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Um do Rui Knopfli, para o final

por jpt, em 19.11.15

Ao ma-schamba comecei-o há 12 anos, lá em Moçambique, não por este monopolizado mas sim dele alimentado. Anos depois juntaram-se aqui bons amigos, pela tal amizade mas também por motivos das suas atenções ao país que nos encantara, a cada um de sua maneira. A vida correu-nos e o antes tornou-se distante. E nisso, por assim, o blog foi fenecendo, injustificado até. Terminamo-lo aqui. E se começou com um excerto do grande Rui Duarte de Carvalho ficará bem terminar com um poema de Rui Knopfli, para marcos não se podia pedir mais. Ficam os agradecimentos a quem leu, aturou, gostou e/ou resmungou.

 

Invernal

 

Corre já um arrepio pela crista

de Novembro. A imprevisível surpresa

da luz de inverno é a sua agressiva

doçura horizontal. Toma-se de frio

 

o ombro esquerdo, a moinha persistente

espreitando o coração cansado.

Subo devagar o Mall e a luz

fere-me os olhos frontalmente, filtrada,

 

fina e branca, quase paralela ao solo, 

como em África nunca aconteceria.

Perpendicular, fita-me de frente,

rasante ao chão como se lhe pedisse

 

que, por fim, me receba. Novembro,

agora pressago, Novembro, agora

sobre o ombro esquerdo, baixando,

insidioso, sobre o lado dito fatal.

 

Rui Knopfli.

publicado às 17:10

Um de Reinaldo Ferreira

por jpt, em 19.11.15

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Deixai os doidos governar entre comparsas!

Deixai-os declamar dos seus balcões

Sobre as praças desertas!

Deixai as frases odiosas que eles disserem,

Como morcegos à luz do Sol,

Atónitas baterem de parede em parede,

Até morrerem no ar

Que as não ouviu

Nem percutiu

À distância da multidão que partiu!

Deixai-os gritar pelos salões vazios,

Eles, os portentosos mais que os mares,

Eles, os caudalosos mais que os rios,

O medo de estar sós 

Entre os milhares

De esgares

Reflectidos dos colossais

Cristais

Hilares

Que a sua grandeza lhes sonhou!

 

Não será um grande poema, este o de Reinaldo Ferreira, mas às vezes, muitas, é tão adequeado.

publicado às 10:24

Nós e Paris.

por jpt, em 18.11.15

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Vivo face à entrada principal de um centro comercial (um "xóping" como os lisboetas agora dizem), uma passadeira de peões aligeira a passagem da rua, preciosa pois em bairro muito envelhecido, tantos são os transeuntes já trôpegos. Há poucas semanas ao sair de casa deparei-me com um dos habituais atropelamentos na dita passadeira, então um carro da polícia e alguns populares rodeavam uma sexagenária espojada no chão, uma menina bem pequena magoada mas já sentada no passeio, aguardavam-se as ambulâncias. Afligi-me, claro, mas para logo perceber que felizmente nada de grave ocorrera, um pequeno toque de condutora distraída, ela ali mesmo talvez a mais avassalada dos presentes. Afligi-me, repito, para depois acalmar, mas ficar resmungando da insegurança constante mesmo aqui à frente de casa.

Naquele mesmo dia outros atropelamentos ocorreram, vários veículos motorizados se acidentaram, talvez alguns mortos e feridos aconteceram em Portugal. E com toda a certeza por esse mundo. Não me afligiram. Penso na segurança das infraestruturas rodoviárias, saúdo as melhorias securitárias na indústria automóvel, continuo adverso às motorizadas, julgo sempre necessárias as campanhas de educação (por exemplo deveria ser proibido aos peões atravessar ruas a falar ao telefone). Mas aflição, aflição, solidariedade comovida, e acção imediata se necessária? Acontece-me só quando na proximidade, física ou afectiva. E sei que não estou só nesta metodologia do sentir-pensar, pois condição fundamental, ontológica se se quiser, para o fluir quotidiano.

