em 27.03.06


[Sopa, Sónia Sultuane, Saúte, café dominical à (neo)Baixa de Maputo]

publicado às 13:17

Colectiva

por jpt, em 29.11.05

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Está em exposição no Centro Cultural Franco-Moçambicano e hoje, às 18 h, por lá haverá debate sobre mais esta exposição organizada pelo MUVART (Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique [elo com história do movimento]). Em podendo assistir e participar o desafio é estimulante.

Já por aqui o disse, do interesse e carinho pela emergência do MUVART, das experiências de arte contemporânea que o movimento tem provocado. Num processo que não se esgota nos seus participantes, com particular relevo para o mais-velho Rosa, que até lhe é antecessor. À sua maneira, radicalmente individualista, prosaicamente anti-mercado. Tudo isso provado na sua recente individual, na Casa de Cultura do Alto-Maé, da qual infelizmente não retive nenhuma imagem: não tinha qualquer material de apoio (e eu sem máquina, ali avisado de surpresa), exposição de curta duração, âmbito reduzido. A fazer perder de vista uma mão-cheia de peças bem interessantes, em particular dois "quadros", falsos mimetismos, de excelência.

Do movimento MUVART mais haverá a dizer, começando a sua internacionalização, desde Jorge Dias em Lagos, Portugal, com 15 peças (ainda em exposição) à hipótese de Gemuce seguir a Dakar. E da participação alargada na colectiva lusófona que António Pinto Ribeiro organiza, e cuja itinerância aqui será inaugurada no Abril. E ainda da próxima grande internacional, a apresentar em Setembro.

Múltiplas razões para acompanhar este andar. Para mim uma muito em especial, para além da amizade: do "desafricanizar" da arte, da ruptura com o que aos artistas aqui é imposto, tanto por mercados de fora como pelos essencialistas de aqui, todos buscando, mercados subalternos ou ideólogos do presente, matéria-prima para discursos ditos identitários.

Cimg2050.jpgMuvartSoniaSultuane.jpgSónia Sultuane: "De Dentro Para Fora"Cimg2046.jpg

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David Mbondzo: "Lado A"

Cimg2045.jpgMuvartTembo.jpg

Tembo: "Forma e Conteúdo"

Cimg2052.jpgMuvartLuisMuiengua.jpg

Muiengua: "Elementos Extruturados" (sic)

Cimg2047.jpgMuvartMouzinho.jpg

Mouzinho: "Campo Flutuante e Inconsciente do Significado".

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[grupo, CCF-M, dia da inauguração]

Desta exposição, com curadoria de Jorge Dias, ele ideólogo do movimento, Sónia Sultuane, a poetisa que já colaborou poeticamente na anterior colectiva "Humano", apresenta o seu primeiro trabalho individual. A mim que me perdoem, palavroso ainda. Mbonzo coloca o trabalho que mais me interessa, visualmente. Mas também como proposta, no que pretende com este "Lado A" "Trago máscaras por serem formas que escondem a verdadeira ou falsa imagem do "eu"", assim também no não-visual a fugir às dicotomias. Muiengua [e é já altura de acertar em definitivo com a grafia do nome, em cada momento surge diferente] regressa com "Elementos Extruturados" (caramba, não há ninguém que possa fazer a revisão, limpar os erros ortográficos?), que já tinha apresentado e impressionado na colectiva Upanamo na Associação Moçambicana de Fotografia em Agosto. Regressa e prejudica, aumentou a instalação (mais 4 colunas?) mas nada mais. E encerrando a instalação na pequena sala que lhe coube fica um apertado do não-respirar nada voluntário. Algo que lembra o facto do "Franco", sendo o melhor local cultural da cidade, não ter uma sala de exposições - nesse sentido foi distraído o trabalho de recuperação do edifício e instalação de um centro cultural. Em lado nenhum, e com tanto espaço, se pode expôr com qualidade. Com os jovens Tembo e Mouzinho, tal com Mbonzo ainda alunos da Escola de Artes Visuais e aqui a estrearem-se em exposição, fico desarmado, nada me ocorre para além das discordâncias conceptuais. Talvez o incentivo de quem está a andar, a fazer brotar um processo.

Mas francamente, haverá pior para uma produção do que apenas gabar-lhe o facto de existir? De processuar? Acho que esta é uma encruzilhada para o MUVART, já andou o suficiente para não se justificar apenas o olhar simpático, o incentivo. A colectiva do ano passado, a colectiva Jorge Dias-Gemuce deste ano, puseram a fasquia alta. Chegou a altura de bater. Exigir. Provocar.

(texto retocado, integrando ainda novas ligações)

publicado às 17:37

Convite

por jpt, em 22.11.05

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Hoje (mau dia, mau dia) "Hora Q", colectiva organizada pelo MUVART. Participação de David Mbozo, Tembo, Luis Muiênga, Mouzinho e Sónia Sultuane.

Às 18 horas, no Centro Cultural Franco-Moçambicano.

publicado às 17:49

...

por jpt, em 22.09.05
Poemas de Sónia Sultuane.

publicado às 19:31

Sonhos, de Sónia Sultuane

por jpt, em 22.04.05

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Chorei os homens,mas nenhum, as minhas lágrimas viu,nenhum as viu correr dentro de mim,chorei os homens,com lágrimas já tão cansadas, esperei...enfim...,que algum as visse e as pudesse secar,que algum as pudesse ouvir,ouvir somente dizer que foi por amor,que chorei lágrimas doídas

[Sónia Sultuane, Sonhos, Maputo, Associação dos Escritores Moçambicanos, 2001]

Que eu saiba a única poetisa moçambicana em actividade. Pelo menos que tenha sido publicada. D(N)este seu primeiro livro escreveu Eduardo White: "Humilde e cruelmente expostas. Sem que omitisses dor nenhuma...Os beijos, os arrepios, as peles, os lábios, os dedos, os sexos, os sémens. Aí sim. É belo ver-te tu, autêntica. Tu poesia num país onde a poesia se masculinizou".

(Re)Encontrei-a há alguns dias. Que tem outro livro pronto, a aguardar editor, a procurar editor. Fica-se à espera. Haverá sempre tempo.

publicado às 19:59


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