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Um excelente texto de Vasco Graça Moura. Sobre o acordo ortográfico e, a esse propósito, sobre o desnorte da sociedade portuguesa. Acertado. E doloroso. Partilho-o aqui, muito em particular para os visitantes moçambicanos. Porventura menos atentos a esta questão, que ainda não os assombra, pois vivendo em "país livre do acordo ortográfico". E para que não venham a cair sob o mesmo estrupício. E, já agora, para que possam fruir dos elogios que VGM distribui pela África Austral:

 

O Acordo, outra vez


As questões de fundo relativas à aplicação do Acordo Ortográfico continuam por resolver. Não entrou em vigor, mas há sectores, tanto oficiais como privados, em que vigora sem rodeios especiais o princípio do faz-de-conta. Faz-se de conta que o Acordo já se aplica de pleno e estropia-se alegremente a nossa língua. Jornais e editoras continuam a fazê-lo da maneira mais bárbara. Há já alguns livros importantes que saem cheios dos correspondentes aleijões. E eles só não vieram ainda afectar uma série de clássicos da língua pela razão singela de que cada vez menos se cura de editá-los e pô-los ao alcance de toda a gente.


Ninguém parece ter sequer acordado para a necessidade de uma revisão. As duas grafias coexistem, porque, felizmente, um quotidiano importante e uma grande parte dos colaboradores da imprensa lusitana se mantêm fiéis à grafia anterior e esta é, por enquanto, a única que, legalmente, pode e deve ser aplicada. Toda a gente sabe que é assim e não vale a pena repeti-lo.


É possível que o lobby das editoras, depois de se ter precipitado na adopção do Acordo em livros escolares, manuais, dicionários e agora noutras publicações, procure impor essa coisa sem nome em todos os sectores da vida nacional, em especial no escolar. Também é possível que o poder não saiba lá muito bem o que fazer, seguindo e alimentando, neste aspecto, a desorientação das escolas.


Os partidos políticos com assento parlamentar têm vindo a pactuar, sem excepção, com esse estado de coisas. Ninguém lucra absolutamente nada com ele. Mas tudo isso redundaria apenas num simples exercício de humor de gosto discutível, se não se traduzisse numa violência quotidiana contra a língua. E o certo é que, se as coisas continuarem assim, dentro de uma geração ninguém conseguirá pronunciar correctamente a língua portuguesa tal como ela é falada deste lado do Atlântico.


Por outro lado, o que interessa, para além da questão jurídica e cultural de fundo, é uma questão política assaz bizarra. E a questão política actualmente resume-se a isto: estão a ser aplicadas não uma, mas três grafias da língua portuguesa. A correcta, em países como Angola e Moçambique, a brasileira (no Brasil) e a pateta (em Portugal e não se sabe em que outras paragens). Os representantes dos Estados-membros na CPLP, esses, devem dar pulinhos de corça alvoroçada e do mais puro regozijo com tão portentoso contributo que a organização deu para unificar a grafia do português.


Enquanto se anda nestes preparos, toda a gente se esqueceu do famigerado vocabulário ortográfico comum. Onde pára o dito? Dele, ninguém sabe dizer nada, como da formosa Mariquinhas... Até agora, o vocabulário peca pela inexistência pura e simples e ninguém se preocupou com a superação de tão momentosa dificuldade. Ora não parece que actualmente, com as restrições que afectam tantas áreas da investigação e da diplomacia, haja qualquer possibilidade de ele ser concretizado.


Entre as consequências relevantes dessa inexistência conta-se a impossibilidade de aplicar o Acordo de cuja entrada em vigor o vocabulário comum é condição prévia, por muito que isso pese ao Prof. Evanildo Bechara, que lê a exigência correspondente como se ela unicamente se reportasse ao vocabulário técnico e científico. É de lamentar que, na pessoa do ilustre académico, a interpretação jurídica não consiga acompanhar o saber do linguista emérito.


Alem disso, é muito de estranhar que, no ano em que o Brasil se apresenta em Portugal e Portugal se apresenta no Brasil com tanta pompa e circunstância, nenhum dos países interessados tenha feito qualquer reparo à maneira como a grafia do português, que se pretende oficial e oficiosamente seja agora adoptada em Portugal, consagra uma série de enormidades que não estão, nem podem estar, a ser aplicadas no Brasil e que aumentam a desconformidade com a maneira como a língua se escreve de um lado e do outro.


Talvez tenhamos de esperar que se realize um ano de Angola em Portugal e de Portugal em Angola para o problema merecer atenção. E então não será de estranhar que tenhamos de agradecer aos angolanos um rigor na grafia da nossa língua de que, por cá, nós portugueses já não somos capazes.


jpt

publicado às 19:48

Os trambolhões do "acordês"

por jpt, em 05.04.12

 

No Brasil "professores sugerem revisão do acordo ortográfico" e explicitam defeitos da sua aplicação e também, o que é ainda mais importante, da sua formulação. Em Angola a sua adopção é protelada e entende-se a necessidade de o corrigir. Entretanto em Portugal Vasco Graça Moura coloca, mais uma vez, o punho na ferida. Para além de uma sistematização das questões que o afastam do acordês (convirá ler a entrevista), recorda que "Quem comete a ilegalidade é quem está a aplicar o acordo. Qualquer constitucionalista poderia ter informado o governo de que o acordo, enquanto tratado internacional, não entrou em vigor na ordem jurídica internacional por não ter sido ratificado por Angola e Moçambique. Mas, mesmo que estivesse, o acordo não poderia ser aplicado: o seu artigo 2 obriga à elaboração de um Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, com intervenção de todos os países signatários. Ora, esse vocabulário não existe e não está em vias de ser elaborado. Nenhum vocabulário nacional pode substituí-lo. Por esta razão, o acordo não pode ser aplicado." Penso ser incontornável que o voluntarismo (essa "mãe de todas as maleitas") político fez o sistema de ensino português descambar na mais absurda das ilegalidades. Por mero servilismo, vergonha seja apontada aos seus agentes.

 

Isto faz-me regressar a uma questão que já aqui abordei por duas vezes ("O estertor do Acordo Ortográfico" e "A semirreta"). Se a adopção do acordo não é indiscutivelmente legal como é possível que as escolas estejam a ensinar segundo a "nova" grafia? É isso mesmo que questiona esta "Carta ao Ministro da Educação", enviada pela cidadã Madalena Homem Cardoso. Assente na constatação da insuficiência jurídica do AO denuncia a "fuga para a frente em que o poder político se apressou em declarar o AO90 em vigor" (o tal voluntarismo que refiro acima) e a sua imposição (ilegítima) às escolas básicas e secundárias do país.

 

Nas quais, como referi há pouco tempo, os professores, proletarizados e desintelectualizados, se sujeitam, como meros objectos, a reproduzirem a demagogia política. Está pois na altura de se insistir na pergunta ao ministério da educação português: como se permite ensinar uma ilegalidade aos alunos? À minha filha?

 

Adenda: para os interessados neste assunto, em particular em Moçambique onde a discussão pública sobre a matéria tem sido muito reduzida, aconselho a página ILC contra o Acordo Ortográfico, a Biblioteca do Desacordo Ortográfico, e o grupo de facebook Acordo Ortográfico Não. São inestimáveis esforços individuais que buscam um objectivo: a racionalidade. Bem hajam os seus organizadores.