Desde os atentados de Paris que vou lendo uma série, botada em jactos, de declarações de cidadãos portugueses resmungando que não se devem valorizar nem aqueles atentados nem os mortos ali caídos dado que há outros mortos, outros atentados, mais longínquos, tão ou mais sanguinolentos, e afectando gente com tanta dignidade, tão "choráveis", como os que ali caíram.  Que Paris seja cidade tão simbólica para o nosso ambiente cultural (nem que seja aquilo do Casablanca, já para não falar do "A Cidade e as Serras" e tamanho etc.), que seja (ou tenha sido, já não sei) a segunda cidade com mais portugueses, que vários destes tenham também sofrido os atentados nada lhes interessa.

São esses os "multiculturalistas" sempre atentos na denúncia, apoucamento, do "Ocidente", sempre lestos a quererem-se distanciar de um qualquer "nós" que mesmo difuso existe - pelo menos para os também difusos "outros". A mim cai-me o difuso, ao perceber de novo que as longínquas guerras "nos" caem em "casa", nas cidades do extremo oeste da Eurásia. Que os assassinos vêm de Bruxelas, nela habitam e a ela ameaçam, lá onde vivem minha filha e a sua mãe. Aflige-me, aflijo-me insone.

E acho estupores os falsos relativistas - para exemplo, esses que criticam o filtro criado pelo Facebook para "tricolizar" os perfis porque medida eurocêntrica, dizem, mas que não mudam os perfis que usam para as suas brincalhonas cidadanias para a Weibo chinesa ou para a nova Tsu. Querem-se apenas "elegantes" num falso auto-criticismo civilizacional.

Isto não são apenas os meneios da torpeza imbecil. É o mais abjecto dos racismos contemporâneos, o falso relativismo multiculturalista. Pois é uma gente sempre pronta a defender os particularismos alheios, a valorizar as características particulares alhures, os localismos, culturais ou afectivos, as identidades enraizadas, os centripetismos sociais quando distantes. Mas no "nosso" caso, aos "europeus", aos europeus a oeste dos eslavos mas isso eles não conseguem sequer perceber que lhes é a matriz da invectiva, exige-se o cosmopolitismo, a centrifugação reflexiva. Ou seja, aos "outros" os seus muito dignos localismos/particularismos. E a "nós" o dever do extremo cosmopolitismo. Porque nós, um nós assim mesmo, agora sem aspas, afinal somos, devemos ser, diferentes. É este um racismo abjecto, um racismo para além da cor da pele,  um racismo de hierarquia cultural, de supremacia racional.

publicado às 11:02

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"Instalação artística" [técnica mista: painel propagandístico da era da campanha eleitoral, candeeiro de rua em poste de pedra, carrinho Pingo Doce em metal e plástico; lavatório por estrear em loiça, pano] colocada na minha rua há já bastantes dias. Ou será a oposição de direita, ressabiada como afirma o proto-primeiro-ministro, já em acções provocatórias?

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publicado às 01:19

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Hoje mesmo, ao fim da tarde, na Avenida das Forças Armadas, no ISCTE (Lisboa). 

 

publicado às 09:37

Astérix: o Papiro de César

por jpt, em 11.11.15

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Ainda para mais depois do trôpego último postal, aludindo à wikileaks, impõe-se-me ecoar este "Le Papyrus de César" que há pouco li. Não é a "Foice de Oiro", o "Combate dos Chefes", "O Escudo de Arverne", "Astérix e Cleópatra" e um punhado de outros álbuns dos gloriosos tempos do auge goscinnyano? Não será. Mas também eu não sou o mesmo petiz impressionável, 47 anos depois de "ler" o meu primeiro Astérix, rejubilando em êxtase diante de cada nova aventura. E em assim sendo, com esse desconto, fico muito agradado com este novo exemplar do culto. O argumento de Jean-Yves Ferri é bem construído, com aquele toque de actualidade que fez a série, ecoando subtilmente as aventuras de Assange, o homem da Wikileaks, manipulando com cuidados os traços estruturais do universo asterixiano original - e nisso fugindo ao desbragado "fantástico" com que o Uderzo tardio o poluíra. E o desenho de Didier Conrad é assustadoramente fiel ao original, qual verdadeiro clone do excelente Uderzo (o desenhador, não o argumentista), mantendo-nos confortáveis - Astérix é um culto, não é  para inovar. Confesso que às vezes me parece um bocado artificial (por exemplo a última vinheta da página 8 com um Astérix de expressão algo robótica) mas se calhar isso é exagero meu. É exactamente essa capacidade de criar algo original dentro das balizas de um universo ficcional mais do que estabelecido que saúdo, descrente que sou destas sequelas na banda desenhada póstumas aos criadores. E é por isso que o único verdadeiro senão que encontro nesta aventura  - sim, sou um fundamentalista asterixiano - é o momento em que Panoramix (p. 42) bebe a poção mágica. Que me lembre isso não "faz parte", o druida não bebe, é um dogma (em caso de necessidade é carregado por Obelix). E há valores que é preciso manter, quebra-se um, por pequeno que seja, e derruba-se o dique que protege da anarquia. 

