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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Arredada deste espaço há algum tempo, gostava de partilhar convosco um projecto que me está a dar enorme prazer.
Não, não me dediquei à fotografia pois seria impossível colocar-me em pé de igualdade com os nossos exelsos confrades MVF e PSB. Tão pouco vos quero distrair do acto eleitoral que, dizem, será decisivo para o futuro (?) do país.
Assim, meio acanhada mas incentivada pelo colectivo, apresento-vos o "Projecto Sal e Filhos" , o qual realizará a captação fotográfica de gerações de surfistas - pais e filhos - na Costa da Caparica e efectivará um pequeno historial do surf nesta localidade.
Porque a história se faz a partir das práticas dos indivíduos, porque uma certa forma de estar/ser antes partilhada por um pequeno grupo de 'loucos' tornou-se num desejo de actividade já massificada. E finalmente, porque a segunda geração de surfistas, filhos daqueles que, em Portugal e pioneiramente, se iniciaram nesta coisa das ondas nos anos 80 do séc. XX, está ai a usufruir dessa imensidão de beleza que é o oceano.
Como dizem os havaianos: Aloha!
VA
Eduardo Hughes Galeano nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1940. Faleceu hoje. A notícia saiu há pouco mais de meia hora.
Galeano é o autor de mais de quarenta livros, traduzidos em diversos idiomas.
A sua carreira iniciou-se no jornalismo mas a sua obra é transversal aos diversos géneros literários como o ensaio, a poesia, a narrativa, a análise política e a História.
"As veias abertas da América Latina", romance histórico onde denunciou a opressão e a amargura do continente sul americano numa perspectiva politico-económica, será concerteza a sua obra mais conhecida.
Aqui deixo uma frase que dizem ser sua. Para mim, resume a sua personalidade e o seu carisma.
'Na parede de um botequim de Madrid, um cartaz avisa: “Proibido cantar”. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: “É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem”. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.'
VA
Ainda a propósito dos últimos acontecimentos e após a confusão e falta de discernimento que se generalizou nas redes sociais, deixo-vos a reflexão sobre o atentado à revista Charlie Hebdo por parte do filósofo, teórico crítico e cientista social Slavoj Zizek.
Para quem não está familiarizado com este pensador, Slavoj Žižek é pesquisador do Instituto de Sociologia, na Universidade de Liubliania, Eslovênia, e professor-visitante em diversas universidades americanas, Columbia, Princeton, New School for Social Research, New York University, University of Michigan.
O seu trabalho é considerado como vibrante, cheio de humor, deixando de lado diferenças entre formas altas e baixas de cultura e o seu carisma conferiu-lhe o estatuto de 'superstar' no mundo da teoria contemporânea.
Slavoj Žižek tornou-se amplamente reconhecido como teórico contemporâneo a partir da publicação de 'O Sublime Objeto da Ideologia', seu primeiro livro escrito em inglês, em 1989. As suas reflexões não podem ser facilmente categorizadas e nelas encontramos um retorno ao sujeito cartesiano e à ideologia alemã, especialmente aos trabalhos de Hegel, Kant e Schelling.
Resta também salientar que Slavoj Žižek é ateu e a sua produção crítica não encaixa nas análises teóricas tradicionais. Ao ressalvar que para entender a política de hoje precisamos de uma noção diferente de ideologia, frequentemente costuma ser 'politicamente incorreto' e causar diversas polêmicas em vários círculos intelectuais.
VA
Precisamente há um mês, devia ter (r)estreado no Centro Cultural da Malaposta a peça de teatro "O Matadouro Invisível" de Karin Serres, uma produção própria que comemorava os 25 anos daquele espaço.
Mas, inesperadamente, a reposição foi cancelada. O aviso oficial só nos chegou, aos actores, no dia em que a peça devia ter subido à cena.
O link em baixo resume os acontecimentos de forma fidedigna. Quanto às políticas culturais da Câmara Municipal de Odivelas só resta denunciar "rua a rua, prédio a prédio, flete a flete".
VA
Assinalando o 40º aniversário da Revolução que pôs fim ao Estado Novo e abriu caminho à instauração do regime democrático em Portugal, o Teatro Nacional D. Maria II tem sido palco do congresso 'A Revolução de Abril', o qual explora as condições e circunstâncias em que um golpe militar se transformou numa Revolução, e as transformações que Portugal conheceu entre Abril de 1974 e a aprovação da Constituição em 1976.
