Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Hoje mesmo um artigo de cristalina clarividência de Tomás Vieira Mário, publicado no jornal Notícias. Mais uma vez se desmonta a lusofonia. Que se mantém recorrente no discurso português, por defeito de cultura e, acima de tudo, de inteligência.
Hei-de voltar ao assunto. Tal como já o aflorei em textos hoje já no arquivo. Mas para quem queira perceber um pouco do Portugal de hoje em África leia sff, ainda que algo longo.Ah, o Primeiro-Ministro Durão Barroso visita Moçambique este mês. O quão bom seria que alguém lesse e compreendesse coisas destas. E que à ignomínia e imbecilidade dos nossos socialistas em África se sucedesse alguma decência e inteligência. A ver vamos...
QUE AGRICULTURA LUSÓFONA É ESTA?
Tomás Vieira Mário
Notícias, 9 Março 2004
Ele há-de sempre haver coisas nesta lengalenga de lusofonias que só fazem sentido em contextos do absurdo! Estava eu ainda a comentar com um amigo, na tarde de domingo passado, sobre o anúncio de uma exposição, que suponho fotográfica, a ser organizada pela RDP-África, em Lisboa e que, nos anúncios desta estação emissora, se denomina “Imagens Lusófonas”! E eu me perguntava: mas ... de que raio de imagens estariam eles a falar?! Porque, pela explicação e entendimento oferecidos pela RDP-África, e dada a “missão” desta mesma estação radiofónica (comunicar para – e não necessariamente “com” – as comunidades africanas dentro e fora de Portugal), tratar-se-ia de uma exposição de fotografia de autores alegadamente falantes da Língua Portuguesa. Mas ... sendo que nestes se incluem angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, santomenses e timorenses, porque haveriam todos de ser considerados lusófonos? E afinal, ainda estava o pior por vir: nas edições de segunda-feira de alguns jornais nacionais vem um texto publicitário anunciando uma reunião que se chama “II Jornadas de Agricultura...Lusófona” (!). De novo, a inevitável pergunta: de que agricultura estarão eles a falar? Que agricultura será essa, denominada “lusófona”? Haverá alguém com paciência suficiente para me explicar o significado de uma tal expressão, mesmo admitindo que seja utilizado em sentido figurado? Que figura pretenderia ela representar?
Pela lógica das coisas, sou induzido a pensar que eles pretendem, nestas jornadas, falar das possibilidades de investimento luso no sector agrícola em Moçambique, já que diz o subtítulo “Moçambique – terra de oportunidades”. Mas e então porque não dizer logo “Jornadas sobre o investimento português no sector agrícola de Moçambique”?É que, de contrário, a agricultura moçambicana longe ser “lusófona”, seria “bantófona” (...) já que ela é dominada por camponeses moçambicanos locais, na sua quase totalidade, analfabetos da Língua Portuguesa!
A lusofonia – vozes mais autorizadas já o disseram inúmeras vezes, e com maior veemência – corresponde a um quadro socio-linguístico dos portugueses (lusos), do mesmo modo que nós, moçambicanos, pertencemos a um quadro socio-linguístico bantu. Por “camonianos” que pudéssemos ser! É que, tratando-se, como se pretende fazer depreender de iniciativas conjuntas Portugal-Moçambique, porqu erazão é que vai, sempre, prevalecer a lusofonia como denominação de referência? Por falarmos, como se vem repetindo, a mesma língua? Já o havia dito, repetidas vezes, o saudoso Prof. Aquino de Bragança: da mesma forma que com a língua comum nos podemos entender facilmente, também com ela nos podemos facilmente insultar! (...) De tal forma que a evocação da Lusofonia aparece, quase que exclusivamente, para denominar estratégias portuguesas de afirmação no exterior, sob o manto da “língua comum”, nomeadamente com as suas ex-colónias africanas.
Mas parece simplesmente ridículo, arbitrário e destituído de qualquer sentido (político, histórico, cultural, etc) atribuir denominações do género “Agricultura Lusófona”, para encobrir formatos de estratégias empresariais portuguesas para África! Ainda seria de considerar qualquer coisa como “Agricultura Luso-Moçambicana”, etc.
Daí a pouco vamos também ter, em Moçambique, jornadas de “Educação Lusófona”, ou de “Conservação de hipopótamos e búfalos lusófonos”.
(...) Afinal, porque razão é que ao invés de uma Comunidade de Países Lusófonos, os Estados falantes do português acordaram em criar uma “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”?