 

jpt

publicado às 13:49

(Des)Acordo

por jpt, em 23.02.12

 

Abaixo referi a inexistência de textos actuais defendendo o Acordo Ortográfico. Mas logo leio textos concordantes, em particular de jornalistas. Paulo Querido [que é uma espécie de amparo do ma-schamba, tanto o apoio infraestrutural que lhe tem dado desde há anos] interrompeu a sua actividade insurreccional para defender com arreganho a ordem legal: se há pouco tempo, e por causa de uma tirada algo infeliz, intentou um movimento de massas para demitir o Presidente da República Portuguesa, democratica e constitucionalmente eleito, surge agora fervoroso legalista contra Vasco Graça Moura, por este provocar uma "uma discussão serôdia e contraproducente -- ...-- [sobre] uma decisão pensada, discutida ao longo de duas décadas e subscrita por vários governos e presidentes de várias cores políticas", entre os quais, e não o menor dos quais, exactamente o referido senhor Presidente da República. Este súbito apego à douta autoridade estabelecida é prosseguido também pelo jornalista Henrique Monteiro, que em o "O Acordo 20 anos depois" se insurge contra o "ilegalismo" da turba dos "ph"s (pois é fundamentalmente disso que ele trata), verdadeiros adversários da sã e profíqua convivência internacional inter-lusófona. Também ele se rebela: "Eis porque não aceito que uma lei discutida durante mais de 20 anos seja constantemente colocada em causa". Imagino a sua angústia existencial, diante da constante produção e renovação legislativa sobre tantas e tão variadas matérias. Sobre a argúcia da sua restante argumentação convirá ler Carlos do Carmo Carapinha. A mim basta-me a surpresa de ver estes "acordistas", sempre lestos em acusarem o "desacordismo" de sacralizar a letra das letras, num registo tão sacralizador da letra da lei gráfica.

Ou seja, é precipitado afirmar que não existe nas hostes lusas o elogio do "enxutismo" da neo-ortografia (para utilizar a abordagem do  blogo-confrade "acordista" Rui Cerdeira Pinto, do Adufe). Até porque esse "enxutismo" surge entendido como pedagogicamente favorável às novas gerações, qual sequela das Novas Oportunidades . (Sobre este "enxutismo" gráfico, aparentemente benéfico para o ensino do português aos atrapalhados infantes convém sempre ler o brilhante "Omens sem H", de Nuno Pacheco, publicado já em meados de 2011).

O pior disto tudo é que Vasco Graça Moura publica agora "Questões do Estado de Direito" (reproduzo abaixo). Nada percebo de leis. Mas se VGM não exagerou, se não "forçou a nota" (e polemista como é talvez seja o caso) tudo isto tem um corolário óbvio. Amanhã à tarde tenho que ir à escola da minha filha dizer à professora de português que é ilegal o que lhe anda a fazer, nesta tropelia acordista, por mais "enxuta" que esta se apresenta. E tenho que botar à direcção da Escola Portuguesa de Moçambique (sempre tão pressurosa em explicitar a incompetência pedagógica dos "papás", como por vezes têm a lata de nos chamar) que estão ilegais. Que estão heterográficos. E isso vai ser uma chatice. Para eles.

E para a minha filha ...Aqui segue o VGM. Haverá por aí algum jurista que me ajude a perceber o que deverei fazer amanhã à tarde?

Questões do Estado de Direito.

O que é que haverá de comum entre personalidades tão diferentes como Pedro Santana Lopes, Jorge Bacelar Gouveia, José António Saraiva e Henrique Monteiro? Face aos jornais das últimas semanas, a resposta é muito simples: todos defendem o Acordo Ortográfico, todos discordam das posições que tenho sustentado, todos, pelos vistos, entraram em alerta vermelho com os textos publicados no Jornal de Angola, e todos evitam tomar posição sobre questões que são essenciais.

A primeira dessas questões é a da entrada em vigor do AO. Toda a gente sabe que, não tendo sido ratificado pelas Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, ele não entrou em vigor.

A ratificação é o acto pelo qual um estado adverte a comunidade internacional de que se considera obrigado nos termos do tratado que subscreveu juntamente com outros estados. No que a este caso interessa, o tratado entra em vigor na ordem jurídica internacional logo que ratificado por todos os estados signatários. A partir do momento em que entre em vigor na ordem jurídica internacional, essa convenção será recebida na ordem jurídica interna do estado signatário. Antes, não pode sê-lo.

Não estando em vigor na ordem jurídica internacional, nem ele nem, por identidade de razão, o bizarro segundo protocolo modificativo, uma vez que também não foi ratificado por aqueles estados, o AO não está nem pode estar em vigor na ordem jurídica portuguesa.

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a este ponto.

Ora, sem o AO estar em vigor, a solução é muito simples: continua a vigorar a ortografia que se pretendia alterar. Como estamos num estado de Direito, a solução é só essa e mais nenhuma. E a lei deve ser cumprida por todos.

A segunda questão prende-se com a exigência, feita pelo próprio AO (art.º 2.º), de um vocabulário ortográfico comum, elaborado com a participação de instituições e órgãos competentes dos estados signatários. Não existe. Qualquer outro vocabulário que se pretenda adoptar, seja ele qual for, será uma fraude grosseira ao próprio acordo...

A resolução do Conselho de Ministros do Governo Sócrates (n.º 8/2011, de 25 de Janeiro) raia os contornos de um caso de polícia correccional: produz uma distorção ignóbil da verdade ao afirmar, no preâmbulo, que adopta "o Vocabulário Ortográfico do Português, produzido em conformidade com o Acordo Ortográfico". É falso.

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a este ponto.

Mesmo que entendessem que o AO está em vigor, uma coisa é certa: nenhum entendimento, nenhum diploma, nenhum sofisma político ou jurídico pode dar existência àquilo que não existe.

Sendo assim, e não se podendo aplicar o AO por falta de um pressuposto essencial à sua aplicabilidade, continua em vigor a ortografia que se pretendia alterar por via dele. Como estamos num estado de Direito, a solução é só essa e mais nenhuma. E a lei deve ser cumprida por todos.

O grande problema é portanto o de que cumprir o Acordo Ortográfico, no presente estado de coisas do nosso estado de Direito, implica não o aplicar! Ou, dizendo por outras palavras, fazer de conta que se aplica o AO é violá-lo pura e simplesmente, na sua letra e no seu espírito...

Nenhuma das individualidades referidas toma posição quanto a esta situação paradoxal de que, certamente, tiveram a argúcia de se aperceber.

De resto, há muitas outras questões que têm sido levantadas, mas que as mesmas individualidades se dispensam de considerar, mostrando uma suficiência assaz discutível em relação a assuntos que não estudaram e de que, pelos vistos, percebem pouco. Não as abordaremos para já, mas elas não perdem pela demora. Diga-se apenas que nem mesmo o Brasil aceita a carnavalização da grafia que está a ser praticada em Portugal!

Acrescento que estou um tanto ou quanto farto de ter de voltar a estas coisas com alguma frequência. Mas tenho mais apego à minha língua do que a muitos outros interesses pessoais. E voltarei ao assunto as vezes que for preciso.

Para já, trata-se de instar quatro pessoas que considero e com quem tenho uma relação cordial, a que respondam aos pontos que levantei e aproveitem para ponderar as judiciosas considerações que sobre o assunto o Jornal de Angola tem publicado. Não perdem nada com o exercício.

jpt

publicado às 21:48

Os leitores deste blog poderão maçar-se, exagero de atenção na lusa trama. Mas do modo como está tudo aquilo "quem não se sente não é filho de boa gente" ... Assim, para ler, guardar e citar, transcrevo dois textos sobre a "gasta Pátria". Vasco Graça Moura, incontornável, e também porque fala dos "donos da palavra" - e tantos deles são bloguistas, hoje como sempre teclando sem o menor amor-próprio. E Manuel Maria Carrilho (apesar do seu colaboracionismo) a tentar pensar para o futuro, de certo modo enfrentando a questão "E agora que fazer? Uma nova república?"  levantada pelo nosso FF.

Vasco Graça Moura no Diário de Notícias (30.3.2011):

Aleluia!

Ninguém se lembra de ter visto, nos últimos anos, algumas figuras gradas de extracção socialista a chamarem a atenção do Governo de José Sócrates para as barbaridades que estavam a arrastar Portugal para o abismo e para a irresponsabilidade da governação. Deviam tê-lo feito pelo menos dia sim, dia não, mas não o fizeram.

