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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Acordo com o som de uma mensagem a entrar no telemóvel pelas 6h45 do dia 7 de Abril de 2010.
O dia já amanheceu, o ar está húmido, quente, o céu nublado. Prevê-se que a forte chuvada da noite anterior continue a fazer-se sentir em Maputo.
Hoje comemora-se o Dia da Mulher Moçambicana e a mensagem no meu telemóvel diz que tenho de estar pronta às 8h00 para ser transportada para a Cadeia Feminina de Ndlavela, situada nos arredores da cidade.
Devolvo a mensagem e combino o transporte. Avisam-me que vai ser uma aventura uma vez que as chuvas da noite anterior inundaram as estradas de terra batida que dão acesso ao estabelecimento prisional, que não sabem se vamos conseguir passar sem um todo-o-terreno e que H. me irá buscar à porta de casa.
Às 8h03 H. está à minha espera juntamente com A. Não os conheço, mas a conversa flui divertida e sem formalismos. Antes de entrar na EN2 rumo à Matola, passamos pelo bairro de Mafalala, pelo mercado de Xipamanine e paramos junto a uma zona fabril, onde um veículo protocolar se junta à nossa pequena comitiva.
Seguimos para ao bairro de Ndlavela, no município da Matola. A viagem assemelhou-se à 'travessia do Rio Zambeze‘ e ainda hoje não consigo compreender como é que o automóvel onde me encontrava conseguiu passar as poças com três metros de diâmetro e meio metro de profundidade que circundavam a única estrada de possível acesso à cadeia. Observei a construção das casas em tijolo de cimento delimitadas por organizadas sebes de caniço, as pessoas que circulavam por todo o lado, as 'barracas de caniço' que abriam as portas aos primeiros clientes, os caminhos impraticáveis, os risos e os olhares incrédulos perante a nossa passagem. De repente, no meio do bairro, abriram-se os enormes portões da Cadeia Feminina de Ndlavela.
Depois de algumas formalidades de entrada, dirigimo-nos ao recinto onde iriam decorrer as comemorações. Lucrécia Paco encontrava-se a ultimar a montagem do espaço cénico onde iria decorrer o espectáculo e dava indicações aos técnicos municipais contratados para o efeito. De imediato agradeci-lhe o facto de ter conseguido transporte para que fosse possível assistir ao seu espectáculo em dia tão especial.
'Mulher Asfalto' estava a algumas horas de se apresentar às reclusas da cadeia de Ndlavela no Dia da Mulher Moçambicana. Preparámo-nos para ouvir os discursos oficiais sobre a efeméride e assistir a um jogo de futebol feminino.
Distraída com os gritos de incentivo das claques, constituídas maioritariamente por familiares e funcionários, lembro-me de ter pensado nos fundamentos ideológicos que levaram a nação moçambicana pós-independência a consagrar um dia feriado à mulher moçambicana. A ocasião comemora também o dia da morte de Josina Machel que, no final dos anos 1960, se juntou à luta armada da FRELIMO pela independência de Moçambique.
Se o discurso oficial do governo moçambicano vai no sentido de se pensar paritariamente o lugar da mulher na sociedade moçambicana, por outro lado, essa paridade não é sentida na vivência quotidiana.
São justamente as sistemáticas situações de exclusão, nomeadamente pelo género, que os agentes culturais consideram importante denunciar.
'Mulher Asfalto' com encenação e interpretação de Lucrécia Paco é a perfeita ilustração dessa atitude.
(excerto da tese 'Moçambique em Cena: Nação, Género e Modenidade no Teatro (Maputo 1992-2010)" de Vera Azevedo; foto da actriz Lucrécia Paco no espectáculo "Mulher Asfalto" versão de 2014)
VA
Esta semana haverá um festival internacional de teatro em Maputo, sediado no Teatro Avenida (a casa do Mutumbela Gogo). Sai com o nome "Ahoje é Ahoje!".
O programa das actividades, que decorrem entre 5 (terça-feira) e 11 (domingo) está aqui [Programa festival 2012].
Nota: o pdf não é "amigo" do bloguismo nem das redes sociais, nem apela via imagens a reproduzir (o apelo ao "meme"). Os organizadores destas coisas já deviam ter isso em consideração. Pois, em última análise, o interesse na divulgação rizomática destas coisas é mesmo deles. Pelo menos também deles.
jpt
Há precisamente dois anos aterrei na capital moçambicana por um breve período com o intuito de realizar uma ‘pesquisa de terreno’ sobre o teatro moçambicano, no âmbito da elaboração da tese de mestrado que tinha em mãos.