"Discute-se, a partir da categoria conceptual «revolução», o significado de vários acontecimentos, de protagonismos de actores sociais e políticos diversos, de ideias que marcaram várias dinâmicas do País naquele tempo, contemplando-se aspectos políticos, militares, legais, diplomáticos, económicos, sociais, religiosos e culturais. Examina-se também como a Revolução de Abril se inscreveu na memória coletiva dos portugueses e que representações tem merecido nas artes e na comunicação social.
Pretende-se levar ao conhecimento do público interessado as reflexões de personalidades de referência pela sua participação e análise do período da Revolução em combinação com os resultados interpretativos que se têm produzido nos últimos anos, na Universidade, sobre a evolução de Portugal, em 1974-1975, num incentivo à reflexão crítica sobre a nossa contemporaneidade."
Amanhã, dia 24 de Abril, as sessões terão em conta 'A Comunicação Social na Revolução' , 'Revolução e Religiões' e 'Autonomias e Poder local'.
De salientar as sessões dos passados dias 22 e 23 de Abril onde temas como 'Revolução e Violência', 'Descolonização e Relações Externas', 'Cultura, Educação e Ciência' e 'Estado e Grupos de Interesse' foram abordados de forma pertinente e eficaz.
25 de ABRIL SEMPRE!
VA
Acordo com o som de uma mensagem a entrar no telemóvel pelas 6h45 do dia 7 de Abril de 2010.
O dia já amanheceu, o ar está húmido, quente, o céu nublado. Prevê-se que a forte chuvada da noite anterior continue a fazer-se sentir em Maputo.
Hoje comemora-se o Dia da Mulher Moçambicana e a mensagem no meu telemóvel diz que tenho de estar pronta às 8h00 para ser transportada para a Cadeia Feminina de Ndlavela, situada nos arredores da cidade.
Devolvo a mensagem e combino o transporte. Avisam-me que vai ser uma aventura uma vez que as chuvas da noite anterior inundaram as estradas de terra batida que dão acesso ao estabelecimento prisional, que não sabem se vamos conseguir passar sem um todo-o-terreno e que H. me irá buscar à porta de casa.
Às 8h03 H. está à minha espera juntamente com A. Não os conheço, mas a conversa flui divertida e sem formalismos. Antes de entrar na EN2 rumo à Matola, passamos pelo bairro de Mafalala, pelo mercado de Xipamanine e paramos junto a uma zona fabril, onde um veículo protocolar se junta à nossa pequena comitiva.
Seguimos para ao bairro de Ndlavela, no município da Matola. A viagem assemelhou-se à 'travessia do Rio Zambeze‘ e ainda hoje não consigo compreender como é que o automóvel onde me encontrava conseguiu passar as poças com três metros de diâmetro e meio metro de profundidade que circundavam a única estrada de possível acesso à cadeia. Observei a construção das casas em tijolo de cimento delimitadas por organizadas sebes de caniço, as pessoas que circulavam por todo o lado, as 'barracas de caniço' que abriam as portas aos primeiros clientes, os caminhos impraticáveis, os risos e os olhares incrédulos perante a nossa passagem. De repente, no meio do bairro, abriram-se os enormes portões da Cadeia Feminina de Ndlavela.
Depois de algumas formalidades de entrada, dirigimo-nos ao recinto onde iriam decorrer as comemorações. Lucrécia Paco encontrava-se a ultimar a montagem do espaço cénico onde iria decorrer o espectáculo e dava indicações aos técnicos municipais contratados para o efeito. De imediato agradeci-lhe o facto de ter conseguido transporte para que fosse possível assistir ao seu espectáculo em dia tão especial.
'Mulher Asfalto' estava a algumas horas de se apresentar às reclusas da cadeia de Ndlavela no Dia da Mulher Moçambicana. Preparámo-nos para ouvir os discursos oficiais sobre a efeméride e assistir a um jogo de futebol feminino.
Distraída com os gritos de incentivo das claques, constituídas maioritariamente por familiares e funcionários, lembro-me de ter pensado nos fundamentos ideológicos que levaram a nação moçambicana pós-independência a consagrar um dia feriado à mulher moçambicana. A ocasião comemora também o dia da morte de Josina Machel que, no final dos anos 1960, se juntou à luta armada da FRELIMO pela independência de Moçambique.
Se o discurso oficial do governo moçambicano vai no sentido de se pensar paritariamente o lugar da mulher na sociedade moçambicana, por outro lado, essa paridade não é sentida na vivência quotidiana.
