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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Encarnei em Robinson Crusoe pós-moderno e vim refugiar-me numa ilha. Sem Sexta-Feira mas repleta de nativos excêntricos. Cruzamo-nos nos passeios matinais e a conversa vai muito para além do bom dia circunstancial. Dizem-me bem-vinda, indagam de onde venho, querem saber o que podem fazer para me tornar a vida agradável, dão dicas de bom viver na ilha. O traje parece ser o chique desleixado de quem já acumulou a riqueza que precisa “para viver fora do sistema”. Trocam-se receitas vegan, comentam-se os diferentes métodos de fazer “compost”, sugerem-se trilhos interessantes, indicam-se os locais onde despontam novos cogumelos ou bagas silvestres, combinam-se encontros para convívio dos respectivos animais de estimação, revelam-se moradas de novos canis no México com animais para adopção. Sorriem-me com simpática tolerância, sem entenderem a minha confusão; como explicar os sítios de onde venho a quem vive nesta bolha de abundância e bem estar? Sorrio de volta, encantada com tanta novidade, abotoo melhor o meu casaco de cabedal e dou mais uma chupadela no meu cigarro. Coisas que me permitem porque eu, afinal, venho de Melmac... Já disse que estou a adorar estar aqui?
AL(F)
Hoje o nascer do dia foi assim
Eu e uma alforreca
As brumas da Colômbia Britânica
AL
The plane!, the plane! (o meu era o irmão bem mais velho deste aqui)
Um clássico
Cousa málinda!
Amaragem finalmente!
AL
Páscoa na África do Sul. "Deitado abaixo" por uma qualquer maldita gargantite, a pior de que tenho memória adulta. Impediu-me este manso mas magnífico trilho, a do Santuário de Elefantes de Hazyview. Fui apenas cocheiro da princesa e da rainha, e da sua magnífica companhia.
Voltaram entusiasmados. Radiantes. Eu invejando.
Esperei-os durante algumas horas, bebericando chá para combater o frio do Mpumalanga. E no seu entusiasmado regresso lembrei-me daqueles que acham o marfim um recurso, e tantos são eles. Pois nada mais são do que pobres. Não sentem. Não pensam. Não aprenderam.
Pois não os ensinaram. Ou, se calhar, não conseguiram aprender. Pois, insisto na minha crença, a virtude ensina-se. Visitem. Nunca é tarde para isto.
[As fotografias são do sítio do "Santuário"]
Lamento-o agora, descarregadas que estão as fotografias no computador. Estava cansado, mesmo exausto. À saída da aldeia, dessas de povoamento disperso, no recomeço da caminhada, ladeio a igreja (católica) local, de blocos feita, encimada por aquelas terríveis placas de zinco que vão produzindo pequenos infernos por esse país fora. E noto o pormenor, delicioso, nele me detenho e num automatismo exaurido fotografo-o, distraindo-me da máquina, dos seus necessários modos. E sigo, na pressa da longa caminhada pela frente. Por isso ficou-me assim este nada, perdido o enquadramento da pequena, isolada e até rara igreja, deste parapeito com a bíblia aberta, ladeada pela pobre cruz esculpida em madeira nova e o plástico cheio de pilhas. E atrás o túnel de luz até à outra janela, aberta para as machambas, lá dentro as cadeiras onde nos sentáramos um pouco, uma conversa seguida de caracata e galinha, a moela para mim, que já cheguei a essa idade. Falhada a fotografia guardo o momento mas não posso partilhar a impressão causada.
Ainda assim deixo-a, deixo este momento vivido nesta igreja de uma longínqua povoação de Namaponda, Angoche. Para vos chamar a atenção a um inteligente e belíssimo texto sobre a igreja católica, o catolicismo actual e Bento XVI escrito por José Pacheco Pereira, "O Peregrino". Este ateu gostou.
Numa altura em que as minhas leituras relacionam-se sobretudo com um projecto que foca o olhar do sujeito perante a alteridade e onde o processo de representação do 'outro' contempla um olhar sobre 'nós' enquanto entidade nacional, chega-me às mãos este 'Coleccionador de Mundos' de Ilija Trojanow, publicado recentemente pela editora Arkheion.
Trata-se de um romance sobre a vida fascinante de Sir Richard Francis Burton (1821-90), uma das personalidades mais extraordinárias do século XIX. Oficial do Exército britânico, orientalista, viajante, explorador, além de tradutor para o inglês de clássicos como "As Mil e Uma Noites" e o "Kama Sutra", teve uma vida recheada de escândalos e polémicas, mas também de viagens e muitas aventuras.