O país ia-se arruinando, os portugueses iam resvalando para o beco sem saída em que se encontram hoje, o Governo ia garantindo exactamente o contrário daquilo que se estava a passar e dando provas de uma incompetência e de uma desfaçatez absolutamente clamorosas, mas esses vultos tão veneráveis abstinham-se de fazer a crónica dessa morte anunciada, não se mostravam grandemente impressionados com ela e sobretudo não sentiam o imperativo patriótico de porem cá para fora, preto no branco, numa guinada veemente e irrespondível, o que bem lhes podia ter ido na alma e pelos vistos não ia assim tanto.

Devo dizer que não fiquei nada impressionado com os apelos recentes e vibrantes de algumas dessas egrégias personagens, em favor da manutenção do statu quo ante em nome do mesmo interesse nacional que as terá remetido ao mutismo mais prudente sempre que a governação socialista dava mais um passo em frente para estatelar Portugal.

Sou levado a concluir que foram sensíveis, não ao descalabro a que a governação socialista acabou por conduzir o país, mas ao desmoronamento do PS enquanto partido de governo. Não lhes faz impressão nenhuma que Portugal esteja na merda por causa dos socialistas. O que os impressiona deveras é que o PS se arrisque a ficar na merda por causa de tudo o que fez. E então, então sim, apressam-se a invocar alvoroçadamente o interesse nacional, secundados por todo o bicho careta lá do clube que se sinta vocacionado para dar o dito por não dito e o mal feito por não feito e também, está claro, para fazer sistematicamente dos outros parvos.

Tal apelo surge todavia no ensejo menos adequado. Hoje, só faz sentido invocar o interesse nacional para esperar que o PS seja varrido impiedosamente de qualquer lugar de preponderância política e que a ignomínia da governação socialista fique bem à vista para a conveniente edificação das almas.

Os responsáveis por tudo isto e os seus porta-vozes já se começaram a esfalfar, a acusar desvairadamente os outros de terem criado um impasse irremediável para Portugal, a passar uma sórdida esponja de silêncio e manipulação sobre o que foi a actuação dos Governos socialistas desde 1996 e, em especial, desde 2005, a fazer esquecer que é ao PS e ao seu Governo que se devem coisas tão sugestivamente picantes como a crise, o aumento delirante dos impostos, o aperto asfixiante do cinto, a subida incomportável do custo de vida, o desemprego sem esperança, o fim da dignidade nacional.

Nessas virtuosas indignações da hipocrisia socialista, já se vê quanta gente do PS anda já por aí a desmultiplicar-se, na rádio, em blogues, um pouco por toda a parte e até aqui nos comentários aos artigos, a jogar na inversão e na distorção de todos os factos e de todos os princípios. Alguns ingénuos talvez deixem mesmo de se perguntar mas afinal que canalha é essa que se diz socialista, para sustentar o insustentável e defender o indefensável.

Já toda a gente percebeu que o país só sai desta se tiver uma verdadeira "ditadura da maioria", expressão que, como é sabido, causava calafrios democráticos ao dr. Soares. Amanhã, se nessa maioria entrasse o macabro PS que ele ajudou a fundar, tal conceito ficaria, apesar de tudo, esquecido entre as brumas da memória. E se, como é de esperar e de desejar, o PS for reduzido a cisco em eleições, não nos admiremos por assistirmos em breve à recuperação grandiloquente do chavão.

Já se percebeu que a Europa o que quer é que Portugal não faça mais ondas e volte a ser o bom aluno que os próceres socialistas escarneciam tão displicentemente. Deve recordar-se ao dr. Sampaio que, no estado de porcaria pantanosa a que isto chegou e que ele não denunciou a tempo, hélas!, afinal não há muito mais vida para além do orçamento. E mesmo a pouca que houver se vai pagar muito caro.

Eu, cá por mim, com a queda desta gente execrável, só posso exclamar: - Aleluia!

 

Manuel Maria Carrilho também no Diário de Notícias (publicado ontem, 31.3.2011):

Reduzir o que está em causa nas próximas eleições à tagarelice contabilística em torno do défice, é de uma lamentável cegueira e mediocridade. Na verdade, só uma coisa verdadeiramente interessa agora – é que as próximas eleições legislativas abram mesmo um novo ciclo na vida do País. E se um novo ciclo implica naturalmente uma maioria, ele exige bem mais do que isso: exige, para lá de uma clara maioria parlamentar, um novo projecto e uma nova confiança que conquistem a sociedade. Nas actuais circunstâncias, exige uma legislatura patriótica que integre vários partidos, motive os parceiros sociais e mobilize a sociedade civil em toda a sua diversidade.

O País precisa de austeridade, mas precisa também de crescimento. Austeridade sem crescimento não altera o caminho para o colapso, apenas muda a sua natureza e, talvez, o seu timing. A ortodoxia austeritária sem mais conduzirá o país por uma espiral cada vez mais intensa de cortes e de protesto, que deixará o País em pele e osso. É por isso fundamental articular a austeridade com o crescimento. Mas como a austeridade é imediata e o crescimento é a prazo, é fundamental que a sua articulação dê origem a um projecto estruturado que seja bem explicado aos Portugueses. Um novo ciclo também é isso: a substituição da infernal demagogia em que temos vivido, por uma pedagogia que saiba combinar o realismo com a ousadia, isto é, reconhecer os problemas que temos, e, sobretudo, avançar com soluções inéditas mas credíveis. É tempo de mostrarmos que somos capazes de fazer mais do que auto-estradas, rotundas e estádios de futebol!

Para isso é muito importante, por um lado, mudarmos de cultura política, como há meses sugeri no meu livro «E agora?- Por uma Nova República», onde propus várias ideias que poderiam incentivar essa mudança: o voto facultativo a partir dos 16 anos e obrigatório a partir dos 18, o fim do exclusivo partidário da apresentação de candidatos a deputados à Assembleia da República, o reforço dos reguladores independentes, a valorização do trabalho e do mérito, uma cultura de diálogo que estimule a concertação estratégica entre várias forças políticas. Mas também a inscrição constitucional da obrigatoriedade do equilíbrio orçamental, em nome, não de nenhum dogma financeiro, mas dos direitos das gerações futuras, que têm sido atingidos de um modo absolutamente sem precedentes.

Por outro lado, e talvez mais importante ainda, é a definição de novos desígnios nacionais, nomeadamente em torno da qualificação, das indústrias criativas e do mar. A qualificação do território, das instituições e das pessoas é hoje a condição sine qua non de qualquer horizonte de efectivo crescimento. E uma medida tão simples como a de se começar o ensino obrigatório aos 3 anos de idade, faria mais pelo futuro do País do que toda a panóplia de controversas medidas tomadas nos últimos anos, sobretudo aquelas que mais vivem do deslumbramentos tecnológico ou da manipulação estatística.Por sua vez,as indústrias criativas, que estudos recentes creditam de uma contribuição para o PIB de cerca de 3%, têm hoje um indiscutível potencial de crescimento, bem argumentado no relatório apresentado no ano passado, por Augusto Mateus sobre «O sector cultural e criativo em Portugal». Em linha, de resto – ponto que tem sido totalmente ignorado -, com o que a União Europeia defende na sua estratégia «Europa 2020».

Mas é o mar, que há cerca de uma dúzia de anos é objecto de sucessivos estudos, relatórios e recomendações (com destaque para o trabalho de Tiago Pitta e Cunha), que podia e devia ser o grande desígnio português para as próximas décadas. Temos uma zona económica exclusiva que é 18 vezes superior ao tamanho do nosso território, a maior da União Europeia e uma das maiores do mundo. O que precisamos de fazer, é de colocar de novo no centro da nossa visão do País e do futuro esse elemento nuclear da nossa identidade histórica, transformando-o num dos principais motores do nosso crescimento. Olhar para alguns exemplos talvez ajude: a economia da Dinamarca é em cerca de 50% uma economia marítima, o porto de Roterdão significa 20% do PIB da Holanda, o comércio internacional é em 90% feito por transporte marítimo.É preciso olhar para o mar pensando em tudo o que se pode fazer em termos de transporte marítimo, construção naval, biotecnologias, aquacultura, energias renováveis ou pesca. A pesca é um bom exemplo do paradoxo em que se vive: é que, apesar dos nossos recursos nesta área, e de sermos os maiores consumidores de peixe da Europa, (com uma média de 60K/ano por pessoa, quando a média europeia é de 24), importamos grande parte do que consumimos... A aposta no mar é a única das apostas estratégicas que pode ser um desígnio nacional, porque, como escreveu Ernâni Lopes, «o mar é o único domínio com carácter identitário». Eu diria mesmo «o» desígnio nacional, porque nestas matérias, quanto mais desígnios houver, mais fracos serão. E nós precisamos de um desígnio forte e magnetizador.