São justamente as sistemáticas situações de exclusão, nomeadamente pelo género, que os agentes culturais consideram importante denunciar.
'Mulher Asfalto' com encenação e interpretação de Lucrécia Paco é a perfeita ilustração dessa atitude.
(excerto da tese 'Moçambique em Cena: Nação, Género e Modenidade no Teatro (Maputo 1992-2010)" de Vera Azevedo; foto da actriz Lucrécia Paco no espectáculo "Mulher Asfalto" versão de 2014)
VA
Mão amiga faz-me chegar este nomeadíssimo 'O Espinho Da Rosa' que marcará presença em 7 Festivais Internacionais de Cinema.
'O Espinho da Rosa' é um filme produzido entre Portugal e Guiné Bissau e conta a história de David Lunga, um advogado de sucesso, satisfeito com o rumo que a sua carreira está a tomar. Porém, não esperava que a resolução desse caso passasse por desvendar os terríveis segredos da bela mas misteriosa rapariga por quem irremediavelmente se apaixona.
Confesso uma curiosidade extrema. Júlio Mesquita é um actor português com quem tive o prazer de me cruzar e atrevo-me a assegurar que não decepcionará o público.
Estreia no dia 4 de abril, pelas 22h, na sala Manoel Oliveira do Cinema São Jorge.
VA
A mensagem do Dia Mundial do Teatro 2014 agrada-me em particular. O seu autor é um provocador artista sul-africano que questiona as relações de poder que orientam o mundo pós-colonial, numa perspectiva que cruza a história e o presente.
Srs. e Sras. eis a mensagem de Brett Bailey para amanhã (e sempre, atrever-me-ia) dia 27 de MARÇO, DIA MUNDIAL DO TEATRO:
"Desde que existe sociedade humana, existe o irreprimível espírito da representação.
Debaixo das árvores, nas pequenas cidades e sobre os palcos sofisticados das grandes metrópoles, nas entradas das escolas, nos campos, nos templos; nos bairros pobres, nas praças públicas, nos centros comunitários, nas caves do centro das cidades, as pessoas reúnem-se para comungar da efeméride do mundo teatral que criámos para expressar a nossa complexidade humana, a nossa diversidade, a nossa vulnerabilidade, em carne, em respiração e em voz.
Reunimo-nos para chorar e para recordar; para rir e para comtemplar; para ouvir e aprender, para afirmar e para imaginar. Para admirar a destreza técnica, e para encarnar deuses. Para recuperar o folego coletivo, na nossa capacidade para a beleza, a compaixão e a monstruosidade. Vive??mos pela energia e pelo poder. Para celebrar a riqueza das várias culturas e para afastar as fronteiras que nos dividem.
Desde que existe sociedade humana, existe o irreprimível espírito da representação.
Nascido na comunidade, veste as máscaras e os trajes das mais variadas tradições. Aproveita as nossas línguas, os ritmos e os gestos, e cria espaços no meio de nós. E nós, artistas que trabalhamos o espírito antigo, sentimo-nos compelidos a canalizá-lo pelos nossos corações, pelas nossas ideias e pelos nossos corpos para revelar as nossas realidades em toda a sua concretude e brilhante mistério.
Mas, nesta ERA em que tantos milhões lutam para sobreviver, está-se a sofrer com regimes opressivos e capitalismos predadores, fugindo de conflitos e dificuldades, com a nossa privacidade invadida pelos serviços secretos e as nossas palavras censuradas por governos intrusivos; com as florestas a ser aniquiladas, as espécies exterminadas e os oceanos envenenados.
O que é que nos sentimos obrigados a revelar?
Neste mundo de poder desigual, no qual várias hegemonias tentam convencer-nos que uma nação, uma raça, um género, uma preferência sexual, uma religião, uma ideologia, um quadro cultural é superior a todos os outros, será isto realmente defensável? Devemos insistir que as artes sejam banidas das agendas sociais?
Estaremos nós, os artistas do palco, em conformidade com as exigências dos mercados higienizados ou será que têm medo do poder que temos para limpar um espaço nos corações e no espirito da sociedade, reunir pessoas, para inspirar, encantar e informar, e para criar um mundo de esperança e de colaboração sincera?"
Tradução: Margarida Saraiva; revisão EV; Escola Superior de Teatro e Cinema
Foto retirada da performance 'Exhibit B', produzida pela companhia dirigida por Brett Bailey, a 'Third World Bunfight'.