 

Ainda assim, uma bela aventura. A rejuvenescer o velho leitor. E, espero, a encantar os novos.

 

[Eu li a versão francesa, espero que a portuguesa tenha regressado aos nomes originais das personagens, algo que não aconteceu nas últimas publicações, um triste sinal de mediocridade.]

publicado às 05:02

Cahora-Bassa

por jpt, em 10.11.15

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O Diário de Notícias publica hoje uma notícia afirmando graves irregularidades na transacção da barragem de Cahora Bassa, um processo inscrito no acordo de independência de Moçambique e culminado em 2007 (com um episódio final em 2012). A notícia é muito problemática, por duas razões: a) vem daquela coisa do wikileaks, que ecoa informações diplomáticas, e como tal legítimas, americanas que foram roubadas. Ora quem usa produtos roubados, ainda por cima para ganhar dinheiro (vendendo jornais, publicidade, ou crescendo clics) é um receptor, exactamente como os tipos que compram aos ladrões a tralha que eles vão roubando de casas ou automóveis alheios. Assim sendo o diário de notícias passa a receptor, perde aqui as maiúsculas e nem leva o elo para a notícia que lhe cresça os clics; b) as mensagens que são ecoadas são meros telegramas diplomáticos, e nem sequer os verdadeiramente secretos. Em tempos li alguns desses (tive o azar de alguns, particularmente problemáticos, terem sido traduzidos no ma-schamba por um antigo machambeiro) e nunca são prova de nada, são apenas sínteses de conversas, um diz-que-diz dos "mentideros", às vezes só fumo, outras nem isso, outras afogueados, e outras, muito raramente, com brasa. Um pacote de atoardas, na sua maioria. E isto não é uma característica específica da diplomacia americana, como bem se sabe. 

 

Ou seja, num mundo ideal as pessoas virariam a cara para o lado, mudariam de página ou dariam "scroll down" a este tipo de notícias. Mas não vivemos num mundo ideal e as pessoas interessadas na saúde das suas sociedades mergulham, ávidas, neste tipo de informação, também porque sentem um défice democrático, administrações opacas. É por isso que tenho no meu mural de Facebook vários amigos moçambicanos a partilharem esta "notícia" que alude a, repito, graves irregularidades na transacção da propriedade de Cahora-Bassa do estado português para instituições moçambicanas, mediada por consórcios bancários em cujo cerne estava a banca portuguesa, e também a pública.

 

É isso mesmo que me interessa, o fenómeno da recepção pública deste tipo de notícias. A "notícia" sai hoje (porquê?) dia da queda do governo português e simbolicamente do regresso ao poder do partido socialista, esse que estava no poder naquela altura e que tanto interferiu e controlou a banca portuguesa, pública e portuguesa. E no meu mural de Facebook nem um dos milhares de contactos portugueses não-residentes em Moçambique, tantos deles tão eufóricos hoje com o anunciado regresso socialista ao poder, reparou, comentou ou  partilhou, naquela notícia. Porque desprezam a wikileaks? Nada disso, que se "pelam", à direita e à esquerda, para vituperar os americanos ou para "denunciar" reflexamente o que eles aludem. Não partilham, não atentam, porque gostam, se alimentam e orgasmam, com esta gente, e nada que lhes possa fazer perder o aparente brilho lhes apetece .... E aos outros chamam "fascistas"...