Insisto: a alternativa ao pântano dos impasses que temos vivido só pode ser um novo ciclo político que, respondendo às dificuldades imediatas que enfrentamos, consiga articular essa resposta com um horizonte mobilizador, com um novo projecto para o País. Para isso, é fundamental integrar, no esforço de austeridade a fazer, margem de manobra para o investimento estratégico que esse projecto exige. Ambos exigem tempo – pelo que precisamos também de repor o médio prazo como temporalidade de referência na actividade política.

O momento não é para contabilistas que reduzem o futuro à próxima eleição - é, de facto, para visionários concretizadores, capazes de pensar o imediato em termos de próxima geração.

jpt

publicado às 09:44

Soneto das Barbies

por jpt, em 10.03.09

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Nos cinquenta anos da Barbie.Soneto das barbiesNa discoteca vi à noite as barbies:passavam pernilongas e lascivassem verem bem as minhas tentativase deu-me então a gana de exclamar: bis,quero ter outra vez os meus vinte anos,sabendo o que sei hoje, e atravessar-mede coração pulando em puro alarmeno caminho das ditas, mas tais planospodem sair furados, é melhorfazer valer os trunfos que inda tenhoe franzir divertido o sobrecenho,dando-lhes a entender que as sei de cor.e sem saber se a tanto me aventuro,vou-me dando ares de sedutor maduro.[Vasco Graça Moura, "Soneto das barbies", Uma Carta no Inverno, Quetzal, 1997]

publicado às 10:48

No Diário de Notícias um artigo de Vasco Graça Moura sobre a "política da língua" em resposta a entrevista de Carlos Reis ao Expresso.

(Artigos transcritos abaixo, que estas ligações com os jornais têm tendência a serem perecíveis. E para daqui a três ou quatro anos consultar - com o triste sorriso com que sempre se consultam declarações semelhantes de periodicidade cíclica?).

Sobre esta temática (ortografia, política linguística, coisas que nisto seguem juntas) já deixei aqui o que acho. E sobre a escatológica visão de Graça Moura também. A qual polui um pouco bons argumentos que apresenta.

Agora apenas me vai ficando o tal sorriso triste. Pois desta troca de argumentos pouco mais há a registar. Do seu conteúdo, dos seus efeitos. Talvez só algumas ideias meramente conjunturais:

a) Quanto aos efeitos: Vasco Graça Moura é do PSD e Carlos Reis andará na área do PS (presumo). É fácil ir ao technorati/google e ver como as opiniões portuguesas sobre o assunto imediatamente se cindem de acordo com essa "superestrutura" (oops!). Não é caso único, o par "direita/esquerda" é a melhor muleta para os impensadores teclarem, já se sabe.

b) Vasco Graça Moura é letal, mas em questão paralela: tem toda a razão, o Instituto Camões tem uma política da língua, aliás muito bem recenseada em Maputo pela sua presidente durante a recente visita do Presidente Cavaco Silva. Da sua validade não posso ajuizar, mas é surpreendente que a dois terços da legislatura algo brote como se de um nada anterior. Talvez apenas rivalidades institucionais ou protagonismos pessoais. Mas indiciando cabotagem estatal.

c) Carlos Reis anuncia passos numa nova política da língua, aparentemente refrescada ("lusofonia" é um termo em queda, vá lá). Mas mantem algumas ideias-quistos com tendência a degenerarem em metástases intelectuais. Afirmar em 2008 que as Escolas Portuguesas em Luanda e Maputo (concedo que Timor seja um caso particular e sorrio à evocação de Macau) são exemplos da política da disseminação do português é estar num registo completamente inverso a toda a retórica auto-justificativa que Reis e tantos outros intervenientes agitam.

Custa-me crer em efeitos positivos, estruturantes duradouros, de grandes planos delineados por quem não consegue compreender essas escolas como meras obras de regime, as quais traduzem uma visão lusocentrada e saudosista. Não se trata de negar a qualidade do seu funcionamento (a de Maputo trabalha bem, ao que consta). Trata-se de aceitar - e até citar como exemplo quase horizonte- a construção e financiamento (dispendioso) de escolas públicas em países onde o ensino (básico, secundário, médio e universitário) é feito em português. E onde é esse a língua oficial, efectivamente disseminada pelos Estados próprios, disseminação às quais estas escolas são radicalmente estranhas. [E não se diga que elas são um factor de cooperação, que o são apenas muito marginalmente - nem foi essa a sua causa histórica, local e nacional, não foi esse o seu desenho, não é esse o seu desempenho].

Valerá a pena expressar a surpresa quando tal é apontado como um exemplo a seguir? Não. Vale a pena referir que diante disto nenhum outro argumento auto-justificativo, no quadro retórico usado, se aguenta. Argumentação suicidária.

d) Informa ainda que Luís Figo regressa ao regaço maternal linguístico: depreendo que da próxima vez que a FIFA o escolher como "o melhor jogador do mundo" não discursará os seus agradecimentos em espanhol, como agora se diz (em tempos eu aprendi a dizer "castelhano" mas por lá devem ter feito um Acordo qualquer). Fantástico: Viva Figo (ele é fantástico, não tanto os intelectuais mergulhados no futebolês próprio dos políticos).

e) Finalmente, em tempos chegou a ser divertido, pelo seu vazio intelectual, ver os críticos de uma política da língua (e ortográfica) serem considerados saudosistas, imperialistas e outras coisas. Ainda para mais por alguns que tanto esgrimem o fado lusófono. Mas agora é só cansativo.

Entenda-se: os críticos desses críticos estão  absolutamente centrados nas dinâmicas portuguesas e nas suas necessidades ("não perder o comboio", "não perder o mercado do livro", "não perder ... a influência em África", "não perder etc e tal"). Não serão eles, apesar deles próprios, os verdadeiros lusitanófilos?

É disso sintomático, e uso-o como mero exemplo, que tenha chegado a estes artigos via Kontrastes. Num post onde Graça Moura é reduzido a "Vasquinho", qual uma nulidade argumentativa dado que não conhece "a abertura do governo brasileiro face aos países africanos", esse sim o problema, sistematicamente repetido por várias vozes. Por isso, por esse desconhecimento da presença brasileira em África, são as  opiniões de Graça Moura (e de outros) remetidos a um saudosismo quinhentista, expansionista, colonialista.

Mas a ninguém ocorre dizer que esta tralha preocupada com a influência brasileira em África, e portanto tão reformista do português, é não só lusocentrada como decalcada (saudosista?) das preocupações portuguesas com a influência "brasileira" em África (Angola e Moçambique, particularmente) nos séculos XVIII (2ª metade) e brasileira (XIX). Se aqueles são quinhentistas ou colonialistas que dizer destes outros? Oitocentistas? Negreiros?

Não serão eles mesmo, alguns até incapazes de se auto-perceberem, neste afã da influência do português e do português de Portugal (numa forma reformada ou não) os verdadeiros saudosistas? Estou completamente crente disso. Da sua auto-incompreensão (gauchiste, quase sempre). Do seu imperialismo espontâneo. E de uma enorme arrogância. Típica, também ela, do imperialista. Em particular quando frustrado. (Que isto de entre Minho e Timor não se escrever do mesmo modo custa. Até parece que não é o mesmo mundo ... o nosso mundo - mesmo que um pouco actualizado. Na continuidade.)