Ver a página da Third World Bunfight aqui.
VA
Quando era pequena, lembro-me de lhe escrever pequenos postais realizados na escola para assinalar o dia. Nos tempos de adolescência, presentava-o com objectos que sabia serem do seu agrado.
Mais tarde, deixei-me disso e dava-lhe beijos. Nos últimos anos, homenageio-o através deste espaço.
Agradeço-lhe sempre a sensibilidade, a justeza, a veia artística. O facto de colocar-me em contacto com o teatro desde tenra idade. As horas e os dias passados à volta da aparelhagem 'profissional' que mais ninguém possuía. As músicas, o Sinatra e o ter-me ‘apresentado’ os Joy Division quando poderia e/ou deveria ter sido ao contrário.
E a paixão pela fotografia.
Essa paixão que o levou a montar um laboratório amador para fotografia a preto e branco no sótão dos meus avós e onde eu me extasiava a observar as fotos que apareciam depois do papel ter sido mergulhado nos líquidos reveladores.
Hoje, em jeito de homenagem, partilho convosco algumas experiências que ele fez nesse âmbito. Apesar de ser Dia do Pai não o consigo dissociar de minha mãe, tal é o modo como se amam e se respeitam. Bem hajas, PAPI!
VA
Durante 716 horas, Marina Abramovic sentou-se numa pequena mesa, no átrio do MoMA e, sem reagir ou falar, fixou os visitantes que eram convidados a sentarem-se à sua frente.
A performance fez parte da retrospectiva sobre a artista que abarcou os 40 anos de performances, fotografias, instalações e vídeos concebidos por Marina Abramovic.
Para vivenciar a experiência e partilhar o espaço com a artista de origem sérvia, milhares de pessoas enfrentaram horas em longas filas de espera, chegando mesmo a pernoitar em frente ao museu. Uma vez em frente a Marina Abramovic, os visitantes não podiam comunicar com a artista mas o tempo que estavam sentados dependia apenas da sua vontade.
Até que Ulay, seu ex-companheiro, apareceu no evento sem avisar. Este foi o primeiro encontro entre os dois desde a sua separação, em 1988.
VA
Um dia fui a correr para Algeciras atrás do verão. Um dia entrei numa 'taverna' onde sabia que, por vezes, ele aparecia para queimar as restantes horas da noite até à madrugada. Um dia vi-o ao vivo em concerto. Houve muitos dias em que desejei ser espanhola.
Ay ay gitano gitano te quiero!
Paco de Lucia.
VA
"Levantamos com minúcia o véu que a cobre e desvendamos uma mulher que se encontra em perfeito estado de conservação, apesar de morto há mais de duzentos anos. Os braços e as pernas imaculados, as unhas arranjadas, brancas, impecáveis. Aproximo-me e pressiono as suas bochechas. A carne move-se tal como a de uma pessoa viva, perdendo a cor quando lhe toco para logo recuperar o tom rosáceo da pele. As pálpebras abrem e fecham, e os olhos, quando abertos, mantêm o brilho da água que os refresca e que os irriga quando ainda vêem, a boca exibe os lábios rosados e húmidos, o nariz regressa ao lugar após o toque. As articulações das mãos e dos pés, ainda flexíveis."
Patrícia Portela
No Sábado passado fui ver “Fausta”, um espetáculo que nasceu de um desafio lançado pelos atores Pedro Gil e Tonan Quito à escritora Patrícia Portela e que tem como ponto de partida o seu mais recente romance "O Banquete", editado pela Caminho.
A partir de uma seleção do livro, pretende-se reescrever a história de uma Fausta e das suas trocas diárias de almas. O público reúne-se para ouvir uma mulher que narra a sua vida depois de morta na voz de dois homens. "Para desvendar todos os segredos, precisamos de reunir a história toda, as histórias todas… deste corpo que comporta muitos tempos." Esta é a autópsia de uma narrativa póstuma à procura de um todo impossível.
Gostei. A direcção artística e a interpretação de Pedro Gil e Tonan Quito e o espaço sonoro de Pedro Costa conseguiram passar ao espectador a beleza, a intensidade, as contradições mas também a pertinência desse estado que é ‘estar vivo’, a partir de um texto que, na sua origem, nada possui de teatral.
Intenso e mordaz, mas também belo e naïf, o texto de Patrícia Portela leva o espetador a colocar-se em espelho com a sua vida e, consequentemente, com a sua morte.
VA