 

Adenda: Como quem leu o texto compreenderá eu não leio wikileakadas, acho patético todo o processo. Como tal não li a notícia, vi os cabeçalhos hoje sistematicamente partilhados pelos amigos moçambicanos (e/ou patrícios residentes em Moçambique). Por isso, ainda que surpreendido (como aliás também expresso no texto), julguei que a notícia era de hoje. Leitor atento avisa-me que não, que se trata de uma partilha generalizada de uma notícia antiga. Isto tem um efeito sobre o postal: retira a surpresa pelo facto de hoje não haver eco entre os portugueses (festivos ou não) da notícia. Mas por outro lado recorda uma coisa - a aludida confusão não teve qualquer efeito em termos de auto-reflexão na época. Em termos de imputação aos alheios (a "corrupta África Negra") teve-a em tempos, lembro-o bem. Mas não em termos de questionamento sobre as instituições nacionais. Como tal deixo o texto assim.

 

publicado às 17:07

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Há algumas semanas, antes das eleições portuguesas, escrevi aqui um texto "Prós e Contras (e Paulo Dentinho)" a propósito das críticas dos dirigentes socialistas à informação do canal televisivo público. Nesse texto critiquei, também as declarações de Porfírio Silva, bloguista, universitário, dirigente socialista e leio que apontado como ministeriável no próximo governo.

Porfírio Silva leu agora o texto e reagiu nos comentários do texto, considerando-se por mim caluniado. Como o postal é já antigo e, ainda para mais, como actualmente os comentários deste blog são pouco visíveis e menos visitados, e porque a calúnia é uma coisa mais-que-feia, aqui chamo a atenção aos interessados (idealmente: todos os que leram o texto) para a sua reclamação e, também, para a minha argumentação. São acessíveis nesta ligação.

publicado às 15:27

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Tudo (toda a imprensa) o indica, esta será a primeira semana do novo governo português, o regresso do PS ao palácio de São Bento, um governo minoritário com o apoio do BE, do PCP e daquela coisa "os verdes". Muitas tarefas terá o governo, com toda a certeza. Uma atenção sobre aquela vertente "eucaliptos" seria interessante - seria bom neste caso que houvesse um partido ecologista no bloco do poder ou influenciando-o. 

 

Mas estou certo que haverá uma linha de actuação (reclamação) no seio deste novo conglomerado (pro)governativo. Creio que a rapaziada e raparigada universitária e seus afins, conjugada no BE, avançará para uma necessária "causa fracturante". Por entusiasmo; como forma de congregação da fluída coligação; e devido à desideologização da "classe média" europeia (em particular se lisboeta). Por isso presumo que nestas sete colinas e seus subúrbios já estejam alguns trabalhadores intelectuais de estirpe marxófila a preparem a liberalização do consumo do cânhamo com THC ilimitado e mesmo do seu comércio, uma causa fracturante simpática e alegre. Não para avançar este 2016, que isto ainda está muito arisco, mas decerto lá para o ano seguinte.

 

Torço o nariz, e não por razões morais. Pois tenho outra causa fracturante para esta legislatura, em que o BE pode reclamar moedas de troca. É uma causa egoísta, tenho consciência de que o meu tempo se escoa, tende abruptamente para o final. Mas é também uma causa social, sei que não estou sozinho nesta deriva. Como tal considero que para "causa fracturante" actual, para congregar as tropas, para militar, o fundamental será lançar uma legislação abrangente, progressista, da eutanásia. É certo que os mortos não votam e os familiares enlutados tendem para a amnésia. Mas seria um passo no desenvolvimento cultural do país. E, falando por mim, se a legislarem juro que fumarei uns charros em público para apoiar a campanha seguinte, a tal do cannabis. Se ainda cá andar ....

publicado às 15:02

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Tudo (toda a imprensa) o indica, esta será a primeira semana do novo governo português, o regresso do PS ao poder, em modalidade de governo minoritário. Daí este meu segundo lugar, coisa que poderia interessar. Há alguns dias o nosso presidente teve uma intervenção canhestra, pois enquanto adiantou que havia partidos ingovernamentais foi apelando à rebelião no PS, um tratado de impolítica - deveria ser óbvio que isso apenas implicaria a congregação das tropas alheias. Mas a presidencial alocução teve um efeito entre vários amigos meus (falo dos reais): levou-os a botar por todo o lado, em modalidades de viva-voz, texto, imagens, auto-produções ou partilhas, veementes críticas ao presidente por considerar este que havia partidos democraticamente sufragados sem direitos à participação do governo (o BE, o PCP, e até aquilo dos "Verdes"), como se isso fosse uma menorização inaceitável, mesmo uma infantilização. Muito bem, muito democráticas as reacções.