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VASCO GRAÇA MOURA "Luís Figo e a Política da Cultura"Diário de Notícias,9 de Julho de 2005"Este Governo não tem emenda. Continua agarrado às manifestações de fachada e a não se preocupar minimamente com o rigor e a correcção daquilo que faz ou anuncia que vai fazer.Uma das suas vítimas favoritas é a língua portuguesa. Tem-se visto abundantemente no que respeita ao Acordo Ortográfico. Mas agora, segundo o Expresso, o Conselho de Ministros prepara-se para adoptar esta semana uma resolução lançando "as bases de uma política da língua".Essa comovente iniciativa seria muito interessante se o Governo a tivesse feito preceder de um debate público convincente.Mas limita-se a tomar como base um estudo coordenado pelo meu amigo Carlos Reis, cuja competência nesta matéria é, não duvido, muito superior àquela de que ele tem dado provas no tocante ao Acordo Ortográfico, mas cuja credulidade me suscita as mais sérias reservas, uma vez que, entre outras coisas, atribui a Luís Figo um papel canónico na promoção da língua portuguesa em Espanha...

O certo é que ficaríamos todos bem mais sossegados se fosse conhecida a posição do Ministério da Educação, das universidades e de outras instituições e se tivesse havido uma discussão pública séria destas e de outras análises, bem como das linhas e dos critérios enunciados para as bases de uma política da língua.

Mas o Governo tem pressa. Vem aí a CPLP e ele quer ter alguma coisa para mostrar, com o picante de pretender agora lançar as bases de uma política da língua sem auscultação dos restantes países interessados... Não tem emenda, repito.

Todavia, há coisas que, mesmo sob a égide simpática de Luís Figo, são difíceis de perspectivar e até de engolir para alguns países da CPLP.

Poderá o Governo português assentar em que Angola e Moçambique não têm "um peso internacional considerável"?

E em que é preciso esperar que o tenham para a língua portuguesa se internacionalizar?

Com isto, aceitará o Governo português que o mundo inteiro, com Angola e Moçambique à frente, se lhe ria na cara?

O Governo português, tão encrençado em TGVs, afinal estará disposto a deixar agachadamente que o Brasil seja "a locomotiva fundamental do processo" e "o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África"? Para África?

Poderá o Governo português tomar medidas credíveis e oportunas de uma política da língua a partir do nenhum rigor, do espírito de demissão e da patente incorrecção política e cultural de pressupostos deste tipo?

E acaso terá sido prevista alguma política para a uniformização da terminologia gramatical, depois de tudo o que se passou com a TLEBS do lado de cá? Ou caminha-se irreversivelmente para uma dupla gramática pela mão dos mesmos que tanto se eriçam com as consoantes mudas?

O mais intrigante de tudo é que está a ser desenvolvida desde há anos uma política para a língua portuguesa no mundo. A presidente do Instituto Camões descreveu-a na FLAD em 5.11.2007 (Promoção da Língua Portuguesa no Mundo, relatório da reunião de trabalho, Fundação Luso-Americana, Novembro de 2007, pp. 43-56).

Aí se desenha um conjunto de linhas de acção concreta, a que provavelmente continua a faltar uma boa dotação orçamental, ligados a uma "óptica de trabalho sobre e com a língua portuguesa: língua da comunicação, do trabalho, da ciência, da cultura, do direito e da diplomacia", na perspectiva articulada de três vectores. Resumindo muitíssimo: 1) intra-fronteiras dos países CPLP e organizações internacionais e regionais em que o português é língua de trabalho, como o espaço ACP; 2) estratégias de promoção da língua, da cultura portuguesa e das culturas em língua portuguesa, por Portugal enquanto Estado membro da UE, fazendo valer esta "como língua de oito vozes culturais"; 3) promoção da língua e cultura portuguesas por Portugal em correlação com os seus próprios interesses sociopolíticos, apostando na promoção do ensino no Magrebe, na China e na Índia, nos países da Organização dos Estados Ibero-Americanos, nos EUA e no Canadá.

Então o Governo português vai atrever-se a mandar todo este trabalho para o lixo? Ó Luís Figo, vá lá, faça sinal a esta gente de que assim ainda perde de vez o campeonato."

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EXPRESSO,

5 de Julho de 2008

Luísa Meireles

Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta ao Expresso "Está na moda aprender português" "O coordenador do estudo sobre a Internacionalização da Língua Portuguesa defende política da língua consistente, continuada e em conjunto com todos os países de língua portuguesa."

O português está em expansão mas, para se lhe dar uma verdadeira internacionalização, é preciso mais do que boa vontade. É preciso uma política da língua consistente e continuada, que lhe atribua meios e concerte esforços. Para o filólogo Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta, o acordo ortográfico também é fundamental para esta tarefa. Nesta entrevista, o professor catedrático em Coimbra, lança pistas e propostas, explica as diferenças com o Brasil e cita o exemplo de Espanha - com a qual advoga uma aliança estratégica - e conclui que esta é uma tarefa que tem de ser conjunta de todos os países de língua portuguesa. Ele foi o coordenador de um estudo sobre a Internacionalização da Língua Portuguesa, que está na base de uma resolução do Conselho de Ministros que, na próxima semana, deverá consagrar, pela primeira vez, uma política da língua.

Como se faz a internacionalização do português? De várias formas. Através do ensino do português como língua estrangeira. Internacionalizar é fazer do português uma língua oferecida em matéria de ensino a franceses, alemães, ou búlgaros, por exemplo, que não tenham com ela outra relação que não seja entenderem que ela é um idioma importante. Internacionaliza-se também nas escolas secundárias e universidades, fazendo dele uma língua que abre caminho a outros sectores de actividade - penso na economia. É fazer dela uma espécie de vanguarda de presença, que depois é completada por noutros elementos, a economia, os negócios, a ciência, a cultura. Internacionaliza-se também através de entidades, como por exemplo os centros de língua, que trabalham o seu ensino fora das universidades. Dou o exemplo dos centros de língua do Instituto Cervantes, de Espanha, que não estão vinculados as estruturas universitárias, mas estão na rua, ao alcance do cidadão comum.

Portugal tem alguma coisa parecida com isso? Não, o mais parecido mas limitado - embora de nível de excelência - são as escolas portuguesas em Luanda, Maputo, Macau e Timor. Internacionalizar-se uma língua fazendo dela um instrumento de referência cultural e económica, passa muito pelo desenvolvimento. Falamos muitas vezes com certa retórica triunfalista na dimensão demográfica do português, os famosos 200 a 230 milhões de falantes, mas não é bem assim. Esses falantes são em grande parte integrados por povos e países que infelizmente contam pouco no concerto internacional. Uma língua tem escassas possibilidades de se internacionalizar enquanto noutras instâncias que não a linguística (política, económica, científica) esses países não se afirmarem.

Esse é um factor muito notório do português, nomeadamente nos Estados Unidos? Apesar de ter uma presença muito antiga, o português ainda não conseguiu ser uma das 10 línguas "requisito de acesso às universidades", onde está por exemplo o coreano, que não tem a dimensão demográfica do português. Porquê? Porque a presença económica e social da Coreia nos EUA é considerável; está o hebraico, por razões também conhecidas. Por isso, não faz muito sentido falar da política de internacionalização da língua isolada do resto e não tenho pruridos em o dizer: enquanto Angola, sobretudo, e Moçambique, que são países com dimensão demográfica considerável, não ganharem um peso internacional considerável, será muito difícil que o português se internacionalize. O caso do Brasil é a evidência disto. Na medida em que ele está a ganhar uma grande presença e é um país mais poderoso economicamente e com menos desigualdades internas, o português começa a ser um língua com algum poder internacional. Esta é uma zona um pouco melindrosa para alguns, que têm dificuldade em reconhecer que Brasil é aqui uma locomotiva fundamental. Não temos que ter receio disso.