A história pessoal de Ilija Trojanow cruza-se de alguma forma com a de Burton pois o escritor, nascido em 1965 em Sofia, na Bulgária, fugiu com sua família para a Alemanha em 1971, onde receberam asilo, depois de passarem pela Iugoslávia e pela Itália. Em 1972 viveu no Quênia, em meados dos anos oitenta estudou Direito e Etnologia em Munique, onde fundou duas editoras. Em 1999 mudou-se para Bombaim onde viveu alguns anos e, hoje, vive na Cidade do Cabo, na África do Sul.
Diz a crítica que "O romance é extremamente bem-sucedido e muito mais do que apenas uma coleção de imagens (...). É agradável constatar que no seu Colecionador de Mundos Trojanow nem de longe sucumbe à tentativa sedutoramente próxima de recontar poeticamente e da maneira mais colorida possível o romance da vida de Burton, tão repleto de história. (...) Trojanow calcula muito bem e isola três episódios da vida de seu herói: os anos no subcontinente indiano, a viagem subseqüente a Meca e por fim a expedição às nascentes do Nilo, na África.".
Boas Festas Boas
VA
Já na recta final do périplo semestral pela costa vicentina, falaram-nos de um 'spot' secreto com fundo de rocha e ondas perfeitas. Passo a explicar brevemente que, em fundo de rocha, a onda quebra sempre igual e não está sujeita às oscilações dos fundos de areia, os quais implicam com a sua formação e consequente consistência. Assim, guiada por dois entusiastas e excelsos praticantes da modalidade com quem nos fomos cruzando em várias sessões nas praias vicentinas, a nossa caravana seguiu rumo ao local.
Confesso que o fundo de rocha me coloca algumas reticências e assim optei por não entrar no mar naquela manhã. Dediquei-me a fotografar a paisagem, de bela que se apresentava. Também reconheço que, ao postar esta fotografia, o 'secret channel' - que não era assim tão 'secret', pois enquanto por lá estivemos várias pessoas chegaram e partiram - ficará exposto e reconhecível. No entanto, o acesso ao local continuará a ser de difícil localização.
Das várias fotos que captei, gosto especialmente desta porque o 'rapaz' entrou em campo no preciso momento em que premi o botão. E mais gosto porque a figura humana captada inadvertidamente (vulgo emplastro) não corresponde ao estereótipo do surfista bronzeado, musculado e bem parecido. Tem algo de diáfano, tal como aquele local.
Já sinto uma certa nostalgia do 'Secret Channel'. Um belo lugar que ainda me falta explorar.
VA
Precisamente há uma semana assisti ao concerto de Ryiuchi Sakamoto na Fundação Calouste Gulbenkian. Alguns momentos sublimes, num registo de trio acústico ao lado do (fabuloso) violoncelista brasileiro Jaques Morelenbaum e da (talentosa) violinista canadiana Judy Kang.Sem grande rasgo emotivo para esta fã incondicional do compositor, a função ficou cumprida dado que o músico está perto dos 60 anos e as hipóteses de repetição do que aconteceu com Ali Farka Touré - o último concerto ao vivo foi assistido por mim e mais alguns (poucos) milhares de pessoas, em Lisboa - eram escassas.
No entanto, o troféu de emoções da semana passada vai para os dois documentários do surfista havaiano MacNamara, em sessão única no C.C. Colombo, «The North Canyon Show» e «The Glacier Project». O primeiro apresenta-nos a exploração das ondas da Nazaré por McNamara em 2010, com destaque especial para a investigação do «Canhão da Nazaré», que o norte-americano surfou no mês passado.Já «The Glacier Project» mostra a aventura de McNamara no Alasca a surfar as ondas formadas com o degelo dos glaciares no Verão de 2007.Este último impressionou-me bastante pois o nível de risco é francamente superior, tendo em conta que no primeiro documentário, filmado na Nazaré em 2010, o surfista apenas atingiu os 12 metros de onda. Deixo algumas imagens que, para além de ostentarem a beleza do degelo, apelam a práticas mais contidas neste Inverno que só agora começa a fazer-se sentir.
No Youtube há mil possibilidades de busca sobre este (e outros) projecto(s) alucinante(s) de MacNamara.VA
[Oslo - Folhagem - Outubro 2011]
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade-
a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Em Canção de Outono de Cecília Meireles
AL
Adraga – onde as mãos se abraçam
Quando o Amor Morrer Dentro de Ti
Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.
Ruy Cinatti, in “Obra Poética”
AL
Não sei quanto tempo mais vou ficar aberto. Mandaram-me tirar as madeiras. Expliquei que nas vitrines só tinha latas e produtos secos e embalados. Querem que ponha prateleiras de plástico. Dizem que é melhor para a saúde. Enquanto a inspecção não voltar vou estando aberto. No dia em que vierem outra vez e me mandarem fechar ... Nesse dia então fecho de vez.
[Mercearia portuguesa em vias de extinção]
AL