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Roma

por jpt, em 22.03.08

Roma foi a primeira série televisiva que comprei. Valeu a pena, e recomendo o seu consumo. Apenas o lamento pela conjugação de vários realizadores e argumentistas, a fazerem flutuar a intensidade e o interesse. E a consistência do olhar próprio da série.

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Exemplo disso é a soberba abertura, um combate na Gália no primeiro episódio - realizado por Michael Apted (mas remontado à sua revelia) e escrito por Bruno Heller - que é dos melhores pedaços de acção em televisão que já vi. E que, pese a excelência visual de muito do que se lhe seguiu não mais foi alcançado - a segunda série tem até passos algo penosos.

A beleza da série não é alheia à competência dos protagonistas - e a volúpia desta

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matrona ficar-me-á na memória (o que em nada desmerece a actriz encarregada). Olhar com outros enfoques afirma-me a existência de outras excelências e de tal não duvido tamanho o ênfase da informação.

Um ponto de agrado é a atenção inicial pelas formas de religiosidade popular e a tentativa de recriação do quotidiano plebeu - e de modo nada documental nem folclórico. Um ponto muito negativo, injustificado, e que me irritou em crescendo de episódio em episódio: a deriva telenovelesca de misturar ricos e pobres em interacção significativa (com o pobre final como corolário). Disso patético exemplo é a encenação da morte de Cícero, antecedida com um supra-anacrónico pic-nic das famílias dos seus assassinos, como se estivessemos na Inglaterra vitoriana ou num livro de Enyd Blyton. Enfim, parvoíces a que nem se liga quando se apanham em zappings cansados mas que numa série como esta só se podem lamentar.

Coisa tão má como o toque de psicologia de drogaria, com o adulto Augusto construído na segunda série como se saído de um sofá psicanalítico - o seu projecto moral parece tanto um projecto político (depreende-se dos livros) que não tem qualquer lucidez pô-lo de chicote clandestino batendo na mulher como se perversão pequeno-burguesa explicando-lhe os passos espartilhados no valor dos "vícios privados, públicas virtudes".

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Enfim, irritações que me deram para releitura do velho "O Divino Augusto" (Livros Horizonte, 1975, tradução de Agostinho da Silva), de Suetónio- os "Doze Césares" são longínqua propriedade paterna, ficam para o Verão do Norte.

Um diferente Augusto aí, o da religião pública, do exército público, dos jogos públicos (o tal pão e circo), da moral pública (ordenando a plutocracia, já agora), o do urbanismo sublinhando a cidadania, das reformas jurídicas, políticas, o "Pai da Pátria" - se era o Augusto Augusto ou o Augusto de Suetónio (esse "imperador" quase republicano que "Por duas vezes pensou em restabelecer a República (...) Parecendo-lhe (...) que seria temerário entregar a República ao arbítrio de muitos, perseverou em a dirigir, sem que se saiba se foi melhor o resultado ou o intento" [37]) não sei, mas bem mais atraente como personagem a recriar do que o perturbado proto-calígula que foram capazes de construir. Sinal dos tempos do hoje, onde uma análise política é por demais cansativa face ao hábito de reduzir tudo à influência das pilinhas e dos pipis. Maldita falofilia ...

E, até porque é Páscoa, deixo citação curiosa de algo que esquecera (estava lá o sublinhado, velho de décadas): "Segundo Júlio Marato, poucos meses antes de nascer, houve um prodígio em Roma, num lugar público, pelo qual se anunciava que a Natureza ia dar um rei ao povo romano; o Senado, com medo, ordenou que se não criasse nenhum menino nascido naquele ano." (82) Recorrências da época, pelos vistos.

publicado às 20:47


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