O papel do Brasil

Está a falar do acordo ortográfico? Não só. Em termos de melindres, essa foi a manifestação mais evidente e, em pessoas que estimo e cultas e responsáveis, foi mesmo penosa de se ver. Sobretudo o que estava em causa era um enorme preconceito em relação ao Brasil. Curiosamente, algumas dessas pessoas às vezes traduziam isso através de expressões brasileiras que já entraram lexicalmente no português. O português do Brasil tem algumas qualidades que o de Portugal não tem e já entrou no nosso falar desde que a televisão brasileira tem aqui uma presença forte. Há expressões que já nem as identificamos como brasileiras: quem hoje diz ir para a bicha? Diz-se 'para a fila'. Ou 'está tudo numa boa'.

Entraram por via da imigração e das telenovelas. Da televisão, sobretudo. Há aspectos do português do Brasil em que leva vantagem sobre nós. Um deles é a articulação: um filme português passado no Brasil precisa de ser legendado e um brasileiro em Portugal não. Tão simples como isto. Porque os portugueses tendem a obscurecer a língua do ponto de vista articulatório, fonológico, de pronúncia. Engolem as palavras. O português do Brasil valoriza mais as vogais, os fonemas vocálicos, o que é uma vantagem para o bom entendimento. Temos de fazer um esforço de recuperar coisas que se perderam e isso só pode ser feito na escola, lendo expressivamente, obrigando a pronunciar bem as palavras todas. Mas a importância do Brasil neste cenário é evidente desde algum tempo. O Brasil apercebeu-se que a língua é um instrumento estratégico muito importante e o seu anúncio de criação de uma universidade para os países da CPLP no Nordeste não é inocente nem destituída de sentido político.

É curioso que seja no Nordeste? Entende-se que uma universidade deste tipo é um factor de desenvolvimento de uma região pouco desenvolvida, e também porque no Nordeste há uma forte presença africana. Portanto, é como quem diz: 'nós somos a ligação para África'. Com esta iniciativa, o Brasil está a dizer que o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África é ele. Está no seu direito e porventura tem boas razões para isso, económicas, sociológicas, devido à imigração desde os tempos da escravatura. Isto significa o despertar do Brasil de uma forma muito vigorosa para a causa da língua portuguesa como instrumento estratégico.

Foi acordado com Portugal? Não creio, foi anunciado pela primeira vez pelo ministo dos Negócios Estrangeiros Celso Amorim na Guiné-Bissau, em Abril. Não é inocente o lugar do anúncio.

O Brasil tornou-se um 'concorrente? É uma questão que tem de ser desdramatizada. A verdade é que a internacionalização da língua portuguesa também passa pela música brasileira, a moda, o futebol, a economia, muitas outras presenças que significam uma presença derivadamente linguística e que são uma outra forma de fazer política de língua. Convém não esquecer o papel do Brasil na América Latina em matéria de difusão da língua, nomeadamente entre os países limítrofes, como o Uruguai, ou a Argentina.

O acordo ortográfico é indispensável

E o acordo ortográfico? Foi excessivamente dramatizado em Portugal. O acordo é um instrumento ao lado de outros, que vale o que vale, não vai descaracterizar a língua, como se diz, mas vai significar alianças estratégicas, concentração de esforços.

Mas é fundamental para fazer a política de internacionalização do português? É muito importante, e sem ele temos sempre uma fragilidade, vista do exterior, que é o facto de termos duas normas ortográficas oficiais. O que não acontece com o espanhol ou o inglês, que têm apenas variantes ortográficas.

O que nos conduziu a isso? Muitas razões, entre quais a dimensão. Espanha: que aconteceu na América do Sul no principio do século XIX para cá? O domínio espanhol fragmentou-se numa série de repúblicas relativamente pequenas, ao passo que a presença colonial portuguesa deu lugar a um grande país. Ainda por cima, as respectivas metrópoles eram assimétricas, Espanha é quatro ou cinco vezes maior que Portugal. Espanha continua a ter um grande ascendente em todos os aspectos, a começar pelo económico, sobre as suas antigas colónias, Portugal não. Mais, Espanha soube ter ao longo dos séculos instrumentos reguladores que funcionam difusamente como instrumentos de política da língua. Já para não falar do mais antigo deles, a Real Academia de Ciências, e dos instrumentos normativos que ela produz, como o dicionário, que é respeitadíssimo entre o mundo que fala espanhol.

As pessoas resistem a reconhecer que no domínio em que se trabalha a língua, a lexicografia, o domínio dos dicionários, o Brasil tem uma história incomparavelmente mais rica do que a nossa. O dicionário da nossa Academia só apareceu há meia dúzia de anos, sendo que o antigo, o do século XVIII, só se publicou um volume e nunca se completou. Era o volume referente à letra A, que terminava na palavra azurrar. Acabou por ser objecto de tantas críticas - dizia-se que o dicionário tinha ficado 'a zurrar', que numa edição seguinte teve de inventar-se uma palavra, azuverte. Em Espanha, existe uma ligação muito estreita entre a Real Academia e as suas congéneres sul-americanas, com muitas acções conjuntas. Isto dá um grande poder unificador ao espanhol, que apenas conhece variantes ortográficas, que estão dicionarizadas. Neste aspecto as nossas fragilidades são grandes e o acordo ortográfico é indispensável do ponto de vista de política de língua, por muitas reservas que se coloquem e eu próprio coloco algumas de ordem técnica.

Uma aliança com Espanha

Defende as alianças estratégicas. Está a pensar em Espanha? Penso sobretudo no domínio universitário, nos departamentos em que se ensina português e espanhol e nas mais valias que se podem retirar de presença conjunta, dada a relativa afinidade dos dois idiomas. Isto é, é possível mostrar aos estrangeiros que quem aprende português, com alguma facilidade aprende também o espanhol e vice-versa. É muito prático. E porque não recorrer a economias de escala, alianças concretas que têm a ver com recursos, espaços, administrativos? E que poderiam permitir aprender alguma coisa do que se faz no Instituto Cervantes.

Porquê? Dou um exemplo. O presidente do patronato do Cervantes são os reis de Espanha e dele faz parte também o primeiro-ministro. Todos os anos, a abertura solene é presidida pelos reis. Onde vemos isto aqui? O Prémio Cervantes tem uma repercussão considerável no mundo da língua espanhola, mas o nosso Prémio Camões só sai no rodapé das televisões e, no Brasil, é praticamente ignorado. Não há uma intervenção simbólica ao nível da mais alta magistratura da nação ou do Governo, que sublinhe a importância agregadora do Prémio, porque é essa a importância que ele tem. É preciso fazer sobre isto um trabalho político consciente, empenhado, com imaginação.

Os falhanços da política

Faltou-nos sempre uma política da língua? Sim, e com continuidade. Há que encontrar almofadas de protecção que protejam as políticas da língua das mudanças de Governo e até de ministro! Para não se começar tudo de princípio de cada vez que muda o Governo. Porque se a política de língua é reconhecida como um desígnio nacional, não pode estar sujeita às oscilações e humores dos ministros.

Mas ainda não é reconhecida como tal... Pode ser dita como tal, mas não há acções concretas que a reconheçam. Há lacunas e falhanços, a começar pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa, no âmbito da CPLP, por boas ou más razões. Estas questões são sempre um pouco melindrosas, mas não sei se não teria sido necessário escolher para sede daquele instituto, com todo o respeito por Cabo Verde, uma visibilidade mais efectiva, uma capacidade de intervenção, e até no plano doutrinário, mais efectiva.

Está a falar de um outro país? Porventura.

Portugal, Brasil? Porventura. É claro que isto tem melindres de outra natureza, mas temos de decidir se queremos fazer uma política da língua a sério, ou não.

A tarefa é de todos

Portugal consegue fazer uma política da língua sozinho? Não, de todo. Se Portugal não trabalhar para trazer para esta causa os outros países, está condenada ao fracasso.

