Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Bazarketing, de Thiago Fonseca, Maputo, Ndjira, 2004]
Bazarketing: "a palavra marketing vem de market que significa mercado. Mas, quando esse Mercado ainda não existe, e se comporta como um Bazar, que outro nome se poderia dar? Isso mesmo, Bazarketing!" Um muito interessante livro de um dos mais bem sucedidos publicitários moçambicanos, o homem da "Golo", ao que consta de linhagem do ofício, o seu avô terá sido fundador da agenda - não estou certo desta informação, não conheço o autor, mas é sempre bela esta ideia do mester de família.
Um livro sobre publicidade e marketing em mercados emergentes, a colher a atenção dos profissionais. Mas também de quem quer olhar Moçambique, neste caso quais as imagens e produtos se querem transmitir e vender, no hoje e para o futuro. E de como se procura realizar tais tarefas, espelho de como se compreende o país. E nele se actua.
Entre outros quero realçar dois pontos, abordados no livro. A afirmação, fruto de uma reflexão prática, da necessidade de um olhar local, livre dos modelos conceptuais, estéticos e práticos importados, dos padrões julgados "elevados" "produtivos", que antes se diziam "civilizados": aqui se defende, sobre os louros de sucesso anterior, o "Bazarketing e o Pensamento Local", o "Pense localmente. Actue localmente.", um saber que afirma, eficiente e reflexivo, "Os enlatados versus o Bazarketing". Não resisto a citar:"Enquanto o mundo pretende demonstrar que as pessoas estão cada vez mais iguais, a verdadeira oportunidade está em reconhecer que, na verdade, estão e são cada vez mais diferentes e únicas."As estratégias de marketing que funcionam no 1º mundo não funcionam necessariamente num mercado emergente. É como um Rolls Royce ou um Ferrari. São óptimos. Mas não foram desenhados para as nossas estradas, cheias de buracos. Aqui funciona melhor um 4X4. Esta adequação é a diferença entre marketing e bazarketing." (37-38)
Parece óbvio? Assim escrito parecerá, mas o que realmente se passa no enorme resto é a constância do pensamento exportador, de modelos, práticas e valores. Pensamento preguiçoso, indigente. E falhando, falido. Mas que fica bem em casa, pois não ofende sensibilidades e sofás lá do "norte" (esse que se sabe não ser geográfico, claro está).
Não falo apenas em publicidade/marketing, dos quais pouco (ou nada) percebo. Estou mesmo a aproveitá-lo, extrapolação para referir as opiniões/actuações na política, na economia, na organização social, nas relações culturais (então sobre isto...).
E como é refrescante ler isto, preto no branco, proveniente de um discurso empresarial e pró-empresarial, esse que exige intelecto a actuar. E assim não o impedindo de pensar. (E, já que isto é blog, há por esses caminhos bloguistas tanto excitadozinho vociferando contra um tal de "relativismo"-papão sobre o qual nada sabem que conviria ler umas páginas sobre publicidade moçambicana. Para se lhe poder dizer, em caso de paciência suficiente, que se o alter-ismo pode ser muito irritante o auto-ismo deles é nada).
Um segundo ponto, e este mais problemático. Estamos a ler sobre o moldar de um mercado, dos indivíduos. É explícito o desafio posto ao(s) publicitário(s). Em Moçambique os indivíduos ainda não são indivíduos-consumidores, estão virgens de "marcas", são quase uma tábua rasa quanto a afectos face aos signos estatutários, as "nike" e "gilletes" que os demarcam e denotam. Para o profissional acredito que seja apaixonante o desafio, o de criar vínculos deste tipo, reproduzíveis a longo prazo. Para o leitor fica um documento sobre a produção não apenas desses vínculos entre produtos e consumidores, mas sim da produção de necessidades, valores, práticas (de consumo). Mediadas por nomes, o dos clientes - fornecedores. Na prática estamos a falar da produção de indivíduos. Assim. Consumidores induzidos e balizados.
Enfim, um caminho. Muito discutível, também. Para memória aqui deixo imagens de duas campanhas institucionais, belissimamente desenhadas (se eficientes já não sei, não tenho dados): a mais violenta, violentissima mesmo, campanha dedicada à luta contra o Sida, e uma fantástica (e recente) sobre a prevenção da malária.À margem do livro, mas por ele lembrado, é sempre interessante recordar que quem menos interroga os efeitos profundos da publicidade é quem mais absolutiza o "indivíduo", o retira destes processos de formação e produção, quem o vê livre e igual no mercado. Leve ideologia. Mas poderosa. Talvez mesmo por ser tão leve, nada custa a carregar.