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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
No rescaldo da aritmética das eleições autárquicas de ontem a minha angústia, enquanto cidadão deste país, recaí neste triste pensamento: quem perdeu foi a Democracia e quem ganhou foi a Direita, governo e partidos da coligação.
Perdeu a Democracia, de forma aritmética e de cidadania. De forma aritmética porque a maioria dos cidadãos (uso aqui o termo no sentido grego da polis, e portanto no nosso caso daqueles que podem decidir dos destinos da polis, votando) disse claramente aos destinos do país: “ não sei nem quero saber disso”. Foram, segundo os dados oficiais, 51,27% dos cidadãos que se abstiveram ou votaram em branco. Os nulos considero-os, a esses sim, votos de protesto. Ou seja, tristemente a maioria dos cidadãos/votantes disse que se “lixe a isto”. Não vejo como não represente uma derrota da democracia, e claro da cidadania. Triste, e preocupante, muito.
A direita ganhou, na verdade, porque se juntarmos a esta maioria dos que não se interessam pela situação do país, as percentagens de votos dos cidadãos/votantes que acham que “assim é que deve ser e deve continuar”, ou seja dos que votaram PSD, CDS/PP e PSD+CDS/PP, então a conclusão é a de que a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses “não sabe, não quer saber, está bem assim e recomenda-se”.
E, para mim, isto diz muito da qualidade da nossa Democracia, do entendimento e interesse que a maioria dos portugueses tem sobre cidadania. E por conseguinte diz muito dos portugueses, como povo.
Mas a noite eleitoral de ontem ainda nos diz mais coisas interessante para este exercício. Diz-nos que o programa da TVI, “Big Brother”, teve mais audiência que a emissão sobre a noite eleitoral na mesma estação de televisão (que já agora adianto que para mim foi a melhor emissão). Facto que de resto sublinha o que disse anteriormente.
Diz-nos também a noite eleitoral que, em Oeiras, ganhou o candidato independente Paulo Vistas que sempre afirmou honrar e defender o seu mentor/antecessor, Isaltino Morais, e que os festejos da campanha prosseguiram junto à prisão (Carregueira), onde o ex-autarca está detido, por sinal a dita prisão até se encontra noutro conselho (Sintra). E eu, que votei desde sempre em Oeiras, sinto-me até envergonhado, para dizer o mínimo. E só não me sinto enganado porque desde Janeiro que estou recenseado em Coimbra.
Finalmente uma memória. Estas eleições aconteceram 2 anos depois do 15 de Setembro de 2011. Para aqueles que viram nessa manif o início de uma onda de mudança, de uma “primavera portuguesa”, estas eleições são bem o sinal do epifenómeno que aquilo foi, e que, como depois se viu, não se repete. A não ser, diria eu se fosse um cínico, no dia em que um governo proibir os cartões de crédito em Portugal.
Quo vadis portumgale, ou melhor seria, “ai Portugal, Portugal”?
O Presidente da República dá-se mal com a democracia, isso já se sabia desde os indos anos 80's. Agora decidiu fazer uma comunicação que, das duas uma, ou é surreal ou cínica. Em defesa do primeiro caso, aludo a um conjunto de intervenções de que Cavaco tem sido protagonista nestes últimos anos em que parece que ele tem vivido numa qualquer twilight zone alucinada. Mas não opto por esse caminho. Cavaco demonstrou o seu real cinismo. O que ele quer é muito claro, não é que não queira este governo, ele não quer é o Portas no governo, por razões obviamente pessoais, e ainda por cima numa posição de força no recém modelo de governo, e não quer Passos Coelho, que não lidera e de quem Cavaco deve ter tanta consideração como eu por cobras (coisas moles e sem espinha dorsal). E como não pode mudar de dirigentes então retira-lhes o tapete, mas reforçando a continuidade dessas mesmas políticas. O que ele quer então, um governo de iniciativa presidencial, com um primeiro-ministro fantoche e em que seja o próprio Cavaco o grande timoneiro real. Um francesismo político mesmo que o regime seja parlamentarista. Aliás o cinismo é tal que ele despreza a solução apresentada por Passos Coelho e Paulo Portas, que tem assegurada a maioria do parlamento. E ainda mais cinicamente evoca um tal de compromisso de salvação nacional, com o PS, sabendo de antemão que isso nunca seria viável. O que está então em jogo? Parece-me evidente que Cavaco conta com o não do PS e irá intentar uma solução de governo de iniciativa presidencial, refém dele próprio. O Nicolau, o tal que era Maquiavel, muito se deve sentir contente com tais príncipes maquiavelistas. Nós é que não, se isto não fosse um blog público, eu até diria, nós é que fodidos estamos com tais príncipes.