 

Agora está aí à vista o novo governo. Já disse que não espero nada de escatológico, será coisa para nós normal, para além de perfeitamente legítima. Só me intriga uma coisa. Será um governo minoritário, só com o PS, proposto para uma difícil legislatura. Um suporte minoritário algo mais frágil do que os anteriores minoritários, dado que o PS foi apenas o segundo partido mais votado. E os partidos que o apoiarão no parlamento não entram no governo. Perfeitamente legítimo, nada a obstar. O que me intriga são os tais meus amigos (falo dos reais). É que esta é uma coisa que lhes poderia interessar. É que não os vejo a botarem falas, textos, imagens, auto-produções ou partilhas, criticando o facto dos tais partidos não irem para o governo. 4 anos de um governo do segundo partido mais votado? Sem que os apoiantes estejam também no governo? Não é isto uma menorização inaceitável, mesmo uma infantilização? 

 

Ou seja, têm cabimento num parlamento mas não no governo. Afinal, teve Cavaco Silva razão? Pelo que concluo da actual desazáfama dos meus amigos (falo dos reais) teve-a. Mesmo que daquela forma canhestra, como nele sempre foi habitual.

publicado às 14:46

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Tudo (toda a imprensa) o indica, esta será a primeira semana do novo governo português, o regresso do PS ao palácio de São Bento, sob a liderança do seu secretário-geral António Costa. Em primeiro lugar aquilo que verdadeiramente interessa: o futuro primeiro-ministro é por via paterna descendente de famílias moçambicanas [avô paterno da comunidade goesa católica, de ascendência brâmane; avó paterna da conhecida família Frechaut, ramo de franceses índicos estabelecidos no país durante XIX] e espero que isso venha a influenciar, no respeito pelos interesses de ambos os países, um ainda maior reforço das boas relações, um pequeno tempero, se me é permitido o sorriso, na interacção.

 

Em segundo lugar aquilo que também interessa: por mais que eu trema de ira com isto do PS voltar ao poder (como é possível?, meu Deus!, clama este ateu ...), por mais que eu esteja crente que o PS de António Costa é mais do PS de José Sócrates, tenho que saudar esta coisa no meu país, isto de uma campanha renhidíssima e de uma pós-campanha mais-do-que-problemática não ter provocado as aleivosias racialistas ou mesmo racistas adversas a Costa que se poderiam temer, oriundas de sectores mais ultramontanos mas difusamente apreendidas (na prática até foi no PS que isso mais se notou). Não se trata de um "obamismo" (ainda que eu já me tenha rido com um apenas-jocoso "Obama baneane" que um amigo, moçambicano já agora, botou em jantar) que a situação sociológica é completamente diferente. Mas é um excelente sinal sobre o Portugal actual que as ligeiras matizes fenotípicas não sirvam para poluir o ambiente. É certo que alguns poderão clamar que há racismo no país e que neste caso a extrema homologia sociológica se sobrepõe a tudo o resto. Seja, mas ainda assim sob este prisma o ambiente desta ascensão de António Costa é um sinal muito saudável da sociedade portuguesa.

publicado às 13:58

Morreu Pancho Miranda Guedes

por jpt, em 07.11.15

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 ["Templo decadente", escultura em madeira, 1968]

 

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[Casa do Dragão, fotografia de Mike & Minette Bell]

 

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[Restaurante Zambi, fotografia de  Mike & Minette Bell]

 

Morreu hoje Pancho Miranda Guedes. Forma de homenagem ao até mítico "arquitecto de Lourenço Marques", do pigmalião de Malangatana? Ler este profundo texto de Alexandre Pomar. Acompanhando-o com este filme.

 

 

A Procura De Pancho from ArchitectureZA on Vimeo.

 

E depois?

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Quem estiver em Maputo trata-se de retirar da estante este guia "112 Edifícios de Pancho Guedes em Maputo. Lista e Localização", um roteiro então produzido e oferecido pelo consulado-geral de Portugal, aquando da sua condução pela mais do que estimável diplomata Graça Gonçalves Pereira - que, na prática, foi também sua pesquisadora e autora -, que contém mapa e identificação nominal, com respectivo endereço, da obra do arquitecto nesta cidade.

