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Ainda a propósito dos últimos acontecimentos e após a confusão e falta de discernimento que se generalizou nas redes sociais, deixo-vos a  reflexão sobre o atentado à revista Charlie Hebdo por parte do filósofo, teórico crítico e cientista social Slavoj Zizek.

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Para quem não está familiarizado com este pensador, Slavoj Žižek é  pesquisador do Instituto de Sociologia, na Universidade de Liubliania, Eslovênia, e professor-visitante em diversas universidades americanas, Columbia, Princeton, New School for Social Research, New York University, University of Michigan.

O seu trabalho é considerado como vibrante, cheio de humor, deixando de lado diferenças entre formas altas e baixas de cultura e o seu carisma conferiu-lhe o estatuto de 'superstar' no mundo da teoria contemporânea. 

Slavoj Žižek tornou-se amplamente reconhecido como teórico contemporâneo a partir da publicação de 'O Sublime Objeto da Ideologia', seu primeiro livro escrito em inglês, em 1989. As suas reflexões não podem ser facilmente categorizadas e nelas encontramos um retorno ao sujeito cartesiano e à ideologia alemã, especialmente aos trabalhos de Hegel, Kant e Schelling.

Resta também salientar que Slavoj Žižek é ateu e a sua produção crítica não encaixa nas análises teóricas tradicionais. Ao ressalvar que para entender a política de hoje precisamos de uma noção diferente de ideologia, frequentemente costuma ser 'politicamente incorreto' e causar diversas polêmicas em vários círculos intelectuais.

 

VA

 

 

publicado às 10:50
modificado por jpt a 23/1/15 às 02:00

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por jpt, em 02.04.07

zizek21

 

Com uma esquerda destas, quem precisa da direita?” (76) “… os universitários “radicais” exigem … contam com o facto de os seus pedidos não serem satisfeitos: é assim que podem exibir hipocritamente a sua consciência radical oficial enquanto continuam a gozar da sua posição privilegiada.” (85)

 

(Slavoj Zizek, Bem-vindo ao Deserto do Real, Lisboa, Relógio d’Água, 2006. Tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira)

publicado às 19:27

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por jpt, em 02.04.07

zizek22

(lembrando-me disto)

 

"O hino oficioso da União Europeia, que tivemos a oportunidade de ouvir durante diversos eventos políticos, culturais e desportivos, esse Hino à Alegria (Der Ode an die Freude) extraído do último andamento da nona sinfonia de Beethoven, é um verdadeiro “significante vazio” que pode ser utilizado seja para o que for. Em França, Romain Rolland elevou-o ao estatuto de ode humanista celebrando a fraternidade dos povos (a “Marselhesa da humanidade”); em 1938, foi a atracção do espectáculo das Reichmusiktage (“Jornadas de música do Reich”) sendo, mais tarde, tocada para o aniversário de Hitler; nos anos 70, podíamos ouvi-lo em honra da medalha olímpica de ouro quando as equipas participantes de Alemanha Oriental e Ocidental se reuniam numa só; o regime rodesiano de Ian Smith, partidário da supremacia branca, que decretou a independência no final dos anos 60 a fim de manter o regime do apartheid, fez dele o seu hino nacional. Até Abimael Guzman, o cabecilha do movimento ultraterrorista Sendero Luminoso, hoje encarcerado, mencionou o quarto andamento da nona de Beethoven quando o interrogaram sobre os seus gostos musicais. (…)

Mas antes de denegrir esse quarto andamento, antes de considerá-lo como uma peça musical “destruída pelo seu uso social”, tal como diz Adorno, lancemos um olhar para alguns pontos particulares da sua estrutura. A meio do andamento, depois de ter escutado o tema da alegria nas suas três variações orquestrais e vocais, acontece algo inesperado, que perturba os críticos desde a sua primeira interpretação …: o tom muda completamente no compasso 331 e, em vez da progressão solene do hino, o tema da alegria é retomado ao estilo da Marcia turca (Marcha Turca), uma música militar para instrumentos de sopro e percussões que os exércitos europeus foram buscar aos janízaros turcos; o estilo é o de uma parada popular e carnavalesca, o de um espectáculo zombeteiro (…). A partir daí, tudo se degrada e não mais voltamos a encontrar a dignidade simples e solene; a cadência final, das mais estranhas, não soa nada a Beethoven, mais parecendo uma versão empolada de O Rapto do Serralho, de Mozart, combinando os elementos “turcos” com o fausto do espectáculo “rococó”. (E não esqueçamos a lição dessa ópera de Mozart: nela, a figura do déspota oriental é apresentada como a do verdadeiro mestre esclarecido). Assim, o final é uma curiosa mistura de orientalismo e de regressão ao classicismo do final do século XVIII, uma dupla retirada do presente histórico, uma confissão silenciosa do carácter puramente fantasmático dessa alegria da fraternidade universal. (…) E se tivéssemos domesticado de mais o Hino à Alegria, e se nos tivéssemos habituado de mais a considerá-lo como um símbolo de alegre fraternidade? E se fosse necessário examiná-lo com um novo olhar? (…)