As expectativas eram enormes pois o desejo desta viagem contava com vinte e mais anos, basicamente desde o dia em que, aos 18 anos de idade, entrei na embaixada de Moçambique em Lisboa e anunciei: ‘Gostaria de emigrar para Moçambique. Como devo proceder?’. Com simpatia e surpresa, o funcionário respondeu: ‘Menina, caso não tenha percebido Moçambique encontra-se em Guerra Civil (hoje dir-se-ia Conflito Interno) e a emigração está fechada.’. ‘Pois, eu sei, mas não há mesmo hipótese?’ – insisti. ‘Não, não há mesmo qualquer hipótese.’ – respondeu com um sorriso.
As possibilidades e impedimentos da realização desta viagem antes de Abril de 2010 não me parecem suficientemente atraentes para o que me apraz rabiscar sobre aquilo que, há dois anos, considerei a concretização de um desejo profundamente enraizado, ou seja, ir a Moçambique.
Tão pouco pretenderei tecer considerações sobre afabilidade do povo moçambicano, a forma calorosa e disponível como fui recebida pelos artistas e futuros - porque ainda alunos - artistas da cidade de Maputo ou ainda sobre o acolhimento charmoso e afável dos patrícios há muito instalados no país. Também não falarei da estranheza que senti quando percorri de carro a cidade vazia no dia de Páscoa, da sensação de calma explosiva que me trespassou os sentidos e da dificuldade em ganhar confiança suficiente para me deslocar sozinha pela cidade.
Igualmente, não referirei que quando comecei a atravessar a cidade a pé muito me orgulhei do facto de ninguém me abordar como turista - confesso que nunca enverguei calções caqui, nem coloquei às costas mochilas com garrafas de água - nem perceber que era uma estrangeira completamente novata no local e que, por trás dos óculos de sol, as minhas órbitas davam voltas de 360 graus.
Muito menos farei alusão aos fins de tarde nas esplanadas, à aldeia dos pescadores visitada depois destes chegarem da faina, ou ainda do dia passado na prisão feminina de Ndlevela no âmbito das comemorações do Dia da Mulher Moçambicana 2010. Nem mencionarei os espectáculos e espaços de teatro visitados, a troca de impressões com alunos e professores da UEM, a ida a Inhaca e a recusa em ficar no Hotel Pestana, optando pelos simpáticos bungalows sem vigilância permanente.
A dois anos e 18 000 km de distância, aquilo que somente desejo expressar é que Maputo, e com certeza o restante território moçambicano, possui um vasto corpo de artistas cuja disponibilidade, talento e entrega não me foi indiferente. Institucionalizados ou a lutar contra a institucionalização da arte teatral, existe um leque heterogéneo de saberes e fazeres que, a bem da existência e crescimento da arte da teatral naquele país, devem unir esforços e acautelar divergências de forma a acolher, alimentar e promover as novas gerações de actores, encenadores, cenógrafos, enfim, os futuros criadores de moçambique em cena.
VA
A companhia de teatro Mutumbela Gogo, sediada no Teatro Avenida, em Maputo, conta com 25 anos de existência. Para comemorar a efeméride, ao longo do ano de 2011 têm sido realizadas reposições de alguns dos seus espectáculos mais emblemáticos, entre os quais o famoso 'Nove Hora' de Rui Nogar.
As comemorações culminaram com um Festival Internacional de Teatro em Maputo entre o dia 6 de Novembro - data da fundação da companhia em 1986 - e o dia 13 de Novembro passado, com a apresentação de espectáculos, seminários, 'worshops' de dramaturgia, de produção e de cenografia.
Parece que também teve lugar a edição de um livro sobre as actividades da companhia (espero que mão amiga mo faça chegar em breve - assim o solicito sem pudor) e a publicação de algumas peças de teatro de criação colectiva (aguardo a confirmação da mão amiga). Também foram apresentados vídeos dos filmes produzidos pela companhia.
Bem hajam, Mutumbela Gogo, porque manter a especificidade do vosso trabalho não é fácil. E também porque 25 anos é um excelente marco para reflectir sobre um percurso tão rico (com todas as idiossincrasias inerentes) e lançar os alicerces para as próximas décadas.