Tirando o Brasil, os outros países estão interessados? Nem o acordo ortográfico foi adoptado por todos... Mas vai ser, há manifestações claras nesse sentido. Isso é outra coisa. Voltemos um pouco atrás, comparando com o caso espanhol, por exemplo. Quando é que se deu a descolonização de Espanha? 1898. No fim do século XIX, a Espanha, bem ou mal, tinha resolvido o seu problema colonial. Nós vivemos uma descolonização tardia e é natural que países como a Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Angola - que esteve em guerra durante mais de 40 anos - só agora comecem a dispor de instrumentos de intervenção no domínio da língua que demoram décadas a construir: universidades, academias, centros de pesquisa, académicos qualificados. É natural que seja assim. Têm outras prioridades e outras limitações, muitas das quais foram deixadas por nós, de resto.

Têm outras prioridades mas, agora, que despertam para o assunto, colocam problemas, nomeadamente quanto às ortografias, não? Há essa questão. Pode dizer-se, de forma redutora, que nós em escrevíamos respeitando mais a etimologia das palavras, enquanto no Brasil se foi derivando para a forma como as palavras são ditas. É evidente que nos países africanos há injunções locais, cenários dialectais e linguísticos muitíssimo complexos, que podem levar a esses problemas de 'singularidades'. Mas eu lembro a opção clara de um grande líder africano, Amílcar Cabral, que fez da língua portuguesa a língua oficial, reconhecendo que, sendo o português a língua do colonizador, não era necessariamente uma língua colonizadora. Era um factor de unificação nacional, como aconteceu no Brasil e acontece em Moçambique e Angola, que sendo países muito grandes e de cenários complexos, o português funciona como língua veicular, permitindo que as pessoas se entendam. Nesses países, o português como língua materna subiu muito nos últimos 20-30 anos. Quando se esperava que ia desaparecer, confirmou-se a tese de Amílcar Cabral.

E quanto à política da língua? Há uma contradição que tem de se saber resolver. Por um lado, diz-se que queremos uma comunidade muito alargada, chamada lusófona (um termo que embirro pela sua excessiva ligação à matriz portuguesa), que seja unificada por um idioma comum, falado por 200 ou 230 milhões de falantes. Mas, por outro lado, queremos valorizar as singularidades locais, a criatividade lexical e a riqueza linguística local. Mas a notícia, boa ou má, é que não podemos ter tudo. Se queremos um universo linguístico sólido, consistente e coeso, que não temos por agora, então temos de reconhecer essa qualidade ao português.

Mas pode haver um problema político com as elites de afirmação nacional... Sim, e levar à paralisia e à fragmentação do português. Se é isso que se quer, muito bem, mas que se saiba o que se está a fazer. E tenhamos a noção que podemos chegar a uma situação tão estranha e contraditória como a que se passa hoje com Espanha. O espanhol é uma língua em expansão em todo o mundo menos na Espanha, porque tem a pressão dos idiomas nacionais. Por enquanto ainda vive bem com isso e viverá certamente, devido à sua larga presença internacional. Mas o português pode permitir-se isso? Os africanos têm a noção muito clara porque há hoje gente politicamente muito preparada nos países de língua oficial portuguesa de que seria muito mau para Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé ou Cabo Verde hostilizarem o português. Eles sabem isso.

É hoje claro que o poder internacional de uma língua tem muito que ver com o lugar que essa língua ocupa nos EUA"

Foram eles que fizeram o grande esforço do ensino do português nos seus países Absolutamente. E fizeram-no porque tiveram essa consciência. O impulso português e o despertar brasileiro

Porque o actual impulso de internacionalizar o português? Sem pruridos de correcção política, porque Portugal apercebeu-se que o Brasil tinha acordado para esta questão. É a minha explicação mais politicamente pragmática. Há outras razões, a beleza e riqueza da língua, as comunidades, o valor económico da língua, mas acho que há uma pressão do lado do Brasil e Portugal apercebeu-se.

A iniciativa brasileira da Universidade é vista com reticências? Infelizmente e por diversas razões, nunca foi possível levar por diante no âmbito das universidades de língua portuguesa uma iniciativa desse natureza, uma universidade internacional de plataforma e consórcio entre grandes universidades. Chamava-se universidade virtual da língua portuguesa, porque funcionaria sobretudo através das tecnologias do ensino à distância. Há mais de 10 anos que se fala nisso, chegou a haver um esboço de projecto feito no Brasil, tivemos uma intervenção, mas nunca houve vontade através de política universitária de fazer isso a sério.

Porque Portugal não se entende com o Brasil para isto? Não sei se é difícil, é preciso olhar para o Brasil como ele é. Uma das coisas que mais prejudica a nossa relação com o Brasil é a persistência de certos estereótipos. Um pouco como se para muitos portugueses o Brasil fosse um país óptimo para passar férias, importar jogadores de futebol e ver escolas de samba e, por outro lado, se ignorasse ou não se quisesse reconhecer coisas como estas: que em qualquer "ranking" de universidades mundiais, a primeira universidade de língua portuguesa que surge é a Universidade de S. Paulo e a segunda é a de Campinas. E a primeira portuguesa que aparece está muito distante destas - era a Universidade Técnica de Lisboa, no "ranking" que consultei. É preciso reconhecer isto sem dramatismos. É uma questão de dimensão. Tal como o é o facto do Brasil fabricar e exportar aviões para os Estados Unidos, ou que é auto-suficiente em matéria de petróleo.

Casos de sucesso: China, Africa, Espanha

O português está em expansão em África e na Ásia? Há na África austral uma procura considerável e não temos tido capacidade de resposta para acudir a toda essa procura. E está também na Ásia, na China, por razões de natureza económica, em particular. Na China e não tanto em Macau, onde está em forte regressão. São zonas muito interessantes, tal como Espanha.

Na China porquê? Razões de carácter instrumental, em grande parte. Os chineses sabem que é importante falar português para fazer bons negócios em África. De resto, também a presença chinesa em África é uma curva ascendente impressionante. Mas o ensino de português na China é feito sobretudo por brasileiros, não temos capacidade de resposta. O que é extraordinário num país em que existem centenas e centenas de professores de português no desemprego.

E para que isso se faça falta o quê? Um acordo com chineses? Meios? Não sei se Portugal tem ou não dinheiro para sustentar professores na China, mas sei que é uma questão de opção política e que, se pomos dinheiro numas coisas, não há para as outras. A realidade é esta: há muitos professores de português no desemprego e não somos capazes de responder à procura. Se calhar, haveria alguns capazes dessa aventura.

E em África o português está em expansão porquê? Pela presença de portugueses que viviam em Angola e sobretudo Moçambique e que derivaram para países da Africa Austral por causa da descolonização. E, em parte, porque o sul da África está enquadrado por dois grandes países de língua portuguesa, Moçambique e Angola. O trabalho que lá se está a fazer a nível de coordenação de português é notável, às vezes em cenários difíceis e mesmo hostis. O que nos foi dito é que maior fosse a nossa oferta, a procura está lá, à nossa espera, na Africa do Sul, na Namíbia. O que me leva a dizer outra coisa: em matéria de politica de língua para o estrangeiro não há só uma, há várias políticas, de acordo com os cenários, presenças, instrumentos que se convocam. A noção de política de língua é abrangente mas tem de ser desmontada, porque é uma na África Austral e outra em Espanha, e outra ainda nos EUA. É preciso ter em conta as contingências de cada cenário e também descentralizar um pouco o Instituto Camões.

Descentralizar o Instituto Camões? Quero dizer que aquilo que tem de se decidir na Africa Austral, não tem necessariamente de vir a Lisboa, por exemplo. É um assunto para se ver com cautelas, mas talvez fosse de pensar em descentralizar um pouco a política de língua, tendo em conta os cenários locais. Não quero dizer criar um Instituto em Nova Iorque e outro em Pequim, mas há que encontrar estruturas de desconcentração que tivessem alguma autonomia para decidir "in loco".