Que o Hino à Alegria de Beethoven se tenha tornado o hino não oficial da Europa não deixa de ser irónico, ironia que reside evidentemente no facto de a causa principal da crise da União ser precisamente a Turquia…” (11-13)

publicado às 01:46

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por jpt, em 02.04.07

zizek22

(lembrando-me disto)

 

"O hino oficioso da União Europeia, que tivemos a oportunidade de ouvir durante diversos eventos políticos, culturais e desportivos, esse Hino à Alegria (Der Ode an die Freude) extraído do último andamento da nona sinfonia de Beethoven, é um verdadeiro “significante vazio” que pode ser utilizado seja para o que for. Em França, Romain Rolland elevou-o ao estatuto de ode humanista celebrando a fraternidade dos povos (a “Marselhesa da humanidade”); em 1938, foi a atracção do espectáculo das Reichmusiktage (“Jornadas de música do Reich”) sendo, mais tarde, tocada para o aniversário de Hitler; nos anos 70, podíamos ouvi-lo em honra da medalha olímpica de ouro quando as equipas participantes de Alemanha Oriental e Ocidental se reuniam numa só; o regime rodesiano de Ian Smith, partidário da supremacia branca, que decretou a independência no final dos anos 60 a fim de manter o regime do apartheid, fez dele o seu hino nacional. Até Abimael Guzman, o cabecilha do movimento ultraterrorista Sendero Luminoso, hoje encarcerado, mencionou o quarto andamento da nona de Beethoven quando o interrogaram sobre os seus gostos musicais. (…)

Mas antes de denegrir esse quarto andamento, antes de considerá-lo como uma peça musical “destruída pelo seu uso social”, tal como diz Adorno, lancemos um olhar para alguns pontos particulares da sua estrutura. A meio do andamento, depois de ter escutado o tema da alegria nas suas três variações orquestrais e vocais, acontece algo inesperado, que perturba os críticos desde a sua primeira interpretação …: o tom muda completamente no compasso 331 e, em vez da progressão solene do hino, o tema da alegria é retomado ao estilo da Marcia turca (Marcha Turca), uma música militar para instrumentos de sopro e percussões que os exércitos europeus foram buscar aos janízaros turcos; o estilo é o de uma parada popular e carnavalesca, o de um espectáculo zombeteiro (…). A partir daí, tudo se degrada e não mais voltamos a encontrar a dignidade simples e solene; a cadência final, das mais estranhas, não soa nada a Beethoven, mais parecendo uma versão empolada de O Rapto do Serralho, de Mozart, combinando os elementos “turcos” com o fausto do espectáculo “rococó”. (E não esqueçamos a lição dessa ópera de Mozart: nela, a figura do déspota oriental é apresentada como a do verdadeiro mestre esclarecido). Assim, o final é uma curiosa mistura de orientalismo e de regressão ao classicismo do final do século XVIII, uma dupla retirada do presente histórico, uma confissão silenciosa do carácter puramente fantasmático dessa alegria da fraternidade universal. (…) E se tivéssemos domesticado de mais o Hino à Alegria, e se nos tivéssemos habituado de mais a considerá-lo como um símbolo de alegre fraternidade? E se fosse necessário examiná-lo com um novo olhar? (…)

Que o Hino à Alegria de Beethoven se tenha tornado o hino não oficial da Europa não deixa de ser irónico, ironia que reside evidentemente no facto de a causa principal da crise da União ser precisamente a Turquia…” (11-13)

publicado às 01:46


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