 

Entretanto? Ao longo dos anos coloquei no blog alguns postais sobre o arquitecto. Nele incluí várias ligações a sítios a ele dedicados - infelizmente na sua esmagadora maioria estão descontinuados. Espero que rapidamente sejam substituídos por arquivos digitais de livre acesso - será a maior homenagem ao grande arquitecto. E não seria mal pensado que o Conselho Municipal de Maputo congregasse as faculdades de arquitectura do país e organizasse uma bela homenagem, forma de pensar inspiradamente uma arquitectura em Moçambique.

 

E transcrevo um postal que coloqui há cinco anos, por ocasião de uma visita do arquitecto a Moçambique, citando um excerto da entrevista que concedeu ao importante investigador Uli Beier:

 

 

 [Pancho Guedes. Vitruvius Mozambicanus, Museu Colecção Berardo, 2009]

 

"Ulli Beier: Quantos edifícios construíu em Lourenço MarquesPancho Guedes: Não sei, ainda estou a organizar o meu arquivo. Parece que há trezentos ou quatrocentos edifícios em Moçambique. (...) mas ao todo desenhei mais de seiscentos, talvez setecentos edifícios." (23-24) Olhá-lo não deverá ser num sentido museológico, conservacionista que seja, e ele próprio sabe-o: "A maior parte das minhas obras está agora morta ou ferida, vítima de acidentes e revoluções." (31). Pelo contrário olhar a sua obra é, para arquitectos porventura mas com toda a certeza para cidadãos, uma aprendizagem das exigências, do que é a exigência de quem vive, agora que, e não só em Maputo, "Em toda a parte as cidades estão a perder as suas personalidades e começam a parecer-se umas com as outras, quase como os aeroportos. Não é através de regras, dogmas, ditames, piruetas ou assassinatos que a cidade será devolvida aos seus cidadãos. Só através do poder da imaginação a cidade se tornará maravilhosa." (75) Uma imaginação que terá que ser um questionamento: o do grão-edifício padronizado - cuja inevitabilidade/obrigatoriedade a sociedade urbana moçambicana parece aceitar sem angústia e, até, com orgulho, altaneira e com indiferença diante de "edifícios propositadamente estranhos, que têm a qualidade das aparições. Há algo de extraordinários neles, são desiquilibrados ..." (20); o da planeamento "racionalista" - "Quando voltei a Lourenço Marques em 1950 (...) a câmara tinha imposto um plano à cidade propriamente dita, através do qual, à autoritária maneira pombalina tentava determinar a título definitivo o que poderia vir a ser construído em cada local. Felizmente, Fernando Mesquita, um conselheiro municipal iluminado, desenvolveu algumas alternativas dissidentes das quais beneficiei..." (75); e o da arrogância sociológica - "... os urbanistas seguintes ... foram, na sua maioria, indiferentes ao que se passava no caniço." (75).

 

Ler (e ver) Miranda Guedes é aprender também a como a tal "cidade maravilhosa" imaginada na prática se faz não na manutenção de uma qualquer "identidade" pré-determinada, em purismos sempre legitimados pelo sufixo "idade". Sabê-la como produzida, imaginada na mistura, arrojada mas nunca auto-complacente, de referências. A tal imaginação, o tal arrojo, não como um acantonamento, sim como uma viagem: "Ulli Beier: E quando começou a fazer o tipo de edifícios a que chama Stiloguedes? Pancho Guedes: Logo no início. (...) Ulli Beier: Quando desenha edifícios que têm esses elementos estranhos, como chega até eles? (...) A imagem surge primeiro, então? Pancho Guedes: A imagem - não sei de onde vem. Neste caso em particular, chamei-lhes dedos, picos. Será uma reinterpretação de um edifício que sempre teve importância para mim? É uma casa em Lisboa, a Casa dos Bicos, que picos piramidais em toda a fachada e arcos góticos. Quase toda a superfície da parede tem estas pirâmidade salientes, em ângulos rectos. Lembro-me desta casa de quando era pequeno, e vou vê-la sempre que volto a Portugal." (20-21-22). Enfim, conjugar para além do óbvio. Do grande. E do "cimento". E é nisso que radica a "ident - idade".