VA
Há mais de um ano já. Uma festa de crianças, aniversário de uma delas. Aconteceu na "Casa Macamo", um sítio belíssimo, o melhor miradouro de Maputo, um jardim lindo e vasto (qual será o seu futuro?). Para animar a festa surge Mário Mabjaia e o seu grupo. Absolutamente delirante, para miúdos e graúdos. Uma pequena peça: de quem é a casa acabada de fazer? de quem desmatou o terreno ou de quem veio depois e aí construíu? Debate imediato, veemente, gritado ainda que festivo, entre as crianças, surpreendentes noções de "justiça" se entendidas por lentes mais adultas.
Bertolt Brecht para crianças? Também, mas mais a discutir com as crianças a pertinência do Brecht.
Saí dali muito animado, claro. Coisa de pai de criança. Mas também coisa de quem viu Mário Mabjaia e os seus. Grande sessão de teatro. Que os miúdos recordam, já agora. Recordarão?
jpt
Tricontando é o blog de uma professora da Escola Portuguesa de Moçambique, Tânia Silva. O qual acabo de conhecer (entre os meus impropérios - o perfil da autora anuncia a sua crença no obscurantismo astrológico, das raras coisas que me impele para amolar as cimitarras). Mas enfim, tralha dos signos à parte ("cada um como cada qual" prega, altaneiro, o Teixeira iluminista deixando o siamês Bin Laden Teixeira furibundo, ainda para mais porque anda acabrunhado nestes últimos dias) refiro o tal Tricontando pois acaba de me chegar via e-mail a informação de um Workshop "A arte de contar histórias", no Instituto Camões, que a sua autora realizará a partir de amanhã. Deixo abaixo a informação, não sem referir dois pontos:
a) Se o Instituto Camões é o Instituto Camões não será de falar e escrever português? Ou seja, não será do tal de workshop ficar à porta e, escrever-se "oficina" ou coisa quejanda? ... é que há palavras, suficientemente significantes. Foda-se ....
b) Para uma actividade que ocupa quatro sábados seguidos não será de fazer a sua divulgação (a electrónica, pelo menos) bem antes da mísera (para este efeito) véspera? Ainda para mais visito, agora, o blog da formadora que anuncia o "Workshop" (lá está!) num texto de 27 de Março ...
Enfim, o que interessa é o aprender a contar histórias. Quem puder ...
O que se quer dizer com “contar histórias”? O contador de histórias tem o dom de fazer viajar a sua audiência, despertar-lhe sentimentos inimagináveis ou apaziguar os seus medos e ânsias. Neste workshop vamos encontrar técnicas de encantar adultos e crianças através da voz, do gesto e da palavra falada.
Objectivos: -Explorar e conhecer técnicas de contar. -Descobrir e desenvolver o estilo pessoal de cada participante de forma consciente. -Trabalhar a segurança e a auto confiança na apresentação em público. -Dar a conhecer técnicas e estimular a criação de repertório.
Número máximo de participantes: 12 Número mínimo de participantes: 6 Data/Horário: Sábados: 7/14/21/28 de Maio| Das 09h às 13h Público-alvo: Actores, Professores, Educadores de Infância, Animadores Sócio-Culturais, Bibliotecários, Pais e curiosos pelo tema. Local: Instituto Camões, Maputo Formadora: Tânia Silva Preço: 1500 MZN Inscrições na Biblioteca do Instituto Camões.
jpt
O grande contador de histórias Marangel Zacarias Mahwayi está em Portugal, a sua primeira ida à Europa, declarou ao jornal Zambeze. Leva, diz, vinte histórias tradicionais para contar. Mahwayi estará na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, no próximo sábado, dia 6 de Maio, às 21 horas, integrando a realização "Contos Que a Voz Cantou". Se eu estivesse em Lisboa não falharia ...
O contador irá também à Universidade Nova de Lisboa, a convite de João Soeiro de Carvalho, o cujo deverá ter estado por detrás do convite. Pois é dos atentos, julgo.
[fotografia reproduzida do jornal Zambeze, edição de 4 de Maio de 2006]
Ir ao teatro e passar o espectáculo todo no bar: que os americanos isto, que o bush aquilo, que guantanamo etc e tal, o iraque, o iraque...
Expatriados, desses mesmo, europeus, da franja dos quase 10 000 dolares mês. Nem uma peça, decerto, sobre Chirac (e Miterrand) e as Áfricas, nem uma palavra sobre Blair, nem uma lembrança sobre o Kohl e a "former Yugoslavia", nem uma diatribe para quem paga os euros que se tornam dolares. A "inteligência" desenvolvimentista europeia, a bem-pensante. Um seu resumo encenado num fim-de-tarde na 25 de Setembro.
Enfim, não se perde tudo. É barato o whisky no bar do Teatro Avenida.