Divorciei-me do Vidrão há uns anos. Não foi uma separação, foi mesmo um divórcio, legal, de papel passado e tudo. Decisão unilateral. Foi cobardia, reconheço-o. A idade permite-nos essa clarividência de atitudes. Mas na altura pareceu-me o desenlace lógico de uma relação que se tinha complicado nos últimos tempos. Mas foi cobardia. O Vidrão estava doente. Não de uma doença mortal, afinal de contas era apenas da bomba central de travões. Mas estava doente, paralizado, e indefeso. Não tinha segurança social, nem cartão da médis. E a operação era muito onerosa, no total mais de cinco centenas de euros. E nesse ano, que ainda ia a meio, já tinha tido outras enfermidades. Problemas nas articulações, pois fracturou o semi-eixo traseiro, e gases intestinais, pois emitia CO2 mais do que o permitido. Foi uma trabalheira levá-lo ao hospital em cada uma. E um gasto exorbitante. De cada vez tinha que protelar por mais tempo o internamento. Desta não podia mesmo. A minha situação civil de “cidadão com plafond de crédito esgotado” já nem se podia deteriorar mais, como bem se orgulhavam de me dizer os anõezinhos dos multibancos, “dirige-te a outro multibanco, ehehehe”, “operação cancelada, dirija-se ao seu banco, eheheheh”. E decidi. Como uma proposta indecente, entreguei-o, mesmo enfermo a um qualquer Redford. Por dinheiro. Cobardia. E injustiça. Tanto que ele se fartou de trabalhar para mim, de me acompanhar pelos caminhos mais vis que lhe impunha. Coitado, bastas vezes adoeceu, sobretudo das articulações. Mas sempre corajoso, e em 15 anos de relação nunca me pediu um par de sapatos, andou sempre com os mesmos, e diferentes do supletente, que ainda por cima estava roto.
Hoje sinto saudades. Saudades daquele roncar ruidoso. Saudades do apetite voraz que tinha. Da rigidez do seu comportamento. Mas também do modo orgulhoso como afrontava rotundas e cruzamentos, sempre altaneiro dos seus direitos.
Tenho saudades e remorsos. A ilusão do dinheiro fácil rapidamente se esfumou e, hoje, de regresso ao mesmo estado civil de “cidadão com plafond de crédito esgotado”, já nem a sua companhia me mitiga em tristes passeios. Contento-me com a RN. In memorium Vidrão.
É comum associarmos esta trilogia a uma estratégia ideológica do Estado Novo, no duplo sentido de, por um lado, construir um identitário nacional, por outro lado, envolver o povo português num imaginário apolitizado, obscurecedor de veleidades políticas contestatárias da ordem e da moral que se pretendia impor. Por isso mesmo, essa trilogia seria alvo de nefasta e inconsequente campanha a seguir ao 25 de Abril de 1974. No seu afã libertário, a novel intelectualidade nacional revolucionária elegeu Fátima, o Futebol e o Fado, como símbolos da portugalidade retrógrada, fascista e reacionária e, concomitantemente, como alvos da purga cultural, para o nascimento do Homem Novo português.
Contudo, ao contrário do que então se pretendia, a relação triológica persistiu. Modernizou-se, por um lado, por exemplo Fátima deixou de ser o único lugar iconoclástico da fé nacional. Globalizou-se, o futebol extravasou fronteiras e internacionalizaram os lusos. E cosmopolitizou-se, o fado deixou de representar tão somente o triste e cruel destino luso, como Rocha Peixoto tão bem caracterizou, e passou a integrar uma pluralidade de textos e contextos.
Mas a sustância que na verdade caracteriza a relação permaneceu. O Futebol enquanto locus da relação Fé-Fado/Destino. Destino trágico, mas sempre eivado da esperança ao retorno glorificador. Tal como a Saudade de Pascoaes, ao trágico do Destino cruel, junta-se a Fé do regresso às glórias do passado.
Mas uma Fé, modernizada, que já não se expressa unicamente na linguagem mariana de Fátima, mas noutras linguagens mais ecuménicas, que se realizam noutros fóruns, religiosos, ou laicos, como por exemplo em eleições. Na terra mãe, ou em qualquer lugar da diáspora, ciclicamente se renovam esperanças e se reproduzem saudades. E se regressa ao mito Sebastiânico. No verde da esperança, predomina o vermelho de dor.