Espanha é outro caso de expansão? Por razões que têm a ver com a presença económica em Portugal. É nítido nas regiões transfronteiriças, onde há uma subida em flecha de alunos espanhóis  a estudar português. Há um refrescamento da imagem de Portugal na Espanha. A presença de Luis Figo é extremamente importante para a refiguração do imaginário de Portugal e produz os seus frutos. É preciso saber tirar partido disso. Se se pensasse em criar mais escolas portuguesas, Madrid deveria ser uma séria candidata. Há portugueses em Espanha que o justificam e há interesse em Espanha numa escola com qualidade. O mesmo se diga de outros dois locais também importantes, política e simbolicamente: Paris e S. Paulo.

O poder americano

E nos EUA, como se dá o salto para que o português 'mude de estatuto' Nos EUA é muito complicado, fez-se um trabalho de diligência politica, gastou-se muito dinheiro em trabalho de lobi, mas não se pode desistir. Depende muito das comunidades, mas às vezes também tem de se desligar o imaginário da língua do das comunidades. Se estas estão muito associadas a uma imigração pobre, não é bom para a difusão da língua e a sua afirmação internacional. O que as comunidades podem fazer é por os seus homens políticos a trabalhar para isso, e já há exemplos nos Estados Unidos. É hoje claro que o poder internacional de uma língua tem muito que ver com o lugar que essa língua ocupa nos EUA. Se ocupa um lugar de destaque lá, é um excelente cartão de visita, senão é mais complicado. O caso extraordinário de sucesso do espanhol deve-se muito a isso, embora não se excluam as razões de imigração mexicana e sul-americana, como é óbvio.

Em que se traduz o valor estratégico de uma língua? Em muitas coisas. Negócios - uma língua e uma cultura podem abrir caminhos à economia, tornar o país conhecido, dar boa imagem, divulgar o que lá se faz e isso é um valor estratégico importante. Uma língua também ajuda a valorizar socialmente as comunidades que vivem no estrangeiro. Se conseguir impor-se na Internet, se produzir software educativo - é por aí que passa relação com o mundo - e já agora, olhando para dentro, se for bem ensinada no próprio país, se os seus cidadãos a falarem bem, se a pronunciarem bem. Não podemos falar apenas no valor estratégico e numa política de língua no estrangeiro, se não tivermos uma boa política da língua em Portugal.

É possível fazer-se essa política sem a cultura? É missão impossível e absurda ensinar uma língua esvaziada de cultura. Portanto, tem de ser encontradas articulações interministeriais. É uma prioridade estratégica dita neste relatório, a concertação de esforços. Retomo uma ideia antiga de criar uma entidade que regesse a política de língua, e que devia ser supra-ministerial, porventura dependente do primeiro-ministro. Valorizaria politicamente a entidade e talvez ajudasse a resolver problemas das fracturas de quem intervém em quê

Quais são as conclusões principais do seu estudo? Primeiro que tudo, há que dar continuidade a uma política de língua. Não se espere que um ministro crie um instituto e nomeie um presidente e daí a três anos dê frutos. Uma década é pouco. Segundo: é preciso ter em conta as boas práticas dos outros países e fazer análise comparativa mais afinada. Terceiro: atenção às condições locais. A política da língua não é única, nem rígida, nem igual para todos e para toda a parte. Quarto: apostar nos recursos humanos, formar professores para ensinar no estrangeiro, que é diferente do ensinar em Portugal - uma banalidade mas por vezes é preciso afirmar o óbvio. Quinto: as alianças, convocar outros esforços e outros países. A acção diplomática é fundamental para mostrar a Moçambique, Angola, Brasil que, no fundo, esta causa comum é de todos e todos beneficiamos dela. E, finalmente, é preciso esperar que a árvore cresça.

Versão integral da entrevista publicada na edição do Expresso de 5 de Julho de 2008, 1.º Caderno, página 20. 

publicado às 22:47

O Acordo Ortográfico

por jpt, em 19.06.08

Sobre o Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa (já mais de 62 000 assinaturas) deixei aqui sobre o meu relativo desconforto ao assinar o documento. E ficou-me algo a remoer. Fica a minha relativa discordância com o texto (que não com as preocupações) mais explícita assim:

 

capavgm.jpg

lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,e crescemos em ti. nem se imaginaque alguma vez uma outra língua possapôr-te incolor, ou inodora, insossa,ser remédio brutal, mera aspirina,ou tirar-nos de vez de alguma fossa,ou dar-nos vida nova e repentina.mas é o teu país que te destroça,o teu próprio país quer-te esquecere a sua condição te contaminae no seu dia a dia te assassina.

...

ruiu a casa que és do nosso sere esse anda por isso desavindoconnosco, no sentir e no entender,mas sem que a desavença nos importenós já falamos nem sequer fingindoque só ruínas vamos repetindo.

...

[Vasco Graça Moura, Uma Carta no Inverno, Quetzal, 1997]

publicado às 09:47

 

manifestodefesalinguapoug5.png

 

Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa, um abaixo-assinado encabeçado por figuras da elite intelectual portuguesa que recusa o Acordo Ortográfico.

1. Assinei. Ainda que leigo concordo com o "politiquês" inapropriado do Acordo (e é sempre aconselhável regressar a este texto de Rui Ramos: preto no branco aí está explícito como este Acordo esconde, sob a capa "multicultural", um espírito imperial). Em meu entender este regresso ao Acordo é o que resta da ideologia "lusófona" socialista, mera ignorância aparelhística - e que hoje, surpreendentemente, revive em alguns belos espíritos (até bloguistas) que confundem vero afecto, paixão mesmo, com homografia.

2. Assinei. Não concordo com o texto (muito provavelmente de - ou também de - Vasco de Graça Moura, primeiro signatário). É lusocentrado, é excessivamente opinativo, dispara em vários sentidos e em muitos deles incorrectamente. É ideologicamente escatológico. Entenda-se, oscila entre a "iluminação" e a irritação. Ou seja, é reaccionário.

Ponto 1: "O uso oral e escrito da língua portuguesa degradou-se a um ponto de aviltamento inaceitável ...". Certo é que se fala de Portugal. Ora, nunca aí tantos frequentaram a escola, e tanto. Nunca tantos não ficaram analfabetos. O gemido fascista (em especial o dos velhos oposicionistas, e tantos agora assinando) de que no tempo do "Liceu Camões do professor Rómulo Carvalho é que era" fede! Entenda-se, nunca o uso oral e escrito da língua portuguesa foi tão elevado (no sentido académico).

Ponto 2: "a desagregação do sistema de educação" é uma falácia. Nada pode ser pior do que o sistema de educação pós-Abril de 74, que conheci em sangue vivo. Apenas, refiro, a tralha elitista e memorialista que antecedeu Abril de 74.

Finalmente, um ponto muito positivo: ponto 4 - "Convém que se estudem regras claras para a integração das palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor [eu diria apenas PALOP ("A" de afro-americano-asiáticos)] e de outras zonas do mundo onde se fala o Português, na grafia da língua portuguesa. (e não haverá já "empréstimos" leste-europeus", processos no português de Portugal?) A transcrição de palavras de outras línguas e a sua eventual adaptação ao português devem fazer-se segundo as normas científicas internacionais (caso do árabe, por exemplo)." Ora aí está - como se pode ser verdadeira e racionalmente multigrafista. Uma lição que a "intelectualidade" lusófona, do irracionalismo multicultural nunca atingiu. Nem pode, presa que está às suas amarras políticas.

publicado às 13:15

Vasco Graça Moura: "Babel e Outras Confusões" explicita o que toscamente tentei argumentar no Leigas Considerações Sobre o Acordo Ortográfico.

Ontem, jantar em casa-própria, algumas das convidadas, sábias, completamente de acordo com Fernando Cristovão: a grafia é mera convenção, posterior à fala, não a influenciando. O bacalhau com couves estava aprazível, não me alonguei na discordância. Esta entre gente da linguística e da literatura vs um mero antropólogo. No assunto têm mais técnica do que eu. Mas dá-me a sensação que não entendem bem o que é a prática (praxis, no calão académico, sempre dado a estrangeirismos), que não entendem bem o que é um processo social, fiando-se no apartar das coisas. Fica, depois dos soberbos doces, esta alfinetada. Ferroada ...

publicado às 09:57


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