 

Deixo as imagens. Para um "quem diria?!" que venha a ser "dizer que".

 

["A Ribeira Velha antes de 1755", a Casa dos Bicos é o segundo edifício desde a esquerda, com a forma aproximada da actual]

 

["Fachada da rua dos Bacalhoeiros, primeira metade do séc. XX"]

 

 

 

 

publicado às 18:33

Visão História

por jpt, em 07.11.15

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Precioso exemplar esta última publicação da revista "Visão História", dedicada à história do império português em África ("origens e construção"). Competência em "aplicação" de inteligência, um tom nem celebratório nem auto-punitivo, um registo com a densidade necessária e sem ponta da rigidez académica, uma capacidade de abrangência notável, isto de em 98 páginas percorrer das influências no Kongo e a colonização de Cabo Verde desde fins de XV até aos meados de XX com a figura de Norton de Matos incluindo uma até vasta e deliciosa iconografia (gravuras e fotografias). Um punhado de artigos interessantíssimos, realço os do grande historiador Valentim Alexandre, sobre a construção do novo império após a independência do Brasil, do antropólogo Frederico Delgado Rosa sobre as "expedições científicas" de XIX, de Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro sobre a história de apropriação do trabalho africano, da escravatura ao trabalho forçado, e mais sobre Moçambique o texto de Luís Almeida Martins (que assina vários artigos) sobre Gungunhanha e um outro sobre Marracuene, entre vários. Revista 5 estrelas!!!

 

E se se pensar que o seu custo equivale a 8 cafés (ou a 20-23 cigarros, consoante a marca), então torna-se obrigatório ir ao quiosque comprá-la.

 

 

publicado às 07:48

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Na semana passada decorreu aqui em Lisboa uma sessão comemorativa dos 40 anos de independência de Moçambique, a qual correu muito bem, várias intervenções muito interessantes. Foi na Faculdade de Letras, uma organização de Ana Paula Tavares e Fátima Mendonça, que tiveram a amabilidade de me convidar para falar. Integrei um painel com Sheila Khan, Delmar Gonçalves e Genitho Santana, dedicado às diásporas entre os países, os dois primeiros falaram de uma moçambicanidade constitutiva radicada (também) em Portugal e Santana sobre o actual processo migratório português para Moçambique. Eu estive na condição de velho, pois fora-me solicitado um depoimento como português residente de longa duração no país, e assim falei sobre a minha vida em Moçambique, algo que entendo como não diaspórico. Para isso li um texto, uma espécie de modesta fundamentação de uma intransumância identitária, atitude que penso obrigatória num antropólogo, agregada a um breve posicionamento político.

 

Quem tenha interesse em ler encontra-o clicando aqui: Depoimento nos 40 anos de independência de Moçambique.

publicado às 07:42

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Com curadoria de Alexandre Pomar [que aqui (no ponto 2. do texto) deixou uma detalhada apresentação da exposição] esta exposição apresenta 70 fotografias de 4 fotógrafos em Moçambique, de certa forma representando quatro gerações de lentes no país: Moira Forjaz, para sempre ligada às suas fotos realizadas na Ilha de Moçambique no final dos anos 1970s; José Cabral, o mais novo do "sagrado triunvirato", com Kok e Rangel; Luís Basto, o homem que emigrou a fotografia moçambicana para as novas expressões plásticas; e Filipe Branquinho, aqui o mais novo, e animador do actual tripé, com Mauro Pinto e Mário Macilau, que baseia o crescente cosmopolitismo da mais animada expressão plástica do país.

 

Para além disso a exposição inclui uma mostra de livros e catálogos e o belo filme sobre Ricardo Rangel, "Sem Flash" realizado por Bruno Z'graggen.

 

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A exposição abriu no sábado passado e estará disponível até ao próximo dia 28 de Novembro na Galeria Municipal de Arte. O cuidadoso curador deixa-nos inclusivamente o mapa para lá chegar e anuncia que "Acesso fácil, também de barco e metro (Cacilhas > paragem Almada. 0,85€)", com isto significando que os residentes do lado norte do rio Tejo não têm desculpa para não visitarem.

 

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publicado às 11:57


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