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Vergílio Ferreira e o patriotismo

por jpt, em 08.07.11

 

 

Parece escrito para hoje.

 

"Nunca fui muito sensível ao mundo de conotações que o termo de "pátria" envolve. E todavia é invencível reaprendê-lo, nesta hora de "temor e tremor", para usarmos uma expressão de Kierkegaard, ainda que o reaprendamos no silêncio e humildade dos corações. É nos grandes valores, disse alguém, que melhor pode abrigar-se a hipocrisia; é nos grandes valores, direi eu, que melhor pode abrigar-se o ridículo. E um Eça de Queirós, esse ferino detector do ridículo mais subtil, pôde denunciar, a propósito do patriotismo, os que ele classificou com esse espantoso vocábulo de "patriotarrecas".

 

(...)

 

Mas "expurgado de toda a conotação épica e ancestral - escrevi um dia - o conceito que (à Pátria) corresponde não vejo que possa ser outro senão o de uma comunidade ou da integração de um povo naquilo que o constitui e sobretudo o projecta. Ela é assim menos o que é e muito menos o que foi - do que aquilo que a define na responsabilidade do que há-de ser." De qualquer modo, é inexorável reaprender o sentido da continuidade, da permanência, do alto valor quase impensável como o respirar que é a nossa individualidade como um todo, na terra que é o nosso lugar no mundo, na cultura que é nosso modo de ser em elevação, na língua que é o nosso modo de pensar e de ao mundo, ou à distância dele, tornarmos transparente. Será assim incompreensível que se lute, e com justiça, contra a opressão, a exploração, o "paternalismo", e pareça às vezes aceitar-se essa sorte para o País."

 

[Vergílio Ferreira, Discurso nas comemorações do 10 de Junho de 1977, em Camões e a Identidade Nacional, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pp. 14-15]

 

jpt

publicado às 00:13

 

Em 1977 Vergílio Ferreira sobre a "ideologia portuguesa". Espantosa e dolorosamente actual.

 

"Decerto que não é o mando que está no nosso horizonte - e ainda bem; mas não deve estar também a submissão. E se tal submissão é evidente, quando ao nosso destino o detêm mãos alheias, é já menos evidente quando se obscurece a consciência de que o temos, o devemos ter, nas nossas mãos. Porque o não perdemos apenas quando de facto o perdemos, mas ainda quando nos perdemos dele e nele deixamos de nos reencontrar. Não deixa de ser nosso apenas quando ele é já de outrem, mas ainda quando não o reconhecemos para o assumir e continuar. Porque esquecermo-nos de nós é correr o risco de que outros nos encontrem ...  (...) O  mínimo que de nós podemos exigir é assim a sensatez. Parecerá um pouco excessivo, talvez, misturar o nome puro do grande poeta [Camões] à perturbação por que passamos. Porque ela desenvolve-se não apenas ou não bem numa dimensão de idealidade ou de grandeza, mas numa esfera do elementar. É mesmo grave, decerto, ou um pouco despropositado que, esquecidos do elementar, pensemos apenas no que o transcende, que, esquecidos do mais urgente, nos fixemos no que o excede, ainda que a isso julguemos mais importante. É grave assim que a um problema imediatamente económico, nós sobreponhamos um problema de ideologia. Determinados por esquemas ideológicos, enquistados nos termos de uma doutrinação, valorizando acima de tudo a nossa paixão política, ou seja a paixão de nós - porque a política, ou certa política, contra o que possa parecer, é uma paixão solitária - nós recusamo-nos muitas vezes, ou quase sempre, a pensar no que lhe subjaz, nós recusamo-nos a considerar o que a excede, nós recusamo-nos sobretudo a admitir o seu erro, ainda que a realidade a desminta. Como os medievos em face de Aristóteles, se os factos põem em causa a nossa doutrina, tudo podemos admitir, excepto que esteja errada. Porque o que está em causa somos nós. E nós, obviamente, somos exactos como um axioma ..." (15-16)


[Vergílio Ferreira "Da Ausência, Camões" (discurso nas comemorações oficiais do 10 de Junho, 1977), em Camões e a Identidade Nacional, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983]

 

jpt

publicado às 02:30


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